Por Elizângela Araújo, no FNDC
Na sexta-feira passada (27/2) participei de um debate sobre regulação da comunicação na Universidade Católica de Brasília – UCB (Campus Taguatinga). Promovido pelo Observatório Latino-americano de Indústria de Conteúdos Digitais (Olaicd), o evento reuniu cerca de 140 alunos no auditório do Bloco K, que foram lá para ouvir quatro debatedores falarem sobre o tema “Comunicação e democracia: pra que regular a mídia?”. Dois deles com militância conhecida e reconhecida no movimento pela regulação democrática da comunicação, e dois deles jornalistas experientes, tarimbados e premiados (dos quais um, inclusive, também docente).
Para mim, o que ficou mais evidente no debate foi o desinteresse que a sociedade e grande parte de nós, profissionais da comunicação, temos pelo assunto, flagrante e chocante nas falas dos dois jornalistas debatedores. Em linhas gerais, seu discurso se resume na seguinte premissa: “sou favorável à regulação econômica, mas não sou favorável à regulação de conteúdo”.
Ou seja, até vão além do bordão da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e parceiras no que se refere a reconhecer o impacto negativo do monopólio do setor de comunicação para o país e para a própria atividade jornalística, mas ainda confundem regulação de conteúdo com censura prévia e combatem a existência de um Conselho Nacional de Comunicação. Entendem que esse órgão faria papel de censor e limitaria o exercício profissional dos jornalistas, além de deixar a imprensa sob o jugo do governo. O desconhecimento demonstrado por esses jornalistas premiados, lembrando que um deles é professor universitário, é preocupante e sintomático.
Preocupa porque não se interessam em conhecer o assunto, buscar entender a discussão jamais simplista e acabada sobre regulação e democratização da comunicação e, como peças-chave na formação da opinião média geral do brasileiro (e no caso do professor, das novas gerações de jornalistas e profissionais da comunicação), continuarem fortalecendo o bordão daqueles que distorcem intencionalmente a discussão para defender seus interesses políticos, mercadológicos e econômicos em detrimento de uma política nacional de comunicação capaz de modernizar, pluralizar, diversificar e democratizar o setor de comunicação no país.
Ambos os profissionais traduzem e sintetizam, em seus discursos, o medo compreensível mas infundado da volta da censura no país. Mas não é censura a imposição, pelo monopólio midiático, da exacerbação de uma única visão de mundo econômica, social e política que permeia toda a produção midiática, desde os programas ficcionais, passando pela publicidade e tão bem arrematada no jornalismo da Rede Globo, por exemplo? E cito a emissora porque é maior e mais poderosa empresa de comunicação do país e a que mais ignora a existência da pluralidade e da diversidade econômica, social, política, cultural, étnica e artística do nosso país em toda a sua grade de programação. E, ademais, porque é impossível pensar numa comunicação democrática quando prevalece o modelo de negócio executado pelo Grupo Globo.
A censura travestida de linha editorial já existe e é ela que invisibiliza as lutas da classe trabalhadora, da população negra, a luta feminista por uma representação da mulher livre de machismo, que reforça estereótipos contra a comunidade LGBT e, afinal, de todas as minorias. Ademais, regular um setor de atividade social, política e economicamente tão relevante e estratégico como o da comunicação é algo que já fizemos, mas de um modo desorganizado, centralizador, anacrônico e que não foi discutido com a sociedade.
Regulação de conteúdo
Quando se fala em regular democraticamente a comunicação quer-se dizer que precisamos atualizar a legislação vigente, como o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e regulamentar a Constituição Federal (Arts. 5, 21, 220, 221, 222 e 223). Quando se fala em regular conteúdo fala-se de estabelecer regras e princípios relativos a tempo de exibição de comerciais (até 25% da programação, de acordo com o Código Brasileiro de Telecomunicações), restrição ou proibição da publicidade direcionada ao público infanto-juvenil (países como a Suécia, por exemplo, não permitem) e classificação indicativa, por exemplo.
Ainda pertinente à regulação de conteúdo estão demandas como a veiculação da produção independente e regional (prevista na Constituição Federal) e a responsabilização das emissoras por veiculação de conteúdos que violam os direitos humanos, entre tantos outros aspectos relacionados ao conteúdo.
Embora o governo sinalize a possibilidade de regular economicamente o setor, ainda não apresentou uma proposta oficial, ou seja, não podemos tirar conclusões sobre algo que ainda é somente intenção. Além disso, não há, na proposta de projeto de lei de iniciativa popular apresentada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a principal organização de luta por um novo marco regulatório, nenhuma possibilidade de censurar ou dar a governos de plantão o controle dos meios de comunicação, assim como nas propostas mais pontuais formuladas pelas associações de rádios comunitárias, por exemplo.
Após considerar e reconsiderar esses e outros pontos da discussão sobre regulação democrática da comunicação, é sempre a preocupação com o desinteresse da sociedade e principalmente dos profissionais da área pela discussão, e não somente jornalistas, o ponto mais relevante do embate entre os empresários que monopolizam o setor e a produção cultural, a militância pela democratização da comunicação e o governo central o que mais me salta à vista. Por isso termino este texto conclamando os colegas de profissão a se interessarem pelo tema. É agora, mais do que nunca, que precisamos ser sujeitos da nossa própria história. Sem o nosso interesse, estudo e engajamento no assunto, a causa continuará sendo aniquilada pelos barões da mídia e a sociedade brasileira continuará refém de apenas uma visão de mundo.
A produção intelectual sobre o tema é vasta. Há dezenas de livros editados no país, milhares de artigos escritos que o Google nos mostra sem delongas, dezenas de sites focados no assunto e muita gente estudiosa e competente disposta a falar sobre o tema. Não há justificativas para continuar repetindo os bordões dos barões da mídia e dos inimigos da democracia. Não há desculpas aceitáveis para continuarmos alheios a essa discussão.
O Brasil precisa de um novo marco regulatório capaz de democratizar a comunicação e isso significa ir muito além da regulação econômica proposta pelo governo. E nunca é demais lembrar que países tidos como modelos desejáveis de democracia possuem regulações muito mais avançadas e democráticas que o nosso (Inglaterra, França, Portugal e Alemanha, na Europa; Canadá, Estados Unidos, Colômbia, Venezuela e, mais recentemente, Argentina, nas Américas; além do Japão e da Austrália). Será que podemos nos dar ao luxo de continuar na contramão da história?
*Elizângela Araújo é jornalista com pós-graduação em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente exerce a função de assessora de comunicação no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)