Por Luis Nassif*, no jornal GGN
São curiosos esses tempos de crise e de vácuos de poder.
Recentemente foi divulgada uma entrevista de Jango com John Foster Dulles, o brasilianista, em 15 de novembro de 1967.
Na entrevista, um mea culpa: “Goulart disse que em seus esforços para promover reformas estruturais, ele fez concessões demais a grupos políticos no Brasil”.
O objetivo era aprovar as reformas estruturais: “Foram reformas em prol da independência, do desenvolvimento, do bem-estar do povo e da justiça social. A justiça social não era algo no sentido marxista ou comunista”.
Mostrou como a ampliação dos meios de comunicação aumentou as demandas da população: “Hoje, com o uso amplo de rádios e televisores, o povo pobre vê as condições melhores que existem em outros lugares. O grande problema é a justiça social. Não é um problema de comunismo. Mas a insatisfação pode se converter em revolta se as condições não melhorarem. 92% da América Latina se encontra na condição mais precária possível”.
Finalmente, mencionou a campanha da imprensa contra seu governo: “Houve uma campanha para envenenar a opinião pública contra “meu governo”. Goulart disse que a imprensa estava contra seu governo. Ele acrescentou que a imprensa tem problemas financeiros e é influenciada por grandes grupos empresariais”.
Na raiz de todo acirramento da mídia estão problemas financeiros provocados por épocas de transição tecnológica. Foi assim nos anos 20, com o advento do rádio; nos anos 50, com o início da TV; nos anos 60, com a crise financeira dos jornais. E agora.
Do ponto de vista financeiro, tem-se a seguinte situação:
1. No ano passado, pela primeira vez a Rede Globo fechou no vermelho. A empresa está revisando todo seu modo de produção, acabando com os contratos permanentes com artistas, que eram mantidos no cast, muitas vezes sem aproveitamento, apenas para não serem contratados por competidores. O quadro está tão complicado, que a ABERT (Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão) levantou o veto que tinha em relação à TV digital, vista agora como uma forma de faturamento suplementar
2. A Editora Abril está se esvaindo em sangue. O valor do vale refeição caiu para R$ 15,00, que só cobre o preço do refeitório instalado no prédio. Há informações de que até o refeitório será desativado nos próximos dias. As redações estão abrindo mão de jornalistas experientes, sendo trocados por novatos sem grande experiência.
3. O Estadão está há tempos à venda.
4. A Folha caminha para ser, cada vez mais, uma editoria da UOL.
É uma questão de vida ou de morte: ou empalmam o poder ou tornam-se irrelevantes.
O jogo da informação
É por aí que se entende a campanha da mídia em busca do impeachment.
Os vícios do modelo político brasileiro afetam todos os partidos. Mais ainda o governo FHC com a compra de votos e as operações ligadas ao câmbio e à privatização. A gestão Joel Rennó foi das mais controvertidas da história da empresa.
Ao tornar o noticiário seletivo, os grupos de mídia conspiram contra o direito à informação, centrando todo o fogo em uma das partes e blindando todos os malfeitos dos aliados.
Ontem, a diretora da Central Globo de Jornalismo, Silvia Faria, enviou um e-mail a todos os chefes de núcleo com o seguinte conteúdo:
“Assunto: Tirar trecho que menciona FHC nos VTs sobre Lava a Jato
Atenção para a orientação
Sergio e Mazza: revisem os vts com atenção! Não vamos deixar ir ao ar nenhum com citação ao Fernando Henrique”.
O recado se deveu ao fato da reportagem ter procurado FHC para repercutir as declarações de Pedro Barusco – de que recebia propinas antes do governo Lula.
No Jornal Nacional, o realismo foi maior. Não se divulgou a acusação de Barusco, mas deu-se todo destaque à resposta de FHC (http://migre.me/oyiwP) assegurando que, no seu governo, as propinas eram fruto de negociação individual de Barusco com seus fornecedores; e no governo Lula, de acertos políticos.
Proibiu-se também a divulgação da denúncia da revista Época (do próprio grupo) contra Gilmar Mendes.
No Estadão, a perspectiva de um racionamento inédito de água, assim como as repercussões na saúde e na economia, é tratado da seguinte maneira.
Se não vierem chuvas até março, a SABESP finalmente adotará o racionamento. Era essa a posição da empresa desde o ano passado e foi impedida pelo governador Geraldo Alckmin.
Só após a posse do novo presidente, Jerson Kelman, a SABESP conseguiu romper com os vetos de Alckmin ao racionamento. Respeitado internacionalmente, Kelman assumiu declarando que crises de água precisam ser tratadas com coragem e racionamento.
Segundo a matéria do Estadão, “A pedido do governador Geraldo Alckmin (PSDB), o presidente da SABESP Jerson Kelman definirá até o fim da semana um nível mínimo de segurança do Sistema Cantareira”.
A total falta de atitudes de Alckmin é convertida em “monitoramento diário”. Algumas reportagens relataram o fato da única atitude de Alckmin consistir em consultar um aplicativo de tempo no seu celular, para torcer pela chegada das chuvas.
Na reportagem do Estadão, essa demonstração de amadorismo, de um governador sem nenhum conhecimento de questões hídricas monitorar “pessoalmente” as chuvas, converte-se em uma prova de responsabilidade: ”O quadro hídrico vem sendo monitorado pessoalmente pelo governador e sua equipe diariamente e debatido em reuniões que acontecem a cada dois dias no Palácio Bandeirantes”.
Na home do Estadão, uma reportagem especial sugere que a responsabilidade pela crise é do prefeito Fernando Haddad que deixou de aplicar um programa de despoluição da Billings. O título na home é “Governo Haddad deixou de investir R$ 1,6 bi em represas”.
Na matéria interna, esclarece-se que os problemas são a não liberação de recursos pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o fato dos valores de licitação do programa – feitos na gestão Kassab – incluírem insumos (como asfalto e cimento) em valores acima do teto estabelecido pela Caixa Econômica Federal.
Os fatos e a campanha
Mesmo com todo o poder de fogo, sozinhos os grupos de mídia não conseguem criar um mundo virtual. Ainda mais nesses tempos de redes sociais, o enfrentamento precisa ser dado através de uma estratégia de comunicação – que também não é algo feito no ar. Ela precisa estar subordinada a uma estratégia política, à identificação dos pontos nevrálgicos do noticiário, ao tratamento antecipado de todo tema sensível, à criação da agenda positiva.
De qualquer modo, na primeira reunião com seu Ministério, Dilma já definiu sua estratégia de comunicação. Juntou os Ministros e ordenou a eles mais ou menos o seguinte:
– Vocês precisam entrar na batalha de comunicação.
Eles:
– Como?
E ela, mais ou menos assim:
– Virem-se.
*Luis Nassif integra o Conselho Consultivo do Barão de Itararé