8 de outubro de 2024

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Interatividade na TV dos mais pobres ainda é possível?

Por Elizângela Araújo, no FNDC/Fotos: arquivo, divulgação e Portal Vermelho

O anúncio da caixa conversora escolhida pelo Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV (Gired/Anatel) para o público beneficiário do Bolsa Família, em meados de maio, não deixou de ser bem recebido por ativistas, estudiosos e militantes sociais que atuam no campo da democratização da comunicação. Por outro lado, a decisão deixou a desejar porque frustrou a possibilidade de garantir a esse público aparelhos com acesso à internet, ou seja, uma interatividade plena.

Mas para a professora e pesquisadora Cosette Castro, da Universidade Católica de Brasília, a sociedade civil organizada ainda pode se mobilizar para garantir a inserção de modem e roteador Wi-FI nos conversores que serão entregues às famílias de baixa renda. “As teles dispõem de R$ 3,6 bilhões de reais oriundos do edital dos 700Mhz. Desse total, R$ 1 bilhão será usado para os transmissores; outro R$ 1 bilhão para as 14,5 milhões de caixas conversoras; e R$ 1,3 bilhão para a campanha publicitária que informará a população sobre o desligamento do sistema analógico. Sobram R$ 300 milhões que poderão ser usados para compor os recursos capazes de incluir o modem nos conversores”, calcula.

O conversor anunciado pelo Gired terá padrão Ginga C (tecnologia nacional desenvolvida a partir do modelo japonês), 512 Kilobytes (Kb) de memória e 2 Gigabytes (Gb) de memória flash, e não virá equipado com roteador Wi-Fi nem modem. Os componentes ausentes (modem e roteador) garantiriam um canal de retorno, por meio do qual o telespectador poderia enviar informações para a emissora, ou seja, além de poder acessar a internet no aparelho de TV, o usuário também teria um aparelho interativo.

Cosette pondera, no entanto, que mesmo sem interatividade plena o modelo anunciado representa um grande avanço. “A possibilidade dessa população passar a ter acesso a serviços públicos mesmo sem acesso à internet é muito positiva”. Ela aposta na multiprogramação que as emissoras públicas poderão adotar como um meio para ofertar serviços como marcação de consultas na rede pública de saúde, divulgar vagas de emprego e oferecer cursos profissionalizantes, por exemplo. “Isso é governo eletrônico, e-Gov, e é muito impactante para a população de baixa renda, principalmente nos lugares mais distantes dos grandes centros urbanos”, observa.

Otimista em relação à multiplicidade de canais que o sinal digital possibilita, a pesquisadora também destaca a geração de empregos ocasionada pela ampliação de serviços, principalmente para os profissionais de tecnologia da informação. “Agora, as tevês públicas precisam encarar esse desafio, fazer conteúdo interativo, oferecer mais canais para a população. Esse debate vai muito além do viés tecnológico. Temos uma imensa oportunidade para elevar a qualidade de vida da população carente por meio da transmissão digital”.

Bia Barbosa, representante do Coletivo Intervozes na Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), considera a escolha do Gired importante porque havia uma disputa interna muito grande. Ela lembra que as teles não queriam garantir sequer o Ginga, que permite a interatividade, mas um conversor mais barato possível, que não possibilitaria nenhuma condição de interatividade e garantiria apenas que a audiência continuasse recebendo o sinal de TV com o desligamento do sinal analógico. O governo, por outro lado, defendia pelo menos o Ginga.

“Nessa queda de braço, o modem, que permitiria um canal de retorno, e o roteador Wi-Fi, ficaram de fora. O resultado é que o beneficiário do Bolsa Família terá que arcar com esses dois componentes que não estarão presentes nas caixinhas que receberão da Anatel. Além disso, também terão que contratar o serviço de internet se não houver serviço grátis de Wi-Fi nas proximidades, e planos de acesso à internet custam caro e configuram uma despesa mensal”, pondera Bia.

A ativista lembra que no início das discussões sobre a implantação da TV digital no país, ainda em 2006, vendeu-se para a sociedade “as maravilhas” do serviço, mas agora ficou claro que a população precisa pagar por ela. “O que o Gired garantiu foi, no máximo, informações extras, como por exemplo a escalação do time durante um jogo de futebol. Para nós, isso não é interatividade, pois o telespectador vai continuar apenas recebendo conteúdo, quando interatividade é uma troca e envolve os dois lados”. Bia também chama a atenção para o fato de que até a qualidade da imagem só vai melhorar para quem tiver uma televisão mais moderna. “Para uma população enorme, que não poderá trocar seus aparelhos de TV, pode nem haver diferença”, destaca.

Avanço tecnológico X avanço político

Alberto Perdigão, professor da Universidade de Fortaleza e autor do livro Comunicação Pública e TV Digital (EdUece, 2010), afirma que o avanço tecnológico deve ser acompanhado de um avanço político. “Não basta a interatividade do e-governo”. Para ele, não falta dinheiro para um conversor capaz de garantir interatividade plena, falta a priorização da interatividade. “Mesmo com a interatividade de nível intermediário assegurada, não será agora que teremos o canal de retorno e a televisão digital como plataforma de acesso à internet”.

Para Alberto, um dos próximos grandes desafios é “embarcar na cabeça” dos gestores de emissoras de televisão do campo público a cultura da comunicação pública e o desejo da interatividade. “Emissoras públicas devem ser caixas de diálogo de uma novíssima esfera pública desintermediada”, defende.

Teles deveriam ser obrigadas a garantir modem

Daniel Fonseca, integrante do coletivo Intervozes e doutorando na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que o governo deveria ter obrigado as teles a embarcar o modem nos conversores. Ele critica o fato das decisões tomadas não terem envolvido a sociedade civil e afirma que desde o inícioda discussão sobre o modelo de TV digital no país houve somente três grandes beneficiados: o setor industrial eletroeletrônico, fabricante de aparelhos de TV; operadoras de telecomunicações e os radiodifusores.

Daniel afirma que a TV digital não é um sujeito histórico que vai resolver o passivo político e social das políticas públicas de radiodifusão no país. “Não é uma caixinha que vai garantir a democratização da comunicação. São as decisões políticas que têm rebates socioecônomicos e culturais no país.