22 de novembro de 2024

Search
Close this search box.

Haddad: ‘A Constituição não cabe no orçamento? Depende da sociedade que se quer’

Foto: Alice Vergueiro

Por Felipe Bianchi (Fotos por Alice Vergueiro)

“Mesmo em recessão econômica, o poder público pode, sim, priorizar demandas sociais”. Essa é a opinião de Fernando Haddad sobre o discurso dominante na grande mídia e em setores conservadores da política. Em debate realizado na quinta-feira (25), o prefeito de São Paulo criticou o corte de gastos sociais como saída para a crise: “A retórica de sempre é de que a Constituição de 1988 não cabe no orçamento. Ora, depende do modelo de sociedade que se deseja”.

Além de Haddad, o economista Marcio Pochmann e o presidente da Fundação Mauricio Grabois, Renato Rabelo, também participaram do bate-papo sobre A cidade que você não vê na mídia. A atividade ocorreu no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, reunindo mais de 80 pessoas.

“O que ocorre no país”, afirma Haddad, “pode minar iniciativas fundamentais para redescobrir o potencial das cidades em relação à transformação social”. Para ele, o poder público precisa ser atuante na discussão sobre campos como a saúde, a educação e a cultura. Com o golpe em curso no país, porém, a tendência é que tudo caia no colo de interesses estritamente privados.

“Ninguém no ‘andar de cima’ está disposto a bancar a dinâmica de inclusão iniciada em 2003”, alerta. Por isso, argumenta, o momento exige reflexão e engajamento. “Não sabemos o que ocorrerá entre 2016 e 2018, mas não podemos colocar a perder o que centenas de milhares de brasileiros lutaram para conquistar nos últimos anos”.

O que causa angústia no cenário do processo ilegal de impeachment da presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff é que pode demorar para que a população tenha compreensão do que está em jogo, avalia. Nesse ponto, “a mídia cumpre papel crucial”, sentencia.

“Há uma longa história de golpes à democracia e à Constituição no Brasil e é preciso discutir essa nova forma de golpe em curso”, aponta. “Quando você fala palavras de ordem na periferia, nem sempre elas são entendidas. Mas o ‘Fora Temer’ todos entendem”.

Mídia esvazia o debate político

Na avaliação de Marcio Pochmann, será grande o desafio para a esquerda nas eleições municipais em um momento de regressão. “Qual é o papel dos políticos nessas circunstâncias? Como criaremos mecanismos de participação e empoderamento?”, indaga.

Para o economista, há um claro esvaziamento do debate sobre o que ocorre não só no país, mas também nas cidades. “Essa decadência, em minha opinião, deriva em grande parte do papel cumprido pela mídia hegemônica”.

Foto: Alice Vergueiro

Pochmann listou uma série de fatores que devem ser considerados para pensar a organização dos trabalhadores e viabilizar um projeto revigorado para a esquerda brasileira. A ‘dramática’ transição demográfica, as mudanças na estrutura familiar e a emergência de uma classe trabalhadora ligada à área de serviços, bastante diferente do operariado tradicional, são alguns deles.

O golpe da ‘velha ordem’

Segundo Renato Rabelo, a razão do golpe é clara: restaurar a velha ordem política. “É impressionante a velocidade em que se está conduzindo o desmonte do país. Rasgaram a Constituição em menos de 100 dias”, sublinha.

É evidente, defende Rabelo, que o ciclo aberto por Lula criou condições para o Brasil avançar, inclusive, no cenário da política mundial. “Essa gente, se aproveitando do contexto global de crise e de uma fase de stress, de certo esgotamento do nosso ciclo, resolve aplicar o golpe. O que virá agora?”.

Foto: Alice Vergueiro

O ex-presidente do PCdoB também critica a atuação dos grandes meios de comunicação. Para ele, a mídia não atua apenas de forma partidarizada, mas exerce, ela mesma, um poder paralelo. “O próprio Conselho Nacional de Justiça se manifestou dessa forma, criticando a pressão exercida pelas empresas de comunicação sobre órgãos de Justiça”.

De acordo com ele, a esquerda precisa de unidade para repensar o seu projeto tendo em vista a experiência vivida nos últimos anos. “Que país queremos construir? Temos de ter isso claro”, acentua. “Vitórias da esquerda nas eleições municipais é um caminho importante para resistir ao período que se avizinha”.