Por Renata Mielli (Secretária-Geral do Barão de Itararé), na Mídia Ninja
Há mais de 365 dias chove no Brasil. A frase não é exatamente minha, mas uma apropriação da sentença que abre o filme do cineasta argentino Fernando Solanas. Pino, como é conhecido pelos amigos, lançou em 1998, A Nuvem, no qual critica veementemente o governo argentino da era Menem e a submissão inconteste do país aos interesses estadunidenses.
“Ha mais de 1600 dias chove em Buenos Aires”.
No filme, as pessoas andam para trás, numa clara alusão ao país que retrocedia e perdia sua soberania, sua identidade cultural e que privatizava todas as áreas da sua economia ao mercado.
Qualquer semelhança com o Brasil de hoje não é exatamente mera coincidência.
Com o golpe, uma pesada nuvem de chuva estacionou sobre o território nacional.
Desde então, dia após dia, uma sucessão de medidas adotadas pelo senhores que tomaram de assalto o Palácio do Planalto são tomadas, todas no sentido contrário aos interesses nacionais e da imensa maioria da população.
Neste país ao avesso, a mídia hegemônica é o alter ego do governo golpista. Ela não é apenas o “outro eu” ela é a sua versão mais infame e abjeta, porque além de pautar o que o governo deve fazer, ela utiliza sua influência monopolista para conduzir a opinião pública.
No Brasil do golpe, Michel Temer é quase que um acidente de percurso. Era o “que se tinha para hoje”.
Temer nunca foi, e não é, a liderança política escolhida pela elite econômica para conduzir a agenda política de desconstrução nacional. Não à toa, foi rifado sem cerimônia pela Rede Globo, a “goodfather” da mídia brasileira.
Até seus fiéis escudeiros, como Estadão e outros, usam adversativos para justificar seu apoio ao presidente Temerário.
Um breve panorâma do golpe
Mas se “é com ele que eu vou”, então é preciso seguir em frente e olhar apenas para o resultado. Neste quesito os golpistas devem estar muito satisfeitos: os investimentos do Estado foram congelados por 20 anos pela Emenda Constitucional 95, A Reforma Trabalhista foi aprovada, Reforma Política antidemocrática está em vias de, um pacote de privatizações colocou todo o país à venda, foram aprovados o fim do conteúdo nacional para a indústria, a terceirização das atividades fins nos contratos de trabalho, a entrega do pré-sal a estrangeiros, a venda de terras para estrangeiros e assim por diante. Medidas que ainda aguardam aprovação vão piorar ainda mais este já desolador cenário, entre elas a Reforma da Previdência e a aprovação do PLC 79 que além de alterar a Lei Geral das Telecomunicações também entrega na mão das empresas um patrimônio estimado pelo Tribunal de Contas da União em mais de 70 milhões de reais. Um presentão né, aqui entre nós. Falamos um pouco sobre esses temas na coluna passada.
Golpe nocauteia direito à comunicação
O guru das comunicações de Adolf Hitler, Josep Goebbels, dizia que uma mentira dita mil vezes torna-se verdade. Fico imaginando então quantas vezes são necessárias repetir uma verdade para que ela seja reconhecida como tal. Tempos difíceis estes. Por isso, nunca é demais reafirmar que os golpes não convivem com a liberdade de expressão. Para se impor, os golpistas precisam impedir que os chamem de golpistas. E, de outro lado, fomentar os aparatos de mídia que lhes dão sustentação. Abafa de um lado e abana de outro.
Então, nesta toada, a mídia que pavimentou o golpe também recebeu seu quinhão nesta liquidação.
Além de terem vitaminadas as verbas publicitárias, medidas administrativas alterando os procedimentos para a concessão e renovação de outorgas facilitaram a vida dos barões midiáticos, vide a medida provisória 747 e o decreto 9138/2017 de 22 de agosto.
O desgoverno também segue empenhado em tirar do caminho tudo o que atrapalha a mídia no seu trabalho de adestramento da sociedade. A Empresa Brasil de Comunicação foi uma das primeira vítimas do golpe com a MP 744, que interviu na empresa acabando com o Conselho Curador e destituindo o mandato do seu diretor presidente. Mas ela segue sendo desestruturada por medidas administrativas internas, com o anúncio de um Programa de Desligamento Voluntário (PDV) que tem a meta reduzir em pelo menos 500 o atual quadro de funcionários, e sofre uma nova ameaça: estuda-se fundir a TV Brasil (a televisão pública da EBC) com a NBr (a televisão estatal).
A elite brasileira nunca se preocupou com essa história de comunicação pública para promover diversidade e pluralidade, aliás, muito pelo contrário.
Os tentáculos do golpe também chegaram na internet com iniciativas que alteram o seu modelo de governança no Brasil. Constituído em 1995 (portanto no governo FHC) e aperfeiçoado em 2003, o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) tem sido referência internacional de aplicação do modelo multissetorial de governança da internet. Reúne representantes do governo, empresários, academia e terceiro setor para discutir os rumos da internet no país, zelando por uma internet neutra, aberta e livre. Mas o governo golpista também está de olho gordo no CGI.br e, por pressão das empresas – que consideram estar sub-representadas no comitê – pretende promover mudanças no CGI. Para saber mais clique aqui.
Isso para não falar dos vários – dezenas – de projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que alteram o Marco Civil da Internet em diversos pontos, seja para permitir o bloqueio de aplicativos, para aumentar a vigilância e a criminalização do uso da internet, atacar a privacidade dos usuários, entre outros pontos da lei que garante direitos e deveres dos usuários da internet no país.
E se chove ininterruptamente no Brasil, cai uma verdadeira tempestade com raios e trovões sobre a liberdade de expressão.
O Poder Executivo, Legislativo e o Poder Judiciário têm tomado decisões que representam graves violações à liberdade de expressão, muitas denunciadas pela campanha Calar Jamais! desenvolvida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). A mais recente é a decisão de uma juíza da 6ª vara cível, proibindo o Diário do Centro do Mundo – DCM de utilizar a palavra Helicoca para se referir ao helicóptero do senador José Perrela que foi apreendido em 2013 com 400 quilos de cocaína. As dezenas de outros casos mapeados pela campanha podem ser vistos neste link.
Este é apenas um pequeno e despretensioso panorama do golpe em curso no Brasil.
Geralmente, a mídia hegemônica publica balanços quando os governos completam um ano de mandato. Certamente não veremos uma linha de análise sobre o governo Temer nos grandes meios de comunicação. Até porque, o silêncio faz parte do golpe.
Não sei por quanto tempo mais vai chover sobre o Brasil. Mas a gente não pode esperar pela estiagem.