11 de dezembro de 2024

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Temer afunda em contradições, mas golpe avança

Por Felipe Bianchi

A crise política desatada pelo impeachment de Dilma Rousseff foi tema do Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe, nesta terça-feira (22), em São Paulo. Para os jornalistas Rodrigo Vianna, Maria Inês Nassif e Paulo Moreira Leite, o cenário presente revela não apenas os vícios e a fragilidade do sistema político brasileiro, mas também expõe o conluio histórico entre partidos da elite, Judiciário e oligopólio midiático.

Para Maria Inês Nassif, a crise política em curso é uma crise anunciada. “Muitos pensadores acreditavam que a questão da democracia brasileira era uma questão de amadurecimento. O problema é que é impossível amadurecer e consolidar a democracia em um quadro como o do nosso sistema político”, opina.

O Legislativo de 1964, recorda Nassif, foi fortemente financiado por multinacionais estadunidenses. “João Goulart, do ponto de vista da estratégia golpista, foi vítima de um processo bastante similar ao qual sofreu Dilma Rousseff”, avalia. “Jango não tinha maioria para aprovar nada no Congresso, muito menos as reformas de base”. Em paralelo, complementa a jornalista, o Congresso atual foi eleito com grosso dinheiro arregimentado por Cunha com as multinacionais. “Por esse caráter de balcão de negócios, a pressão popular foi inócua na tarefa de reverter votos do impeachment.

O papel desempenhado pelo PMDB – partido de Michel Temer – nessa história, segundo Nassif, não pode ser compreendido sem entendermos a sua relação com o regime militar. “O PMDB, retrato do governo de coalizão altamente instável formado no Brasil nos últimos 13 anos, é o grande herdeiro da ditadura”, afirma. “As oligarquias regionais que sustentaram a ditadura se aglomeram no PMDB. Ele é forte justamente por isso. O partido não tem um nome nacional, mas tem uma bancada imensa devido a esse poder estadual. É um partido de negócios que tornou-se imprescindível para governar o país”.

O golpe de 2016: como resistir?

“É mais fácil detectar e combater um golpe liderado por militares, pela força, do que um golpe perpetrado por uma corporação que fala em nome das autoridades e da lei”. A avaliação é de Rodrigo Vianna, que acredita não se tratar de um revés parcial: “É uma derrota que vai para além da derrota partidária, eleitoral ou de um partido, como o PT. É uma derrota que se impõe sobre o campo da cultura política”.

Na leitura do autor do blog Escrevinhador, o discurso agressivo do vale-tudo contra a corrupção, mesmo que seletivo, parece ter triunfado sobre a sociedade brasileira. “A ordem, a qualquer preço, vale mais que qualquer princípio e direito? Se você faz discursos dessa natureza na rua, muitos, hoje, vão aplaudir”, diz.

É bastante provável que o programa conservador levado a cabo pelo governo Temer gere, de fato, descontentamento e revolta. O problema, segundo Vianna, é se essa revolta não for canalizada à esquerda. “Há um risco de que a reação ao ciclo neoliberal não seja pela esquerda, mas pela ultradireita”, alerta. “Ou desarmamos essa bomba ou teremos a próxima eleição dominada por aventureiros portadores de mensagens antipolíticas e representantes da extrema-direita”.

Já Paulo Moreira Leite aposta nas fragilidades do novo governo como seu próprio calvário. “Até agora o governo Temer não conseguiu se constituir. Por ser fruto de um golpe de Estado e ser extremamente impopular, o governo tem sido um verdadeiro campo de batalha entre facções”, frisa. “Judiciário e figuras como Sergio Moro e Gilmar Mendes são alguns dos personagens dessa batalha”.

Além de episódios de corrupção e ilegalidades que o fragilizam, como os que envolvem seus ministros Geddel Vieira Lima e Alexandre de Moraes, Temer tem outro grande problema: “Ele não tem uma mensagem. Não representa nada”, define. “A sua incapacidade para romper com essa situação faz com que pareça um boneco de piche, que quanto mais fala, mais se lambuza”.

O dilema, reflete Paulo Moreira Leite, é que nem o presidente consegue afirmar sua autoridade política sobre o Estado, nem seus adversários conseguem chegar a um consenso de como tirá-lo do poder até 2018 e retomar um projeto progressista para o país.

“Falamos muito em ovo da serpente, mas a essa altura a serpente ja está praticamente fora do ovo. O fascismo está virando uma possibilidade em nosso horizonte”, alerta. “Temos uma tradição de insurreição militar, mas o movimento que estamos vendo é novo”.

Apesar disso, Paulo Moreira Leite discorda que a opinião pública seja um caso perdido. “A questão do apoio popular não está resolvida, por mais que tenham sido alçados ao poder nomes como o de João Dória Júnior, em São Paulo, e Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro. “A realidade eleitoral nem sempre reflete com fidelidade a realidade política”, pontua.

“O fascismo está aí, a serpente saiu do ovo. A grande questão é a seguinte: seria o povo fascista? Donald Trump e afins chegam ao poder por fascismo do povo ou por apresentarem projetos atraentes de combate ao desemprego? Não acredito que exista uma conversão à direita do eleitorado brasileiro. O que há, na minha opinião, é desencanto. O governo do PT não foi capaz de responder à conjuntura de 2015”.

A parada não está resolvida, aposta Paulo Moreira Leite. “A reforma da previdência é uma oportunidade de reagrupamento do movimento social e popular. Ao mesmo tempo que se intensificam os retrocessos, eles geram contradições gritantes, mas que dependem da nossa capacidade de dar respostas”.

Desafios para as mídias alternativas

Ao passo que a mídia hegemônica e monopolista atuou como porta-voz do golpismo e, por isso, surfam na onda do novo governo, as mídias alternativas se vêem em uma ‘sinuca de bico’. “Quem poderia fazer o contraponto ao programa do governo Temer está sendo criminalizado”, avisa Rodrigo Vianna. “Se todos que se opõem a Temer são bandidos, como fazer contraponto? A visão dominante e fascistóide vigente hoje, no país, é a da eliminação dos adversários”.

De acordo com Maria Inês Nassif, o que não era simples se tornará ainda mais difícil. “Fazemos contraponto diuturnamente, mas ainda carecemos de instrumentos concretos de mídia”, salienta. “Nossa disputa narrativa ainda orbita em torno da produção de informação da mídia hegemônica. Precisamos encontrar saídas para esse problema, que está se agravando neste governo”.

“O que podemos fazer na área da comunicação?”, questiona Vianna. “Desmontar a ideia de que o Judiciário brasileiro é o salvador da pátria e redentor da República. Dos três poderes, o Judiciário é o mais oligárquico, obscuro, hermético e impermeável ao povo. Não passa pelo escrutínio do povo. Dos três poderes da República, realmente faz sentido que um deles seja límpido e cristalino? E como defender os super-salários e privilégios do setor? Qual o salário do Moro? A ideia de que quem pode salvar a lavoura são a polícia e os juízes está incrustada no imaginário popular. Ou resistimos e combatemos essa narrativa, ou vamos ser minados”.

Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe

O Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe continua na quinta-feira (24), com discussão sobre cultura e sociedade. Participam da segunda mesa os artistas Tico Santa Cruz e Sérgio Mamberti, além da jornalista Laura Capriglione. A última discussão está agendada para terça-feira, dia 29 de novembro. Luiz Gonzaga Belluzzo, Eduardo Fagnani e Laura Carvalho refletirão sobre a economia no governo Temer.

Promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o Ciclo de Debates A Imprensa e o Golpe tem a proposta de discutir os efeitos do golpe na sociedade, na política, na cultura e na economia.