Feirantes e consumidores da periferia de São Paulo reclamam dos altos preços e baixa qualidade encontrados nas bancas por conta da crise hídrica
por Renata Asp fotos de Quézia Amorin
A crise hídrica vem atingindo cerca de 27 milhões de pessoas, nas 133 cidades do estado de São Paulo, desde o início do segundo semestre desse ano. Mas para moradores da periferia da capital, existe racionamento de água — ainda não assumido pela Sabesp — desde o começo do ano. Passados alguns meses, a falta de água incide também na qualidade e preço de alimentos naturais, deixando consumidores e feirantes de bairros periféricos indignados com as consequências da crise.
Segundo moradores das periferias, hortifrútis que continuam com os mesmos valores de três meses atrás deixam a desejar. Para obter bons produtos, o consumidor está pagando mais. Já os feirantes afirmam que nunca passaram por crise tão grande na hora da venda.
O feirante de Itaquera, zona leste, Fábio Farias de Souza, de 35 anos, diz que em 20 anos de profissão, nunca viu uma alta tão brusca nos preços. “Eu pagava R$ 20 no saco de fruta. De uns dois meses para cá, pago R$ 70, mesmo sabendo que a qualidade está ruim. Não dá para continuar desse jeito. Antes eu oferecia produto bom por preço bom. Agora é produto ruim por preço alto. As pessoas estão desistindo de comprar e eu não posso abaixar os preços.”
A alta no preço do limão, até R$12 o quilo, chamou a atenção dos consumidores no último mês. Por conta da entressafra e pelo longo período de estiagem que o estado vem passando, a produção da fruta teve uma queda de 15%. São Paulo produz mais da metade da safra de limão de todo o Brasil e cerca de 30% dela vem do nordeste do estado, na região de Taquaritinga.
“Em 30 anos como feirante, nunca vi tanta escassez. Minha banca não tem mais variedade. No Ceasa, onde eu compro, os preços subiram mais da metade em menos de um ano. O consumidor quer encontrar alimentos mais frescos e mais bonitos na feira. Infelizmente eu não estou mais podendo oferecer isso. Não tem jeito. Os dois lados (consumidor e feirante) das feiras de pobre se ferram”, reclama Marcelo Vitorino de Barros, de 38, feirante de Guaianases.
No mês passado, a Sabesp lacrou bombas de irrigação do município de Piedade, um antigo centro agrícola do estado. Com a falta de água exigindo medidas imediatas, embora paliativas, a determinação procura diminuir os riscos para a população e ao mesmo tempo pode prejudicar as lavouras e safras, resultando nos valores atuais.
“Os preços estão absurdos e a gente percebe que nos últimos meses os feirantes ficam até mais tarde tentando vender tudo. Eles mesmos admitem que os produtos estão ruins. Fico imaginando como os preços estarão no Natal. Vai ser terrível”, diz a pedagoga Carolina Ribeiro, de 28 anos, moradora do Itaim Paulista.
Em casa, Carolina também está passando por maus bocados. São quase cinco meses sem água na torneira do período das 16hrs às 7hrs do dia seguinte. Quando a água surge na torneira, vem barrenta. “E ainda dizem que não tem racionamento. Para os ricos não tem mesmo. Mas nós sabemos que é tudo mentira. A Sabesp administra do jeito que ela quer e a gente sofre até para comprar comida.”
No mês de outubro, o índice de preços da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) aumentaram em 3,34%, terceira alta mensal consecutiva. O indicador acumula alta de 5,63% e a elevação total dos últimos 12 meses chega 7,94%.
O setor de frutas subiu 4,18%, de legumes aumentou 1%, os diversos ficaram 2,81% a menos, e o de pescado caiu 0,95%.
A alta no setor de verduras foi a mais expressiva do mês de setembro a outubro. No primeiro, apresentava queda de 6,66%, a sexta consecutiva do ano, beirando preços de custo. As verduras vinham acumulando queda de 17,4% no ano, segundo a Ceagesp. Em outubro veio a consequência, uma elevação de 13,03%.
Ainda de acordo com a Ceagesp, além da estiagem na região sudeste, São Paulo e Minas Gerais estão claramente com problemas de abastecimento de água, dificultando a irrigação e desenvolvimento dos produtos. A previsão da companhia é de preços ainda mais altos em todos os setores.
Em setembro, a relatora da ONU (Organização das Nações Unidas), Catarina Albuquerque, responsabilizou o governo estadual pela crise hídrica, afirmando que o culpado não é São Pedro e que o racionamento de água precisa ser previsto e os investimentos feitos. Na época, o governador Geraldo Alckmin pediu retratação, mas recebeu ainda mais críticas da relatora.
Leo Heller, hoje pesquisador e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e futuramente no posto de Catarina como relator especial da Comissão de Água Potável e Saneamento Básico da Organização das Nações Unidas (ONU) manteve o posicionamento em entrevista ao Espaço Público da TV Brasil no último dia 25. “Ela fez declarações que eu apoio. Ela apontou a raiz do problema. Em São Paulo, se o problema tivesse sido previsto e as medidas para remediá-lo fossem adotadas, isso não teria acontecido”, disse Heller.
Fonte: A Conta da Água