Por Lilian Milena, no jornal GGN
O serviço de comunicação é compreendido nos Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido como um setor comercial que tem como característica se monopolizar naturalmente. Por isso, nesses países existem leis para a regulamentação econômica desse mercado, induzindo a competitividade, consequentemente, impedindo a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos.
No Brasil é diferente. Os 25 anos da promulgação da Constituição Federal não foram suficientes para que parlamentares criassem leis para regulamentar os artigos do Capítulo V, que versam sobre a comunicação social no país. A primeira consequência disso é a excessiva concentração de rádios, TVs, revistas e jornais impressos por alguns grupos. Organizações pelo direito à informação, dentro e fora do país, estimam que 70% das mídias estão nas mãos de menos de dez famílias, e muitas rádios e TVs locais são propriedades de políticos.
O debate sobre o tema voltou à tona no discurso de posse do novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, no início deste ano. Na ocasião, ele declarou que levará adiante a promessa da presidente reeleita, Dilma Roussef, de debater a regulação econômica da mídia. O objetivo inicial de Berzoini é abrir o tema para a população colaborar com propostas, num processo que poderá ser semelhante àquele que culminou na criação do Marco Civil da Internet. Especialistas convidados para debater o assunto no programa Brasilianas.org (TV Brasil), acreditam, no entanto, que o trabalho do Ministério das Comunicações não será nada fácil, tendo em vista o momento político, e o uso de velhas distorções, relacionando a proposta de regulamentação econômica à censura dos meios de comunicação.
O Brasil já teve leis de imprensa, antes de 1988, mas que nunca foram efetivamente respeitadas. O superintendente executivo de relacionamento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e ex-representante da presidência no processo de instalação da TV digital no Brasil, André Barbosa, lembrou, por exemplo, que a legislação de 1962, feita antes do Golpe Militar, proibia que donos de TVs e rádios de usassem esses instrumentos para fazer ativismo religioso e partidário. A normativa abordava também a regionalização, ou seja, a necessidade dos programas transmitidos não deixarem de lado as diferenças culturais do Brasil.
O professor da Escola de Comunicação da USP, e especialista em crítica e conceito de ética jornalística, Eugênio Bucci, também convidado do programa, explicou que a regulação dos meios de comunicação significa, apenas, disciplinar um setor do mercado.
“Não existe um mercado sem regulação, a não ser que estejamos falando de mercados paralelos, como de tráfico de droga, onde as coisas ocorrem por baixo do pano”, ponderou. Bucci completou que a ausência de regras “é um atraso no Brasil”, e não pode ser comparada à perda de liberdade.
“Pelo contrário, a ausência de regras democráticas é que favorece a apropriação indevida do que é de todos por alguns poucos”, disse. O professor, que também é colunista da Revista Época, fez questão de lembrar que a FCC, agência reguladora dos meios de comunicação dos Estados Unidos, foi criada ainda na década de 1930, “impondo regras públicas que regulam o mercado privado”, e destacou que a bandeira de trazer para o setor de comunicações um disciplinamento democrático não pode ser visto como algo de esquerda ou de direita. “Ela é uma bandeira que expressa uma necessidade do estado democrático”.
Veridiana Alimonti, advogada do Intervozes, grupo que luta pela democratização dos meios de comunicação, ressaltou durante o programa a importância de compreender que a regulação da mídia também está ligada à concretização de direitos fundamentais como cultura, educação, informação e liberdade de expressão.
“É interessante avaliar que a vedação ao monopólio e ao oligopólio que consta na Constituição Federal, que trata da comunicação social, está justamente no artigo que garante a liberdade de expressão nos meios de comunicação social, numa compreensão que é a seguinte: para garantir a liberdade de expressão na comunicação social não pode haver monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação”, pontuou.
Igrejas e TVs
O professor Bucci, entretanto, disse não estigmatizar o controle dos meios de comunicação no país por poucas famílias, acreditando que não existem dados confiáveis a respeito da questão e, ainda, que “oligopolização” é uma tendência mundial. O que ele criticou foi a falta de uma definição numérica, na Constituição Federal, do que seria o monopólio ou o oligopólio no setor de comunicações. “Seria o domínio de 70% ou 60% da audiência?”, exemplificou.
Essa questão, portanto, só poderá ser corrigida mediante a criação de uma lei ordinária, regulando o Capítulo V da Constituição. O ponto mais preocupante, na visão do professor, é o uso de canais de televisão e rádio por igrejas, independente de qualquer que sejam as denominações.
“Aí temos um problema grave porque, na democracia, a atividade religiosa não sofre as restrições e as exigências legais que a atividade comercial sofre”. Partindo desse princípio, Bucci vê o risco dos meios de comunicação religiosos conseguirem transpor esse direito ao uso que fazem dos meios de comunicação de massa.
Censura
O procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, ressaltou durante o programa Brasilianas.org que a regulação econômica deve ser entendida como uma questão de democratização dos meios de comunicação. “Não é apenas retórica política, consta na Constituição”, continuou. Entretanto, o procurador disse não acreditar que o Congresso discuta com profundidade o tema, nos próximos anos, ou que seja capaz de regular com isenção. A esperança, para ele, é que, pelo menos, alguns pontos avancem.
Aurélio Rios identificou que o grande problema é a distorção feita entre censura e regulação da mídia. “Esse é um ponto grave dentro da discussão, como se qualquer tipo de regulação de um setor importante, como é o da comunicação social, significasse o cerceamento da liberdade de expressão, ou a censura. Para nós, [isso] é uma confusão que, obviamente tirando à má intensão de um ou de outro, é absolutamente primária”, avaliou.
É importante destacar, sobre o tema, que a própria Constituição, no parágrafo 2, do Capítulo V, veda “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. A advogada do Intervozes, Veridiana Alimonti, reforçou esse ponto, destacando que nas propostas apresentadas de regulação econômica não existe nenhum ponto relacionado a censura de conteúdo. Entretanto, ela é a favor da criação de dispositivos legais que responsabilizem civilmente a veiculação e produção de notícias falsas.
Um exemplo sobre isso foi o caso da Escola Base, em 1994, quando o casal Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, donos de uma escola particular na cidade de São Paulo, foram acusados injustamente pela imprensa de abuso sexual contra alguns alunos. A acusação equivocada levou ao fechamento da escola. Pouco tempo depois o caso foi arquivado por falta de provas. Em 1995, os Shimada moveram uma ação por danos morais contra o Estado e a imprensa, que apelou para todas as manobras possíveis para postergar o pagamento de indenizações. Em 2007, Shimara faleceu de câncer. Em abril de 2014, aos 70 anos, Icushiro faleceu devido a um infarto.
Eugênio Bucci ressaltou que a censura também pode ser exercida por grupos de mídia, quando negam, por exemplo, abordar algum tipo de informação importante à população. Por outro lado, esclareceu que esse mal é corrigido nos mercados competitivos, ou seja, quando os espaços para diversos meios de comunicação é equilibrado.
“Ora, se uma rede de tv faz um noticiário enviesado, mas outra rede apresenta outro lado, o debate público compensa essas distorções”, completou. O professor lamentou que o assunto sobre a regulação da mídia seja pouco debatido pelos próprios meios de comunicação, sejam eles públicos ou privados. “Infelizmente é um assunto que se tornou uma espécie de tabu”, concluiu.