Há hoje um embate frequente entre duas formas de encarar a questão da liberdade de expressão. A primeira concepção, tradicionalmente defendida pelas grandes empresas de comunicação, relega a um papel menor o acesso aos meios pelos quais a liberdade de expressão pode ser de fato exercida. Os efeitos são altamente nocivos, como a concentração de poder nas mãos de poucos e a homogeneização do noticiário em torno de um pensamento único.
Por Maximilien Arvelaiz*, no jornal O Globo
Mas existe uma segunda concepção que identifica o acesso aos meios de difusão da informação como passo imprescindível para se falar em liberdade. Por uma razão lógica: a de que, sem a democratização dos meios, não se garante efetivamente o direito à voz e à opinião dos diferentes grupos sociais. Essa vertente tem colhido reações.
A mais recente foi a série de reportagens do Grupo de Diários América (GDA), veiculadas no Brasil pelo GLOBO, que trouxe de volta o surrado roteiro de acusar que o “fim da democracia e da liberdade de expressão” são características do atual governo venezuelano.
Pelo que vivi e conheço da democracia na Venezuela, questiono-me se essa associação é fruto apenas do desconhecimento da realidade de meu país. É preciso buscar o contexto venezuelano e lembrar que, em 2002, ocorreu um golpe de Estado com a participação direta da mídia. A partir desse episódio, o movimento do governo no sentido de democratizar os meios de comunicação foi fundamental para fazer um contrapeso à atuação política das empresas de comunicação e estabilizar a sociedade venezuelana.
Com uma visita à Venezuela é possível constatar que os principais jornais em circulação hoje são claramente simpáticos à oposição. O mesmo se dá nos meios de radiodifusão. Atualmente, o total de concessões públicas a rádios privadas é de 466 e de 61 para emissoras de televisão — expansão de 34,7% e 90,6%, respectivamente, desde 1998, quando Chávez foi eleito. Em nenhum caso, ao contrário do que se lê nos jornais brasileiros e internacionais, há controle de conteúdo por parte do governo.
Armand Mattelart nos ensina que o termo “liberdade de expressão” é compreendido hoje muito mais como “liberdade de propriedade” do que como “democratização no acesso aos meios de comunicação” Por isso, cada vez que vê seus interesses econômicos ameaçados, a mídia tradicional recorre ao termo, defendendo assim uma comunicação unilateral e que, muitas vezes, não reflete as reais preocupações e formas de ver a realidade dos inúmeros grupos sociais.
É justamente essa situação que o presidente Hugo Chávez tentou reverter com sua política de comunicação, agora levada a cabo pelo presidente Nicolás Maduro. O governo venezuelano, respaldado pela Constituição, investe prioritariamente em comunicação pública e descentralizada, para que a população organizada nos bairros também tenha direito à liberdade de expressão. Há, neste momento, 37 experiências de televisão comunitária; em rádio, são mais de 240 concessões comunitárias e cerca de 80 públicas.
A internet também contribui para o cenário de debate democrático na sociedade venezuelana. Somos um dos países da América Latina com mais contas na rede social Twitter, que se popularizou e se converteu em ferramenta massiva de intercâmbio de opinião. Isso, graças ao esforço do governo de Hugo Chávez em democratizar o acesso à internet, reconhecido pela Unesco por meio de prêmio.
É preciso esclarecer aos leitores brasileiros que o pilar das ações e políticas públicas venezuelanas está na compreensão de que dar voz aos cidadãos é primordial no processo de combate às desigualdades socioeconômicas, no combate às velhas relações de dominação e, ainda, no processo de integração cultural e simbólica entre os países do continente latino-americano.
* é embaixador da Venezuela no Brasil