Desde 2009, quando a Lei de Imprensa foi considerada incompatível com a Constituição Federal, o direito de resposta nos meios de comunicação está sem regulamentação. Quatro anos depois, está na ordem do dia do Senado Federal um projeto que pode regulamentar este direito fundamental, previsto no artigo 5º da Constituição. O projeto 141/2011, do senador Roberto Requião (PMDB-PR), define as condições, prazos e trâmites para aplicação do direito. Contudo, o relatório aprovado pelo Conselho de Comunicação Social (CCS), na última semana, propõe uma modificação no texto que pode restringir a aplicação do direito e aumentar a judicialização nos casos de ofensa.
Por João Brant. publicado originalmente na Carta Capital
A polêmica diz respeito aos casos que justificam a aplicação do direito de resposta. De acordo com a última versão do texto – o substitutivo preparado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT) – a lei vale para todos os casos em que houver ofensa. Na proposta feita pelo CCS, que atua como órgão auxiliar do Senado, o direito de resposta se limita aos casos em que houver fato errôneo ou inverídico. A justificativa para essa limitação é que, se o direito de resposta for mantido de forma ampla, pode gerar um efeito de ‘esfriamento do discurso’, ou seja, pode fazer com que jornalistas evitem publicar textos que possam ser considerados ofensivos, o que poderia diminuir as críticas públicas.
A preocupação é pertinente, mas a solução encontrada é uma opção ruim, por vários motivos:
1) A Convenção Americana de Direitos Humanos aponta o direito de resposta como mais amplo do que os casos de fatos e acusações falsas. Diz o artigo 14: “Toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas, emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei”.
2) O direito de resposta precisa ser visto como uma AMPLIAÇÃO da liberdade de expressão, e não como uma limitação. Claro que há riscos de esfriamento do discurso, mas sua aplicação pode e deve servir para ampliar o debate de ideias e reequilibrar uma situação assimétrica de poder.
3) A melhor solução para evitar o esfriamento do discurso estaria na retomada da formulação original do artigo 8º do PLS 141, que listava uma série de exceções, evitando o abuso no uso do direito, especialmente por membros do Executivo, Legislativo e Judiciário, além de resguardar as críticas literária, teatral, artística, científica ou desportiva.
4) A noção de direito de resposta no Brasil é inspirada na tradição francesa e portuguesa, mais abrangentes do que a de outros países, como Espanha e Alemanha, que limitam o direito à retificação no caso de erros.
5) O direito de resposta pode ser uma solução justa e não financeira para queixas de difamação. Vários jornalistas sérios apontam que um mecanismo de direito de resposta bem aplicado poderia impedir vários processos civis cuja saída se torna a indenização financeira. A proposta apresentada pelo Conselho de Comunicação Social faz com que o único caminho para responder a ofensas seja o trâmite normal da justiça, que pode demorar décadas.
6) A formulação ampla do direito de resposta tem sido defendida por vários juristas no Brasil e foi chancelada pelo ministro Celso de Mello em decisão sobre a ação cautelar 2695 no Supremo Tribunal Federal. Nessa ação, inclusive, o ministro do Supremo Tribunal Federal defende que o direito de resposta deve ser entendido também como um direito difuso, o que o projeto do Senado não contempla.
As emissoras alegam que uma conceituação aberta de direito de resposta poderia afetar a liberdade de expressão, mas a definição vigente até 2009 (antes da derrubada da Lei de Imprensa) era aberta e o resultado nunca foi abusivo. Ao contrário, o que se via era uma enorme dificuldade de aplicação deste direito, com vários casos em que o trâmite jurídico demorava mais de uma década.
Os senadores precisam refletir sobre qual dos caminhos postos ampliam a liberdade de expressão. Ao que parece, a solução proposta pelo CCS promove garantias excessivas para os grandes veículos e retira do cidadão comum um direito que a Constituição lhe garante.
*João Brant é membro do Intervozes e doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo.