10 de janeiro de 2025

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André Curvello: Fake news, uma ameaça real

Anúncio da Meta é alerta global para que governos e sociedade civil fortaleçam discussão por regulação das plataformas, afirma jornalista

A recente decisão do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, de descontinuar a checagem de fatos no Facebook e no Instagram trouxe à tona um tema central na era digital: a necessidade de regulamentar a disseminação de informações falsas e propaganda nas redes sociais. Com o argumento de que os verificadores de fatos eram “politicamente tendenciosos”, Zuckerberg propôs um modelo em que a comunidade de usuários assume a responsabilidade por avaliar a veracidade das informações. No entanto, especialistas alertam que essa abordagem transfere para os usuários uma tarefa que exige preparo técnico e recursos, gerando um risco ainda maior de amplificação da desinformação.

André Curvello

Essa mudança de paradigma na moderação de conteúdo, aproxima a Meta de modelos menos interventivos adotados por outras plataformas, como o X (antigo Twitter), sob a gestão de Elon Musk. Críticos apontam que a abdicação do controle rigoroso sobre a veracidade das informações coloca em xeque a integridade das discussões públicas, aumentando a polarização e o impacto das fake news. De acordo com um estudo recente da Universidade de Stanford, iniciativas de autorregulação, como as “notas da comunidade” implementadas no X, têm impacto limitado na redução da desinformação, especialmente em países com baixa alfabetização midiática.

O que a Meta pretende desativar, no Brasil, é um programa de checagem de fatos em parceria com diversas organizações independentes. Entre essas entidades estão a Agência Lupa, Aos Fatos, Estadão Verifica, AFP, Reuters Fact Check e UOL Confere. Essas organizações são reconhecidas por sua atuação na verificação de informações e são signatárias do código de conduta da International Fact-Checking Network (IFCN), que estabelece normas de transparência e ética profissional.

A mudança pode impactar negativamente a capacidade dessas agências de combater a desinformação no país. Além disso, a sociedade brasileira como um todo pode ser prejudicada, uma vez que a ausência de checagem profissional tende a aumentar a circulação de notícias falsas, afetando a qualidade da informação disponível ao público.

No Brasil, o debate sobre fake news tem uma história marcada por avanços e retrocessos. O PL 2630/2020, que visava instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, ficou conhecido como o PL das Fake News. Relatado pelo deputado Orlando Silva, o projeto propunha medidas como a obrigatoriedade de rastrear contas automatizadas, exigir maior transparência em campanhas publicitárias e responsabilizar plataformas digitais pela disseminação de conteúdos prejudiciais. Contudo, sua tramitação foi interrompida após intensos debates e acusações de que as medidas poderiam levar à censura, transformando o projeto em mais um campo de batalha ideológica.

O arquivamento do projeto deixou o país sem um arcabouço legal robusto para enfrentar os desafios da desinformação. Segundo o Global Disinformation Index, o Brasil figura entre os países mais impactados por campanhas de desinformação em contextos eleitorais, crises de saúde pública, como durante a pandemia de Covid-19, e ataques a instituições democráticas. Dados de 2022 indicam que mais de 60% dos brasileiros foram expostos a conteúdos enganosos nas redes sociais. A ausência de regras claras favorece a proliferação de notícias falsas, dificultando o combate ao discurso de ódio e à manipulação da opinião pública.

Diante da ausência de legislação específica, coube ao Supremo Tribunal Federal (STF) assumir o protagonismo no combate às fake news por meio do Inquérito nº 4781, conhecido como “Inquérito das Fake News”. Iniciado em 2019 pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, o inquérito investiga a disseminação de notícias falsas, ameaças e ataques contra a Corte. Ao longo de quase seis anos, a investigação revelou redes estruturadas de desinformação, incluindo o “gabinete do ódio”, associado a atores políticos e a campanhas de manipulação digital.

Contudo, o inquérito também gerou divisões dentro do STF. Alguns ministros, como Moraes, defendem a necessidade de ações firmes para proteger a democracia. Outros, no entanto, questionam a legalidade do inquérito, argumentando que ele foi instaurado sem a participação inicial do Ministério Público, o que pode configurar um excesso de poder. Essa controvérsia reflete as tensões entre a defesa da democracia e os limites do papel do Judiciário, evidenciando a urgência de um marco legal que enfrente a desinformação de forma eficaz.

Regular as plataformas digitais e incentivar a checagem de fatos não é censura. Pelo contrário, é uma questão de respeito às regras que sustentam a convivência democrática. A liberdade de expressão, como qualquer direito, não é absoluta; ela encontra limites no respeito aos direitos dos outros, incluindo a proteção à reputação e à segurança das pessoas e instituições.

A ONU, em conjunto com organismos como a OEA e a Comissão Africana sobre Direitos Humanos, já alertou para os riscos das fake news. Relatórios enfatizam como a desinformação incita violência, discriminação e hostilidade, além de ameaçar jornalistas e comprometer o acesso à informação objetiva. O secretário-geral António Guterres classificou o impacto das fake news como um “grave dano global” e apelou por soluções coordenadas para enfrentar essa ameaça.

Exemplos internacionais mostram que a regulamentação pode ser feita de forma equilibrada. A União Europeia, por exemplo, implementou o Código de Prática contra a Desinformação, que envolve parcerias com empresas de tecnologia para limitar o alcance de fake news e aumentar a transparência das plataformas.

Além disso, é essencial investir na educação digital para que cidadãos sejam capazes de identificar e reagir criticamente a conteúdos enganosos. Países como Finlândia e Estônia lideram em alfabetização midiática, com programas educacionais que ensinam desde cedo a distinguir fatos de opiniões e a verificar fontes de informação. No Brasil, iniciativas como a Coalizão Brasil por um Jornalismo Ético têm buscado promover a conscientização, mas essas ações ainda carecem de escala nacional.

A decisão da Meta de abandonar a checagem de fatos deve servir como um alerta global para que governos e sociedade civil fortaleçam as políticas de moderação e a educação digital. No Brasil, o fracasso na aprovação de uma legislação como o PL das Fake News não pode ser visto como um ponto final, mas como um incentivo para amadurecer a discussão e criar soluções inclusivas e eficazes.

O desafio não é apenas tecnológico ou político, mas civilizatório. Proteger a democracia, os direitos humanos e a integridade das informações é uma responsabilidade coletiva que transcende ideologias. É hora de agir com maturidade e compromisso, antes que o custo da inação se torne irreparável.