Não tenho dúvida que as conquistas do Marco Civil estão em perigo. A lei que foi apoiada pelos criadores dos principais protocolos que fazem a rede funcionar livremente, tais como Tim Berners-Lee e Vint Cerf, que teve a declaração de apoio de Julian Assange (Wikileaks), Jacob Appelbaum (TOR), Jeremmi Zimmerman (Quadrature du Net) precisará ainda ser regulamentada. Quem irá regulamentar a Lei? A Presidência da República, ouvindo a Anatel e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Por Sérgio Amadeu da Silveira, na Fórum
Mas quem decidirá como será a guarda dos nossos registros de navegação, quais serão as exceções à exigência da neutralidade da rede, se vamos ou não interpretar que as forças policiais podem obter registros sem ordem judicial, entre outras definições importantes, será a Presidência da República por meio de um Decreto.
Recentemente, a Campanha Nacional de Banda Larga convidou os três candidatos principais a presidente para discutir a implantação das redes de alta velocidade, a regulamentação do Marco Civil e o incentivo à produção cultural e tecnológica nacional. Dilma Rousseff e Marina Silva vieram e apresentaram suas ideias, sendo questionadas pelos representantes do movimento. Aécio Neves nem se dignou a responder o convite. Por que será?
Aécio Neves articula as principais forças que tentaram impedir a aprovação do Marco Civil. Ele é ligado ao ex-senador Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, e o autor do AI-5 Digital, que queria transformar práticas cotidianas dos jovens na Internet em crime passível de pena de prisão. Aécio tem o apoio de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado que comandou o lobby das operadoras de telefonia contra a neutralidade da rede. Aécio Neves também é apoiado pelos defensores da vigilância massiva, tais como Jair Bolsonaro e outros deputados da “bancada da bala”, que conseguiu inserir nas últimas negociações para aprovar o Marco Civil, o famigerado artigo 15.
Na regulamentação, podemos tentar minimizar os absurdos do artigo 15 que obriga todos os provedores de aplicação comerciais a guardarem os registros dos IPs de quem acessou suas páginas, com data e todos os links que foram clicados. O Facebook e o Google fazem isso sem a nossa autorização, ou seja, armazenam dados de tudo que fazemos e utilizam estes dados para formar nosso perfil de comportamento, preferências, consumo, para vendê-lo aos diversos interesses do mercado. Ocorre que esse mercado de violação da nossa privacidade não foi controlado pelo Marco Civil, os deputados ligados aos interesses dos aparatos de repressão do Estado, ao inserirem o artigo 15, estão obrigando todos os sites comerciais a guardarem os registros completos daqueles que os acessaram, por seis meses. Assim, a bancada da vigilância quer mais violação de privacidade enquanto precisamos exatamente do contrário.
No artigo 15 está escrito que o regulamento definirá como esses dados serão guardados. Os deputados ligados a empresas de segurança da informação buscarão criar regras absurdas para a guarda desses logs, para criar um novo campo de negócios muito lucrativo, uma vez que todos os sites comerciais terão que guardar os dados. Além disso, se não cuidarmos corretamente de reduzir os efeitos nocivos desse artigo, não obrigaremos a destruição dos dados logo depois do período de guarda obrigatória por seis meses.
Quando, em 2013, nos reunimos com a presidente Dilma para solicitar empenho na aprovação do Marco Civil, o principal lobista das operadoras de telefonia me disse que o compromisso que havíamos conseguido da presidente, de não aceitar a remoção de conteúdos sem ordem judicial, levaria à derrota do projeto de Lei. Dilma foi firme em afirmar que não aceitaria a censura. De fato, naquele momento, a Globo queria que o Marco Civil tivesse um artigo para bloquear e retirar um conteúdo e um site da rede. Para a Globo, bastaria avisar o provedor de conteúdos que ele estaria violando o direito autoral ou conexos. Fui contra essa aberração porque seu efeito seria a censura travestida de violação da propriedade intelectual. Veja o caso da Falha de São Paulo, em que o site do Lino Bochinni foi excluído por uso indevido da marca. Se com o Judiciário temos esses excessos, imagine a quantidade de denúncias vazias que os provedores receberiam e executariam. Teríamos a censura prévia implantada em larga escala e a transformação dos provedores em juízes privados.
Enfim, minha preocupação é que se Dilma perder para Aécio Neves, a neutralidade, privacidade e liberdade na Internet estarão em risco. Basta ver que os detratores do Marco Civil e principais apoiadores do AI-5 Digital eram do PSDB, partido de Aécio. O vice de Aécio é um dos parlamentares que apresentou diversas emendas no Senado para paralisar o Marco Civil. Algumas delas pioravam o projeto formulado pela sociedade civil. Peço voto em Dilma, em defesa da liberdade, privacidade e neutralidade da Internet. Não vamos brincar com nossos direitos fundamentais.
* Sérgio Amadeu da Silveira é professor da Universidade Federal da ABC