*Atualizado às 13h05
Após pressão de amplos setores da sociedade, o deputado Áureo (Solidariedade), autor da emenda que instaura a censura política durante os processos eleitorais no país, recuou. A Secretaria de Comunicação da Presidência informou, em nota divulgada na tarde desta sexta-feira (6), que o parlamentar pediu para Michel Temer retirar a polêmica emenda e que deve ser atendido pelo presidente. De acordo como Renata Mielli, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e Secretária-Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, “a gravidade da emenda é tamanha que unificou diversos setores contra a proposta”. Com a rápida mobilização da sociedade, “não restou escolha ao deputado e ao governo, senão o veto”.
Em nota à imprensa, Áureo argumentou que seu objetivo era combater perfis “fakes” na Internet. Apesar da intenção alegada pelo parlamentar, a emenda foi duramente criticada por organizações que lutam pela liberdade de expressão. A Coalizão Direitos na Rede, que reúne diversas entidades, dentre elas o Barão de Itararé, publicou carta aberta na noite da quinta-feira (5) denunciando a gravidade da emenda. Diversos blogueiros e meios contra-hegemônicos também se manifestaram – o ativismo digital e as mídias alternativas seriam um dos principais atingidos pela medida.
Entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também rechaçaram a medida, evidenciando a gravidade da proposta e ampliando a pressão sobre o governo.
Mais cedo, o Barão de Itararé reproduziu a carta aberta da Coalizão Direitos na Rede que esmiuça a emenda em questão. A proposta estava “escondida” dentro do pacote da Reforma Política e foi aprovada pelo Congresso, dependendo apenas da sanção presidencial para entrar em vigor.
Leia a íntegra da carta e do texto publicados na manhã desta sexta-feira e atualizado às 13h05.
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Escondida na Reforma Política, o Congresso aprovou proposta de censura política, para calar as críticas nas redes sociais.
As organizações da sociedade civil que integram a Coalizão Direitos na Rede requerem o veto presidencial ao trecho do projeto de lei que impõe o bloqueio de conteúdos online a partir de mera denúncia aos provedores, ou seja, institui o dever de remover textos, vídeos e imagens da Internet antes da análise que só cabe ao Poder Judiciário.
Sem nenhum debate, a medida foi proposta e votada na Câmara durante a madrugada, tendo sido aprovada silenciosamente também pelo Senado na tarde de hoje. Falta apenas a sanção para se tornar lei ordinária. Não podemos permitir essa afronta a nossas garantias constitucionais de liberdade de expressão e pluralidade política.
Mobilize-se contra a #CensuraPolítica: #VetaTemer!
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Leia, na íntegra, a carta aberta da Coalizão Direitos na Rede contra a censura política:
As entidades da Coalizão Direitos na Rede, em defesa dos direitos constitucionais fundamentais à liberdade de expressão e à pluralidade política, bem comoas conquistas expressas no Marco Civil da Internet, vêm a público requerer à Presidência da República o veto ao § 6º, Art. 57-B, incluído na Lei nº 9.504/1997 pelo PLC 110/2017 (PL 8612/2017), que instaura a censura política durante os processos eleitorais no Brasil. Com esta medida, não apenas jornalistas e ativistas terão o direito à liberdade de expressão ferido, mas quaisquer cidadãos que desejam expor suas ideias de maneira livre e democrática.
Na madrugada desta quinta-feira (5/10), dia do 29º aniversário da Constituição Federal, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou uma medida que fere brutalmente nossa liberdade de expressão nas redes, obrigando os provedores a remover, em até 24 horas, conteúdos denunciados como ofensivos a candidatos/as ou partidos políticos no período de campanha eleitoral. E já na tarde de hoje, sem nenhuma chance de reação social, o Senado Federal confirmou integralmente o texto. Não se ignora que o aumento da ação automatizada de robôs, no Brasil e no mundo, é um tema importante para o futuro da democracia. Mas sob a suposta justificativa de “diminuir a guerra de conteúdos difamantes por usuários fictícios durante as eleições”, o texto do PLC 110/2017 (PL 8612/2017) incluiu na Lei das Eleições a seguinte previsão:
Art. 57-B ……… § 6º A denúncia de discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido, coligação, candidato ou de habilitado conforme o art. 5º-C, feita pelo usuário de aplicativo ou rede social na internet, por meio e canal disponibilizado para esse fim no próprio provedor, implicará suspensão, em no máximo vinte e quatro horas, da publicação denunciada até que o provedor certifique-se da identificação pessoal do usuário que a publicou, sem o fornecimento de qualquer dado do denunciado ao denunciante, salvo por ordem judicial”.
A medida abre um perigoso precedente para a prática da censura e violação à privacidade, justo num momento fundamental de participação política dos cidadãos e cidadãs no futuro do país. Impor aos provedores que retirem conteúdos online por simples notificação, sob fundamentos com alto grau de subjetividade (“disseminação de discurso de ódio, informações falsas, ofensas em desfavor de partido ou candidatos”), antes do controle pelo Poder Judiciário, significa autorizar a censura privada arbitrária, em desrespeito à garantia do princípio do devido processo legal. Como sustentado pelo Supremo Tribunal Federal, “os crimes contra a honra pressupõem que as palavras atribuídas ao agente, além de se revelarem aptas a ofender, tenham sido proferidas exclusiva ou principalmente com esta finalidade, sob pena de criminalizar-se o exercício da crítica, manifestação do direito fundamental à liberdade de expressão” (Pet 5735 / DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 11/09/2017). Reconhecer o caráter ofensivo só com base em mera denúncia é censurar a crítica política.
O § 6º do art. 57-B institui a suspensão do conteúdo como regra, até que provedores “se certifiquem sobre a identificação pessoal do usuário”. O Marco Civil da Internet já prevê a guarda de registros, os quais podem levar à identificação de usuários e verificação de autoria dos conteúdos. Na prática, impõe-se como requisito o uso do nome real online, constrangendo apenas pessoas reais de se manifestarem publicamente. Saindo pela culatras, desconsiderando que bots não precisam preservar dados pessoais, a medida abre mais espaço para a replicação automatizada de conteúdos, sobrecarregando indefinidamente a fiscalização de provedores.
Exigir identificação e ameçar de bloqueio conforma uma grave ameaça ao exercício da cidadania. Existem maneiras técnicas de identificar robôs políticos que não prejudicam a maneira como interagimos na rede. Por exemplo, linhas de código como a do projeto http://botornot.co/são capazes de impedir a ação de bots sem maiores efeitos colaterais. O Congresso Nacional deve fomentar incentivos ao desenvolvimento de tecnologias deste porte na internet e nas redes sociais, sem ameaçar a livre expressão e o direito à participação política plural.
Com o § 6º do art. 57-B, abre-se a possibilidade real de que vozes sejam silenciadas e de que críticas aos candidatos sejam interpretadas como ofensas, distorcendo a base da democracia. Na contramão dos direitos estabelecidos no Marco Civil da Internet, mediante amplo debate com a sociedade brasileira, atenta-se contra as garantias conquistadas duramente no processo de redemocratização do país, que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
É inadmissível que aqueles que se propõem ao exercício dos poderes políticos, atuando na esfera pública, pretendam violar direitos democráticos para escapar das críticas e do controle social, também expressamente garantido constitucionalmente.
Importante defender também os direitos constitucionais à comunicação social, respeitando a garantia de que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Sendo assim, o anonimato só deve ser entendido como ilegal na medida em que se configure abuso no exercício do direito à liberdade de expressão, havendo mecanismos legais expressos no Marco Civil da Internet que possibilitam, com respeito ao devido processo legal, a identificação, sem fragilizar a manifestação da pluralidade política, assegurada como fundamento constitucional. Inclusive, o direito ao sigilo das comunicações é uma ferramenta cara à efetividade das liberdades civis.
Ainda, destacamos que a proposta, com suas graves e profundas consequências para os processos políticos e eleitorais no país, foi tratada na surdina, literalmente sem nenhum debate, seja diretamente com a sociedade, seja entre seus representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.
Assim, sem a devida discussão, em total desrespeito à importância do tema, basta agora a sanção presidencial para que essa violação de direitos constitucionais se transforme em lei ordinária. Não podemos permitir a promulgação dessa verdadeira censura política.
Ante todo o exposto, as entidades da Coalizão Direito na Rede requerem, respeitosamente, nos termos do art. 66, § 1º, da Constituição Federal, que seja vetada a inclusão do § 6º do art. 57-B na Lei nº 9.507/1997, por ser esse dispositivo inconstitucional e contrário ao interesse público.