Blogosfera e a liberdade de expressão foram temas de debate ocorrido em São Paulo na noite desta sexta-feira (3), Dia Internacional da Liberdade de Imprensa. A atividade, promovida pelo Artigo 19 e pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, contou com a presença de blogueiros e ativistas em direitos humanos, que discutiram a importância de assegurar a liberdade de expressão e a pluralidade de opinião na Internet. Na ocasião, ainda foi lançada a publicação Direito de blogar e o projeto Mapa da violência contra os blogueiros.
Para Altamiro Borges, presidente do Barão de Itararé, a blogosfera tem causado um grande alvoroço no universo da comunicação por desmontar o monopólio da informação, tradicionalmente detido pela grande mídia e por setores conservadores. “Há uma ofensiva truculenta e autoritária contra esses novos meios de comunicação no Brasil e a tendência é que a perseguição, a violência e essa tendência de judicialização da censura se intensifiquem”.
Borges citou o caso do blog Viomundo, mantido por Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes, que anunciou a intenção de encerrar as atividades após intimidações judiciais levadas a cabo por Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Rede Globo. “Após o caso do Viomundo, foi criado um fundo de solidariedade para auxiliar blogueiros em caso de ataques judiciais, que muito em breve estará no ar”, diz. Em parceria com o Artigo 19, o Barão de Itararé também anunciou parceria em projetos para orientar blogueiros que sofram perseguições e processos.
Representando o Artigo 19, Camila Marques destacou a importância de debater o tema num dia simbólico como o da Liberdade de Imprensa, “muitas vezes restrita apenas aos grandes veículos”. De acordo com ela, as duas frentes de ataque à liberdade de expressão tem sido documentadas pela entidade. “Tanto a perseguição e a violência, cada vez mais recorrentes no Brasil, quanto a censura por via judicial, tem sido largamente utilizadas para calar a blogosfera. Por isso, estamos lançando a publicação ‘Direito a blogar’”.
O documento, que será disponibilizado tanto em versão digital quanto física, propõe uma série de recomendações ao Estado sobre como evitar a censura e a violência, além de oferecer dicas práticas para blogueiros se prevenirem e se defenderem, diz Marques. “O aspecto mais positivo disso é que abrimos um espaço para a blogosfera internacional discutir a liberdade de expressão e mecanismos para defendê-la”, afirma.
Marques citou diversos casos de violação à liberdade de expressão amparada em parâmetros do direito internacional e de princípios de convenções internacionais de direitos humanos. “Muitas das proibições, perseguições e processos que ocorrem no Brasil não seriam válidos caso seguissem esses padrões internacionais”, diz, assegurando que “a opinião é amplamente defendida pelo direito internacional e não pode ser atacada judicialmente”.
Ricardo Fraga, do movimento O Outro Lado do Muro, enfrentou processos judiciais ao denunciar riscos ambientais e urbanos representados por uma obra de determinada empreiteira no bairro em que morava, em São Paulo. Ao relatar sua experiência, Fraga afirmou que a perseguição judicial, que obriga a retirada dos conteúdos publicados, “põe em risco a democracia, que consiste justamente na liberdade de falar, de reivindicar direitos e, principalmente, o direito de reivindicar”.
Criador ao lado de seu irmão do emblemático blog Falha de S. Paulo, que satirizava o maior jornalão paulistano, Lino Bocchini também integrou a mesa de debate. Ele lembrou o caso, no qual foram condenados a pagar uma multa inicial de 10 mil reais por cada dia em que o site fosse mantido no ar e, posteriormente, reduzida para mil reais, por “uso indevido da marca”. “Em minha opinião, é uma ofensa ao leitor da Folha achar que uma sátira com outro nome e com piadas seria confundido com o jornal de fato”, opina.
Agora administrador do Desculpe a nossa falha, Bocchini comparou o caso com o do Viomundo, já que ambos representam o desconforto da grande mídia com a blogosfera. “Uma vez que Azenha fez uma brincadeira com Ali Kamel, após encontrar um vídeo de pornochanchada no qual atuava um ator homônimo ao diretor da Globo, Azenha foi processado por tentar confundir o público sobre quem é Kamel”, diz.
Em sua avaliação, ambos os casos são absurdos e simbolizam um problema muito maior, que é a perseguição intensa aos blogueiros de regiões periféricas do país. “Boa parte desses blogueiros atuam, entre outras regiões, no Norte do país. É fundamental que esses cidadãos sejam protegidos, já que suscitam debates pertinentes e relevantes em suas cidades e têm sido calados à força pela censura judicial”, denuncia. “Já temos poucas vozes no país, devido à alta concentração dos meios de comunicação. As poucas vozes que tem surgido estão sendo tolidas por esse processo de perseguição violenta e/ou judicial”.
Bocchinhi ainda avalia que o governo pouco tem feito para defender a blogosfera e promover a democratização da comunicação no país: “O governo tem se omitido e merece um puxão de orelha. Além disso, o argumento de que o governo financia os blogs é uma mentira; pelo contrário, quase toda a verba publicitária oficial é destinada para os grandes veículos do país”.
Mapa da violência contra os blogueiros
Na ocasião, também foi apresentado o Mapa da violência contra os blogueiros: a ferramenta, que será hospedada no portal do Barão de Itararé, consiste em um meio de denúncia de perseguição, ameaças e processos que violem a liberdade de expressão na blogosfera. O blogueiro que se sentir ameaçado poderá registrar a ocorrência detalhando qual o tipo de intimidação que sofre, qual o seu veículo, entre outros detalhes. A exposição dos dados pessoais são opcionais, reservando o direito à preservação da identidade do blogueiro mais vulnerável à violência, por exemplo.
O mapa deve ir ao ar nos próximos dias e, além de meio de denúncia, também servirá como banco de dados, que organiza os ataques à liberdade de expressão seguindo o critério regional. As violações serão organizadas e agrupadas por estado. O projeto conta com o apoio do Artigo 19 e também está aberto à contribuição, principalmente no campo da divulgação, de entidades interessadas.
Por Felipe Bianchi