
Antes de o fogo acender e ser contido em apenas seis minutos no setor azul da COP30, a escolha de Belém era consenso. Boa parte dos 42 mil forasteiros na capital havia sido fisgada pela hospitalidade dos paraenses. As medidas solicitadas pela ONU, após um grupo de 60 pessoas invadir a zona restrita, foram atendidas e até Miriam Leitão dizia em entrevista que as coisas estavam funcionando.
Nas redes naquela manhã, a diversão consistia em desancar Merz, o premiê alemão que não comeu tacacá nem ouviu o carimbó, mas foi mexer com o orgulho regional. Lula revidou: “devia ter ido a um boteco”, “Berlim não dá 10% do que nos dá o Pará”. O alemão acabou se desculpando e desembolsou 1 bilhão de euros para o Fundo das Florestas Tropicais (TFFF).
Por Tatiana Carlotti, para o Barão de Itararé
A proposta coletiva da Fazenda, Meio Ambiente e Relações Exteriores surge com endosso de 63 países e aportes da França, Indonésia, Noruega e agora Alemanha, totalizando US$ 6,7 bi. O valor é pouco mais da metade prevista pelo ministro Haddad, que estimava US$ 10 bilhões.
O TFFF funcionará como um fundo de investimentos global, podendo receber aportes públicos e privados, voltados a preservação e mitigação das mudanças climáticas em países protetores de florestas tropicais. “Não é doação, é investimento”, explicou Lula.
Também foi anunciada pela Aliança Utilities for Net Zero (Uneza) um investimento de US$ 1 trilhão de dólares até 2030 para impulsionar soluções de energia elétrica no setor global. Outra proposta de financiamento é o RAIZ, voltado à recuperação de terras degradadas, incluindo o compartilhamento de tecnologias, com adesão da Austrália, Canadá, Alemanha, Japão, Arábia Saudita, Nova Zelândia, Noruega, Peru e Reino Unido.
Essas ações integram Agenda de Ação da COP30, com um total de 117 propostas que englobam ações que vão desde a proteção dos oceanos a adaptação de estruturas de saúde para atender vítimas das tragédias climáticas. Elas surgem de 480 iniciativas apresentadas, debatidas e unificadas nestes dez dias de evento.
Inclusão
A COP30 foi inegavelmente a mais inclusiva. Houve Marcha pelo Clima com milhões empunhando bandeiras civilizatórias; a Plenária dos Povos que tomou a blue zone na última sexta; debates e atos na Cúpula dos Povos e na Aldeia COP; além de um intenso circuito de mostras, lançamentos, exposições dentro e fora da green zone.
Dez terras indígenas foram demarcadas nesta COP que contou com cerca de 900 lideranças cadastradas na blue zone e mais de 3 mil indígenas envolvidos no evento. As portarias declaratórias anunciadas devem o direito sobre as próprias terras dos povos Mura, Tupinambá de Olivença, Pataxó, Guarani-Kaiowá, Munduruku, Pankará e Guarani-Mbya, nos estados do Amazonas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Pará, Paraná e São Paulo.

O BNDES também liberou R$ 123,6 milhões para 19 projetos de restauração ecológica e fortalecimento da cadeia produtiva em terras indígenas na Amazônia Legal. São mais de 3,3 mil hectares contemplados em 26 territórios no Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Pará e Maranhão.
“Demos um passo relevante no papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescentes. Transição justa ganhou corpo e voz na presença desses segmentos. Lançamos o TFFF, um mecanismo inovador que valoriza aquelas que conservam e mantêm as florestas tropicais”, salientou a ministra Marina Silva.
Ela também destacou o avanço da adaptação com o compromisso dos países desenvolvidos de triplicarem o financiamento até 2035. Cerca de US$ 135 milhões foram destinados para o Fundo de Adaptação.
Marina lembrou que 122 partes apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas, com compromissos em reduzir emissões até 2035. “Faltam outras partes, mas esses resultados são ganhos fundamentais para o multilateralismo climático”, avaliou.
Combustíveis fósseis
Apesar das conquistas, a COP estancou num dos pontos cruciais para estancar o aumento da temperatura planetária em 1,5°C, como determinam os Acordos de Paris. As discussões em torno da transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis foi motivo de uma verdadeira queda de braços.
Mais de 80 países apoiaram a adoção do “Mapa do caminho”, uma proposta que visa construir um mapa, com diretrizes para a transição dos combustíveis fósseis para os renováveis. No entanto, petro-estados liderados pela Arábia Saudita, com apoio da Índia, China e Rússia, ameaçaram sair das negociações caso o termo “combustíveis fósseis” fosse incluídos no texto final.
A OPEP mandou um comunicado à presidência da COP, dizendo que na verdade, o petróleo é fundamental para as nações em desenvolvimento. “O nível recorde atual da demanda deve continuar crescendo” e “sendo a maior fonte de energia até 2050”, informa o texto.
O impasse estava sobre a mesa quando soou o alerta de incêndio e as negociações foram interrompidas, por volta das duas da tarde na quinta-feira. Horas depois, a ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, da prestigiada organização fundada por Mandela, The Elders (Os Anciãos), enviou uma mensagem aos delegados internacionais, dizendo que o trabalho não estava terminado e que era preciso foco no que realmente importa.
Robinson também recomendava: “sejamos cautelosos na forma como nos manifestamos publicamente e evitemos qualquer crítica que possa, involuntariamente, adicionar combustível a uma situação já difícil para o brasil. A mídia já está amplificando o drama, e não queremos que a história desta COP se torne ´o multilateralismo em chamas’”.

Os trabalhos foram retomados na sexta-feira e o rascunho final acabou sendo publicado sem menção aos combustíveis fósseis. “Metade dos países queriam, a outra metade não queria. E quando não há consenso não tem nada que a gente pode fazer porque esse aqui é um processo que precisa do consenso de todos os países”, lamentou Ana Toni, CEO da COP30.
As reações vieram de todos os lados. Cientistas, como Carlos Nobre, qualificaram a omissão de “traição à ciência e às pessoas, especialmente os mais vulneráveis” apontando-a como “totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5°C e com o quase esgotamento do orçamento de carbono”.
Na mesa de negociações, trinta países, entre eles Colômbia, França, Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Serra Leoa denunciaram a decisão como um retrocesso nas negociações gerais. Gustavo Petro, presidente da Colômbia, a chamou de “hipocrisia” e cravou o tema nas discussões da próxima COP na Turquia.
Petro convocou a Primeira Conferência Internacional sobre Transição Justa para Longe dos Combustíveis Fósseis, programada para abril de 2026. O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou que levará o mapa do caminho para o encontro; e anunciou a construção de um segundo mapa, agora voltado ao desmatamento.
O Comissário Europeu para o Clima, Wopke Hoestra, afirmou que o documento final “está muito aquém da ambição que precisamos para a mitigação das mudanças climáticas. Estamos decepcionados com o texto que está sendo discutido”. E o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que está se tornando cada vez mais difícil chegar a acordos.
“As COPs são baseadas em consenso – e em um período de divisões geopolíticas, o consenso é cada vez mais difícil de alcançar. Não posso fingir que a COP30 tenha alcançado tudo o que é necessário. A lacuna entre onde estamos e o que a ciência exige continua perigosamente grande”, apontou.
Ao encerrar o evento, a ministra Marina Silva (Ambiente) questionou: “se pudéssemos voltar no tempo e conversar com nós mesmos na Rio-92, o que aquelas versões de nós diriam ao olharem para os resultados de hoje?
Certamente nos diriam, antes de tudo, que sonhávamos com muito mais resultados. Esperávamos que a virada ambiental seria mais rápida, que a ciência seria suficiente para mover decisões, que a urgência falaria mais alto do que qualquer outro interesse”.
Marina ponderou que a COP precisava de “muito mais esforços” para honrar a missão 1.5, assumida em Dubai. “Ainda estamos aqui e seguiremos persistindo no compromisso de empreender a jornada necessária para superar nossas diferenças e contradições no urgente enfrentamento da mudança do clima”, garantiu a ministra, ao ser ovacionada, como se deve.