Por Saul Leblon, na Carta Maior
No momento em que o conservadorismo captura o tema da liberdade de expressão para, mais uma vez, colocá-lo ao abrigo das suas conveniências, servindo-se agora da justa comoção causada pelo massacre terrorista contra o Charlie Hebdo, uma fresta se abre na esférica blindagem do oligopólio midiático brasileiro.
De dentro dela uma teimosia se levanta para dizer: ‘O Manchetômetro está de volta’.
Tremei déspotas da primeira página e maestros das escaladas de uma nota só: sua parcialidade voltou a ser medida e monitorada cientificamente.
O site de monitoramento de mídia, criado por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) para avaliar a cobertura das eleições de 2014 fez tanto sucesso –entenda-se, incomodou tanto—que voltou à frente de batalha.
Espera-se que desta vez para ficar.
Seu relançamento traz agora a tinta fresca do comportamento pós-urnas da mídia derrotada junto com Aécio Neves em 26 de outubro.
Os dados, sobretudo os gráficos que medem a opinião editorial dos jornalões sobre o governo Dilma, não deixam margem a dúvidas quanto ao que vem pela frente .
O Manchetômetro, ao contrário, não opina. Sua vocação é medir e expor aquilo que os mais aguerridos defensores do bordão ‘somos todos Charlie’ fazem por essas bandas em nome da liberdade de expressão.
Os dados frequentemente chocam.
Na reta final do primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, por exemplo, quando o voto dos indecisos poderia interferir na sorte da candidatura progressista, Lula estava nas ruas para falar aos eleitores.
Porém, mais que isso, para convocar engajamento contra a barragem de fogo midiática que sufocava Dilma.
Numa carreata em Diadema, a dois dias do voto, ele levava no bolso sua principal arma de convencimento: anotações com estatísticas do site Manchetômetro sobre a cobertura jornalística da disputa política mais virulenta registrada no país desde 2002.
Na boleia de uma caminhonete, por mais de dez minutos, um ex-presidente da República rouco e banhado de suor e indignação, dissecou o sentido político dos números frios colhidos pelo Manchetômetro.
Lula fez então manchetes com notícias que não saem nos jornais.
Ao mencionar, por exemplo, o tempo ocupado por escaladas negativas contra a presidente Dilma Rousseff no Jornal Nacional ( 1h46m), recorreu à metáfora futebolística e disparou para ninguém mais esquecer:
‘A Globo na campanha presidencial de 2014 dedicou mais tempo dando manchetes contra a Dilma do que a duração de uma partida de futebol’.
Pronto. Não precisava mais nada.
Mas para reforçar ele não hesitou em sacudir a anotação no ar perguntando à audiência hipnotizada: ‘Sabem quantos minutos de noticiário negativo a candidata do PSB teve no mesmo período ?’
‘Nenhum’.
‘Isso mesmo: nem um único minuto’
A maestria na pontuação oral fez o resto.
Sobraria em seguida para os jornalões da ‘gloriosa imprensa brasileira’, como Lula gosta de alfinetar com ironia ácida.
O número pinçado por ele então resumia todos os demais.
Desde o início da disputa, em 6 de junho, lembrou a voz rouca, mais afiada que nunca, os jornais Folha de SP, Globo e Estadão deram nada menos que 490 manchetes negativas contra Dilma.
‘Isso significa’, ele conferiu o dado do Manchetômetro e fuzilou em seguida: ‘quatro vezes mais que a soma de todas as manchetes negativas atribuídas a Aécio e Marina juntos (114)’.
Na conclusão disso tudo a voz rouca adquire um tom pedagógico e irado diante do qual é impossível ficar indiferente.
Imagine o efeito dessa cena no Jornal Nacional.
Bem, ela nunca acontecerá porque a rede dos Marinhos jamais divulgará o que Lula disparou em seguida.
‘Tudo isso se dá, minha gente’, disse ele com os papeizinhos na mão, ‘ porque neste país não existe liberdade de imprensa, mas sim a doutrina de nove famílias que dominam a comunicação e nutrem ódio pelo PT. Não pelos erros que o PT possa ter cometido’, fuzila a rouquidão indignada. ‘O PT tem defeito? Tem’, prossegue depois de uma pausa. ‘Mas eles nos odeiam não pelos nossos defeitos. E, sim, porque o PT promoveu a ascensão social dos pobres neste país. É por isso que desde o início da campanha eles atacam a Dilma com o equivalente a três manchetes negativas por dia cada um’.
Pois bem, a usina de monitoramento equidistante que coleta e mede o material expelido diariamente pelo oligopólio brasileiro de mídia está de volta.
A liberdade de expressão lhe deseja longa vida e festeja puxando o coro:
‘Somos todos Manchetômetro!’
Leia a seguir a primeira edição do Manchetômetro de 2015.