22 de novembro de 2024

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Um bom exemplo de Portugal para a democratização da comunicação no Brasil

 

Sei que há léguas a nos separar

Tanto mar, tanto mar

Sei, também, quanto é preciso, pá

Navegar, navegar

(Chico Buarque)

No ano em que celebramos os 40 anos da Revolução dos Cravos em Portugal um tema parece ter passado em branco nas comemorações aqui no Brasil. Poucos são os que sabem que a Constituição da República Portuguesa que entrou em vigor em 25 de abril de 1976 trouxe grandes avanços para a democratização das comunicações naquele país. Conquistas que permanecem até os dias de hoje do lado de lá, mas que do lado de cá do oceano não foram reproduzidas.

Por Theófilo Rodrigues*, no blog Conexão Cultura Política

Uma das mais importantes inovações democráticas geradas pela Constituição de 1976 foi a possibilidade de direito de antena para as organizações da sociedade civil nos meios de comunicação. Para quem não reconheceu o termo, “direito de antena” é aquele tempo gratuito de inserção nas televisões e nos rádios que aqui no Brasil somente os partidos políticos dispõem. Pois é, em Portugal não apenas os partidos possuem esse direito, mas também as organizações da sociedade civil, associações, sindicatos, movimentos sociais etc. O artigo 40 da Constituição de Portugal diz o seguinte:

“Art. 40. Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas, bem como outras organizações sociais de âmbito nacional, têm direito, de acordo com a sua relevância e representatividade e segundo critérios objectivos a definir por lei, a tempos de antena no serviço público de rádio e de televisão”.

No caso da televisão o artigo 40 da Constituição de Portugal é regulamentado pela lei 08/2011 que garante “Noventa minutos para as organizações sindicais, noventa minutos para as organizações profissionais e representativas das actividades económicas e cinquenta minutos para as associações de defesa do ambiente, do consumidor e dos direitos humanos”. Já para as rádios o sistema é regulado pela lei 54/2010 e garante “sessenta minutos, por categoria, para as organizações sindicais, profissionais, e representativas das atividades econômicas” e mais sessenta minutos para “associações de defesa do ambiente e do consumidor, e, ainda, às organizações não governamentais que promovam a igualdade de oportunidades e a não discriminação”.

Agora, será que conseguimos imaginar todas as possibilidades que seriam abertas no Brasil se essa lei portuguesa valesse também por aqui? Imagine se o MST tivesse um espaço na televisão e na rádio para convocar para o abril vermelho ou para o grito dos excluídos no 7 de setembro. Imagine as potencialidades do movimento estudantil se a UNE pudesse convocar canal de televisão e rádio para mobilizar para as tradicionais passeatas de 11 de agosto. Imagine o empoderamento que as mulheres feministas teriam se suas associações como a UBM ou a MMM pudessem convidar a população para o 8 de março. Imagine a enorme capacidade de mobilização que as centrais sindicais passariam a ter para o primeiro de maio.

Para que tudo isso não fique apenas na imaginação, mas que torne-se concretude, assim como já ocorre em Portugal, a sociedade civil organizada no Brasil tem recolhido assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. O nosso Projeto de Lei propõe que as emissoras de televisão e rádio, por serem concessões públicas, assegurem, “como direito de antena, 1 hora por semestre para cada um de 15 grupos sociais relevantes, definidos pelo órgão regulador por meio de edital com critérios transparentes e que estimulem a diversidade de manifestações”. Como por enquanto inexiste no Congresso Nacional qualquer proposta nessa direção, a sociedade civil resolveu ela mesma fazer seu projeto de lei através de iniciativa popular e para isso precisa recolher cerca de um milhão e trezentas mil assinaturas para que o PL entre em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em um ano de eleições nacionais como este, o debate sobre a democratização da mídia precisa ocupar a esfera pública. Precisamos conhecer a opinião de cada um dos candidatos sobre o tema, pois dar voz ao povo é necessidade urgente de nossa democracia. A tarefa é difícil, mas como bem disse Chico Buarque, sabemos quanto é preciso navegar, navegar.

Theófilo Rodrigues é cientista político e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé no Rio de Janeiro