Caiu o governo de Dina Boluarte. Foi traída pela própria incapacidade — a mesma com que, há 34 meses, traiu seu companheiro de chapa, o então presidente Pedro Castillo.
Por Hugo Ramírez Huamán*
Também a traíram os grupos parlamentares que, até ontem à noite, a mantiveram no cargo: Fuerza Popular, de Keiko Fujimori; Alianza para el Progreso; Renovación Popular; Somos Perú; Podemos Perú; Avanza País e Acción Popular — todos partidos de direita e extrema direita.
Essas legendas a blindaram diante de 59 pedidos de vacância, censura e interpelação, durante o período em que Dina Boluarte acreditou que governar era sinônimo de mandar assassinar peruanos nas manifestações, ostentar relógios Rolex de luxo ou submeter-se a cirurgias estéticas no rosto, enquanto a corrupção, a delinquência, o crime organizado e a extorsão tomavam conta do país.
Triste fim para a primeira mulher a governar o Peru, que perdeu a oportunidade de, ao menos, demonstrar personalidade e governar com independência. Transformou-se numa marionete útil dos partidos políticos mencionados, de setores empresariais poderosos e de magistrados e figuras questionadas pela Justiça — todos se beneficiando da fragilidade da agora ex-presidente.
A vacância aprovada com rapidez pelos mesmos grupos parlamentares que a sustentavam foi uma jogada de mestre no tabuleiro político, já mirando as eleições gerais do próximo ano. Dina já não lhes serve, e com sua queda buscam lavar a própria imagem. Essa manobra não deve passar despercebida pelo eleitorado. Cuidado com os lobos que agora se vestirão de cordeiros em busca de votos para o Senado, a Câmara ou a Presidência da República.
José Jerí, que ocupava a presidência do Congresso, assume agora como presidente da nação, conforme previsto na Constituição. Conseguirá, nestes seis meses de governo de transição, conter o avanço da insegurança que mais preocupa o país?
Será capaz de dar golpes significativos contra a corrupção e o crime organizado, após declarar guerra a ambos em seu primeiro discurso?
E, mais importante ainda, conseguirá governar com independência, como Poder Executivo autônomo, sem receber ordens do Congresso, como fez Boluarte?
Se este novo governo conseguir dar sinais nessa direção, haverá alguma esperança de que mudanças reais em favor da cidadania sejam possíveis. Caso contrário, continuaremos praticando nosso esporte favorito: destituir presidentes sem resultado algum. Mais do mesmo.
*Presidente do Centro de Comunicação Amakella – Rádio Yaraví. Integra a Comissão Internacional de Comunicação para a Integração, vinculada ao Barão de Itararé.
Somos América é uma coluna periódica do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé dedicada à publicação de análises sobre comunicação, política e integração regional. A coluna traz textos exclusivos de autores e autoras diversos que estão conectados à rede do Barão de Itararé. O conteúdo dos artigos não expressam, necessariamente, a visão da organização.