8 de outubro de 2024

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Unidade para reconstruir o Brasil: resposta programática ao golpe e aos retrocessos

 

 Por Felipe Bianchi

Fotos: Guilherme Imbassahy

O cenário de desmonte do Estado, do trabalho e da nação imposto pelo governo ilegítimo que emergiu do golpe em 2016 é devastador. Por isso, algumas das principais forças partidárias da esquerda brasileira vêm empreendendo esforços para construir uma plataforma comum de luta, expressa no manifesto Unidade para reconstruir o Brasil.

O documento, elaborado por importantes fundações, foi apresentado e debatido na noite desta terça-feira (20), no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo. Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo; Renato Rabelo, presidente da Fundação Mauricio Grabois; Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos; e Henrique Matthiesen, representante da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini tiveram a oportunidade de explicar a iniciativa.

“O documento que estamos discutindo parte das dificuldades enfrentadas pelos brasileiros.É fruto do golpe e da decadência que o golpe originou. Esse foi o diagnóstico que nos colocou para pensar o manifesto, que é uma obra incompleta, em construção”, explica Márcio Pochmann. A ideia, segundo o economista, não é determinar ou refletir a posição estrita dos partidos em questão (PT, PCdoB, Psol e PDT), pois cada um tem absoluta autonomia e soberania para incorporar os elementos do manifesto em seu programa da forma que parecer melhor. “Trata-se de um documento de convergência, para que possamos ter uma linha de raciocínio que ofereça uma expectativa de futuro para além da emergência e do curto prazo”, assinala.

Pochmann elenca três pontos que acionam o alarme da luta política no país: o gravíssimo problema econômico trazido pelo capitalismo contemporâneo, o esvaziamento da soberania nacional e a situação das políticas sociais. “São problemas que se enfrentam com a política. Por isso, defendemos a realização de eleições livres e soberanas em 2018, ao contrário do espírito demonstrado pela oposição derrotada em 2014, que não aceitou o resultado”.

A preocupação com um possível abandono do processo eleitoral programado para outubro é um dos pontos fundantes do manifesto. “Os que estão no poder hoje, aceitariam, em 2018, um resultado nas urnas contrário aos seus interesses? A pergunta cabe porque não aceitaram em 2014. Quem garante que aceitarão hoje?”, indaga Pochamnn.

Por isso, o urgente restabelecimento da democracia deve ser uma bandeira primordial da esquerda, de acordo com o manifesto. “Hoje está difícil emplacar mudanças dentro da própria ordem. Sem democracia, não conseguiremos interromper o processo do golpe, que segue em curso. Mas democracia também precisa de projeto e é isso que estamos buscando construir”.

Minimizando diferenças de estratégias partidárias, inclusive na escolha de candidatos, o economista enfatiza que, independente das pessoas, a ideia do manifesto é oferecer um programa com começo, meio e fim. “Discussão entre os candidatos é importante, mas insuficiente. A gravidade do momento que o país atravessa exige uma construção mais ampla”.

“Do ponto de vista econômico, precisamos cuidar urgentemente da recuperação da base produtiva”, aponta Pochamnn. “Os números não sustentam com firmeza a propagandeada recuperação do PIB. A indústria que estamos concebendo hoje é da mesma dimensão da indústria da década de 1910, para se ter ideia”. Em sua opinião, poucos países no mundo tem tantas saídas econômicas e sociais quanto o Brasil. O problema está na vontade política. E só a unidade pode colocar a esquerda de volta à disputa.

Colônia, não

Para Renato Rabelo, o manifesto é um ponto de partida para uma questão comumente presente nos diagnósticos e análises, mas dificilmente encontrada na prática: a unidade. “Antes não tínhamos um leito comum para o diálogo entre as forças de esquerda. Unidade para reconstruir o Brasil consiste em estabelecer esse diálogo”.

Assim como Pochmann, o presidente da Fundação Mauricio Grabois ressalta que se trata de uma obra coletiva e que sua proposta não é ser uma cartilha definitiva, mas um ponto de partida. “A premissa que temos é forjar um projeto desenvolvimentista que erga novas bases para reconstruir o país”, explica. “Para isso”, argumenta o baiano, “precisamos compreender que este governo, fruto de um golpe, é um governo cuja ordem implementada se atrela a um duplo sentido hegemonista dominante: ele se subordina integralmente ao neoliberalismo e atrela-se ao domínio neocolonial imperialista, sobretudo estadunidense”.

A partir do quadro de absoluto desalento e falta de perspectivas por parte da sociedade brasileira, Rabelo acredita que há uma encruzilhada à frente, que determinará o rumo da história: “Ou o país se reencontra com a via da democracia, da soberania e do progresso social, ou nos submetemos à ordem atual, imposta contra a nação e o povo, por esse consórcio conservador, ultraliberal e vende-pátria, associados ao hegemonismo imperialista”. A luta proposta pelo manifesto, avalia Rabelo, é dar subsídio para esse enfrentamento.

Erigida como outra importante bandeira do manifesto, Henrique Matthiesen salienta que soberania nacional soa como um palavrão, uma afronta, um impropério para a elite brasileira. “Ela nunca defendeu a soberania e sequer compreende o que ela significa, porque ela nunca se compreendeu brasileira. Ela prefere se submeter aos interesses internacionais”, critica. “Defender a soberania nacional é revogar dezenas de decisões deste governo Temer. Precisamos recuperar o patrimônio do povo brasileiro”.

O governo de Michel Temer, segundo o representante da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, é a síntese da luta de classes no Brasil. “A elite nunca aceitou Getúlio Vargas, mas nunca conseguiu derrotar o seu legado. Fernando Henrique Cardoso, nas eleições, dizia que iria acabar com a era Vargas, mas não foi capaz de ousar”, recorda. “O que vemos com este governo atual é a destruição do legado de Vargas: uma reforma trabalhista que nos atira de volta à escravidão; o ataque à Previdência para detonar a aposentadoria do brasileiro; e a soberania nacional na mira de fogo, o que se expressa de forma mais evidente na entrega da Petrobras”.

De acordo com Matthiesen, o quadro de destruição e entrega das empresas nacionais não revelam apenas a mesquinharia da elite brasileira, mas também sua subserviência. “Temos que entender que nossa elite, nossa classe dominante, tem uma peculiaridade: ela é uma elite não-nativa. A elite alemã defende os interesses alemães, a elite estadunidense defende os interesses estadunidenses e por aí vai. Aqui, nossa elite sofre da síndrome de vira-lata e prefere servir as potências estrangeiras”.

O manifesto das fundações sinaliza para um amadurecimento da esquerda brasileira, na visão de Matthiesen. “Estamos buscando um mínimo de convergência para que, qualquer um dos candidatos que venha a lograr êxito nas eleições, possamos trabalhar sobre as bases de um programa em comum”, sublinha. “Como fundações, temos a responsabilidade de levar a formação política e o debate profundo para dentro dos partidos. E é o que precisamos fazer com este manifesto”.

É papel das fundações pensar como construir uma outra forma de fazer política para construir o país que queremos. A reflexão é de Francisvaldo Mendes, da Fundação Lauro Campos. “Há, em disputa, a hegemonia sobre determinadas formas de fazer política. A forma de Lula fazer política não foi aceita pela elite. Dilma pagou o preço e a elite fez o que fez para impor, novamente, a sua forma de fazer política, e está em busca dessa hegemonia”, avalia. “A burguesia, aliada aos EUA, faz política entregando riquezas e colocando o país como subalterno. Os EUA, no entanto, não parecem tão preocupados com isso, mas sim em salvar a sua própria economia”.

Por isso, mesmo com as divergências naturais entre os partidos, Mendes considera valiosa a oportunidade de uma discussão fraterna, entre as forças da esquerda, sobre que tipo de desenvolvimento será oferecido ao país. “O debate diz respeito ao desenvolvimento centrado sobre a matriz energética do petróleo, passando pela questão da energia renovável. O desafio de pensar essa equação está colocado”.

Além disso, o psolista também considera urgente discutir os mecanismos de poder vigentes no país. Hoje, argumenta Mendes, eles são muito limitados, restritos aos governos e a setores do Judiciário. “A política vem sendo ditada por decisões monocráticas de juizes e desembargadores”, provoca. “Para avançar nos mecanismos de poder, precisamos de mais plebiscitos e referendos. Se disserem que isso é coisa da Venezuela, como gostam de fazer, basta lembrá-los que também é assim na Califórnia. As pessoas precisam participar pra valer”.

Sem mídia democrática não há democracia

A democratização dos meios de comunicação não está ausente do projeto discutido no manifesto. Dentre as reformas estruturais consideradas fundamentais para o país, a reforma dos meios de comunicação é tida como unânime para romper a hegemonia do pensamento único que tem feito a direita nadar de braçada na opinião pública. “O nível cultural do Brasil é determinado, em boa parte, pela mídia. A classe média alta até tem opinião, mas uma grande massa da população fica alheia aos debates e privada do acesso à informação”, afirma Mendes – vale lembrar que, no Brasil, pouco mais de seis famílias dominam os grandes meios de comunicação, vetando qualquer possibilidade de diversidade e pluralidade de opiniões e ideias. “Enfrentar o poder da mídia, através da reforma dos meios de comunicação, é fundamental para o país. Precisamos aplicar a Constituição”.

Em sintonia com os demais presentes, Mendes ressalta que, ainda que clame pela realização e reconheça a importância da disputa eleitoral em 2018, a tarefa da construção do manifesto vai muito além das eleições. “O desafio é pensar o novo. Não estamos discutindo eleição ou quem vai sair candidato. Estamos preocupados em discutir como enfrentar, juntos, o processo de destruição ao qual o país está submetido”.

Compondo a mesa de discussão, a jornalista Maria Inês Nassif considera o manifesto Unidade para reconstruir o Brasil uma das poucas boas novidades que surgiram no período após o golpe. “Pode ser uma peça mágica para uma unidade que requer urgência”, opina. “O momento é de sobrevivência não apenas da esquerda, mas também da democracia”.

Por sua vez, Carina Vitral, presidenta da União da Juventude Socialista (UJS), defendeu que o debate em torno do manifesto mostra como as fundações são importantes para o partido. “Elas têm a tarefa de formular, refletir e promover o debate para além do curto prazo com o qual os partidos, muitas vezes, trabalham”, diz. “Sou mulher e jovem e, como milhões que estão na mesma posição que eu, queremos participar da construção e da luta por este projeto que nos ajude a superar o momento de graves dificuldades que o país atravessa”.

***

Confira, a seguir, a íntegra do manifesto:

UNIDADE PARA RECONSTRUIR O BRASIL

As Fundações signatárias deste Manifesto, vinculadas a importantes e históricos partidos da esquerda brasileira, expressam a convicção de que, apesar das adversidades, o Brasil tem plenas condições de superar a presente crise.

Entendem que, independentemente das estratégias e táticas eleitorais do conjunto das legendas progressistas, uma base programática convergente pode facilitar o diálogo que construa a união de amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais que constituam uma nova maioria política e social capaz de retirar o país da crise e encaminhá-lo a um novo ciclo político de democracia, de soberania nacional e de prosperidade econômica e progresso social.

 

1)  Por que um novo projeto nacional de desenvolvimento 

Em crise há 10 anos, o capitalismo hegemonizado pela grande finança busca pretensas saídas. Por um lado, recrudesce o neoliberalismo, com a chamada política de austeridade, que corta direitos, liquida com o Estado de Bem-Estar Social, mutila a democracia e assegura os ganhos parasitários e astronômicos ao rentismo. Por outro, vai impondo uma nova ordem neocolonial através da qual açabarca a riqueza das nações e impõe amarras e políticas que negam o direito dos países da periferia e semiperiferia do centro capitalista de se desenvolverem autonomamente.

O governo politicamente ilegítimo de Michel Temer tem atuado, em essência, para subordinar o país integralmente a essa lógica imposta pelas grandes potências.

Estão sendo eliminadas ou mitigadas conquistas de natureza patriótica, democrática e popular alcançadas pela luta do povo brasileiro nos governos Getúlio Vargas e João Goulart – e ainda as conquistas que foram auferidas nas jornadas pela redemocratização do país e que resultaram na Constituição Cidadã de 1988 –, bem como o acervo de realizações do ciclo progressista de 2003-2016, dos governos Lula e Dilma, entre as quais o avanço dos indicadores sociais e a afirmação da soberania nacional.

Oito meses separam o país das eleições de 2018.

Há forte desalento na sociedade, mas, ao mesmo tempo, é grande a vontade do povo de retirar o país da crise e vê-lo reencontrar-se com a democracia e novamente prosperar, distribuir renda.

Mais uma vez a Nação se depara com uma encruzilhada: Ou o país se reencontra com o caminho da democracia, da soberania nacional, do desenvolvimento e do progresso social; ou seguirá na rota, que lhe impôs o governo Temer, do entreguismo, do autoritarismo e do corte crescente dos direitos do povo e da classe trabalhadora.

Aqui se ressaltam, portanto, dois grandes fatores que determinam a necessidade de as forças populares e progressistas elaborarem um novo projeto nacional. Primeiro: vigorosamente repelir a tentativa das grandes potências capitalistas de subordinarem o nosso país aos ditames de uma ordem neocolonial. Segundo: livrar o Brasil desse regime ultraliberal, autoritário, contra o povo e contra a Nação, que vem sendo imposto pelo governo Temer e pelos partidos conservadores e as grandes forças econômicas internas e externas que lhe dão apoio.

Um Projeto Nacional de Desenvolvimento que dê resposta aos dilemas e desafios da contemporaneidade. E que tenha em conta as ameaças, mas também as oportunidades, de um cenário internacional, no qual a crise da globalização neoliberal e a emergência de novos polos de poder que superam a realidade de um mundo regido por uma única superpotência são fatores que favorecem a realização de projetos nacionais de desenvolvimento soberano, autônomo e próprio. Um Projeto Nacional de Desenvolvimento situado na dinâmica da história nacional e no curso concreto da trágica realidade atual de nosso país.

 

2)  Elementos para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento

As Fundações signatárias entendem que a elaboração de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é uma obra coletiva. Deve conter o saber acumulado sobre a realidade brasileira de amplos setores da Nação e dos trabalhadores, pois é no curso da luta concreta, e em torno de ideias programáticas que descortinem o horizonte e as saídas para o Brasil, que se constituirá a convergência de amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais. Essa convergência é indispensável para retirar o país da crise e proporcionar-lhe a abertura de um novo ciclo político de prosperidade e melhora da vida do povo. Tendo em vista a contribuição com o debate já em andamento, no âmbito das forças populares e progressistas, destacamos tanto tarefas imediatas quanto diretrizes ou temas relevantes de um Novo Projeto Nacional de desenvolvimento.

 

a)  Tarefas imediatas

 

–      Restauração da democracia, do Estado Democrático de Direito, do equilíbrio entre os Poderes da República.

–      Garantia da realização das eleições de 2018, com pleno respeito à soberania popular; e não a proposta casuística do parlamentarismo e do semipresidencialismo.

–      Defesa da soberania nacional e do patrimônio do Brasil, contra as privatizações e concessões criminosas, em especial da Petrobras e da riqueza do pré-sal. Defesa da Petrobras, da Eletrobrás e das empresas brasileiras estratégicas ao desenvolvimento.

–   Retomada imediata do crescimento econômico. Para tal, deve-se focar na elevação dos investimentos, no estímulo à produção e à geração de empregos. Manutenção dos direitos do povo, valorização do trabalho, distribuição de renda, redução das desigualdades sociais e regionais.

–   Defesa do patrimônio público, combate à corrupção com os instrumentos do Estado Democrático de Direito e a implementação das reformas estruturais democráticas.

 

b)  Diretrizes para um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento

 

–    Articulação sistêmica da soberania nacional e da questão social, com ênfase na redução das desigualdades sociais e afirmação da causa democrática. Pelos condicionantes da realidade mundial e da presente situação nacional, ganha relevância o desenvolvimento soberano do país como vértice para se realizarem as amplas potencialidades do Brasil e do seu povo. Realização progressiva das reformas estruturais democráticas, convergentes com um novo projeto nacional, que impulsionem o desenvolvimento e resultem em distribuição de renda.

–    Estado nacional forte, portador de um projeto para a Nação, refratário à concepção oportunista e omissa do Estado mínimo neoliberal. Estado reestruturado por reformas que o democratizem, como a do Judiciário e da Política. Estado capaz de defender os interesses do país e repelir as imposições do rentismo e do imperialismo. Reforma Administrativa: Novos métodos de profissionalização, valorização, seleção e formação da burocracia estatal. Estado capaz de planejar e impulsionar o desenvolvimento voltado para assegurar os direitos da maioria do povo brasileiro. Estado que promova um novo Federalismo que busque erradicar as desigualdades regionais e os desequilíbrios nas relações institucionais entre a União, o Distrito Federal, estados e munícipios.

–   Ampliação e fortalecimento da democracia, aumento da participação do povo nas decisões do País, com o aprimoramento das formas de democracia direta e participativa. Enfrentar a crise de representatividade política com uma efetiva reforma política democrática. Democratizar a comunicação, hoje monopolizada, e assegurar à sociedade efetivo direito à informação e à interpretação plural dos fatos.

–   Defesa da soberania nacional, do patrimônio e da economia nacional, da soberania energética. Política Externa que promova a inserção soberana do Brasil no cenário mundial, diversifique os parceiros comerciais, fortaleça o desenvolvimento do país, defenda a paz e a autodeterminação dos povos e promova a integração com os vizinhos e o conjunto dos países latino- americanos e caribenhos. Aplicar políticas, assegurar meios e recursos para fortalecer a Defesa Nacional – o que requer garantia de crescente modernização e robustecimento das Forças Armadas para o cumprimento de sua missão constitucional e exclusiva defesa da soberania nacional.

–        Retomada do crescimento econômico associado à redução das desigualdades sociais, geração de empregos e distribuição de renda. Questão essencial para o país sair da crise é superar a recessão e retomar o crescimento. Além do papel do Estado, já assinalado como planejador e indutor do desenvolvimento, é imperativo elevar a taxa de investimentos públicos e privados. Incentivar os investimentos produtivos e desestimular a especulação financeira e rentista. O reaquecimento da economia e a sua retomada requerem ações simultâneas de política econômica. O indispensável papel dos bancos públicos, em especial do BNDES, como base do financiamento de longo prazo que deve ser restaurado; os spreads bancários devem ser reduzidos e o consumo popular incentivado. É necessário buscar o acesso a investimentos externos, como o do Brics (acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). É decisivo o papel das estatais, especialmente da Petrobras. Impõe-se, igualmente, uma nova política macroeconômica que supere o longo ciclo de juros elevadíssimos e câmbio apreciado com danosas consequências, entre as quais o processo de desindustrialização. Essa nova orientação deve ter a missão de expandir e sustentar investimentos em infraestrutura e inovação tecnológica, reduzir estruturalmente a taxa real de juros, manter sob controle a dívida pública, assegurar o equilíbrio fiscal do Estado e defender a moeda. O crescimento da economia a taxas robustas deve estar voltado e associado à redução das desigualdades sociais. Nesta direção se ressalta a urgência de se efetivar a Reforma Tributária progressiva que tribute mais os detentores de fortunas, as riquezas e rendas elevadas; promova gradual desoneração da produção e do consumo; e desonere a remuneração do trabalho. A redução das desigualdades sociais e regionais fortalece e dinamiza o mercado interno – o que, por sua vez, incrementa o crescimento econômico.

–   No contexto da chamada 4ª Revolução Industrial, o Brasil é desafiado a se reindustrializar e modernizar seu parque produtivo. Há fortes imposições externas e internas no sentido de restringir o Brasil à condição de mero exportador de commodities, que devem continuar a ser valorizadas, mas não podem ser absolutizadas como único trunfo econômico do país. A indústria segue como um setor-chave para o desenvolvimento, para a oferta de melhores empregos, para a inovação tecnológica e, consequentemente, para o aumento da produtividade do trabalho. Impõem-se investimentos elevados em ciência, tecnologia e inovação que alavanquem a indústria nacional a um novo patamar tecnológico, credenciando-a a competir na acirrada disputa do mercado mundial. É preciso aperfeiçoar a institucionalidade do Sistema Nacional de CT&I, atuando em estreita ligação com os estados, com a comunidade científica e tecnológica e com as organizações empresariais. Setores como os de bem de capital e da Defesa, a cadeia produtiva do petróleo, gás e biocombustíveis, fármacos e petroquímica, a construção civil e a agropecuária têm rico potencial de alavancar o crescimento econômico, na perspectiva de superação da dependência do setor primário-exportador na balança de pagamentos. A Petrobras deve ser fortalecida, o regime de partilha na área do pré-sal deve ser mantido, bem como a política de conteúdo local. A política industrial requer uma forte infraestrutura que integre e articule as regiões do país, bem como a produção em grande escala de energia a partir de fontes limpas, uma vez que o país as possui em elevado potencial.

–   Restabelecimento de políticas públicas necessárias à redução progressiva das desigualdades de renda e de oportunidades com: a retomada da geração de emprego e renda, a partir da estratégia do Estado, impulsionando o setor privado; a valorização do trabalho; a efetiva garantia dos direitos sociais; medidas para elevação da renda do trabalho e da massa salarial; política institucionalizada de valorização do salário-mínimo e garantia de aposentadoria digna; apoio ao cooperativismo, ao associativismo e à economia solidária; recuperação das políticas de combate à fome, fortalecendo o conjunto de políticas de inclusão social; e realização das reformas Urbana e Agrária.

–   Proteção do meio ambiente com desenvolvimento sustentável de todos os biomas e regiões, defesa da biodiversidade e do nosso patrimônio genético. A sustentabilidade do desenvolvimento impõe que os avanços socioeconômicos sejam complementados – ao invés de se oporem – pela proteção e pelo uso sustentável do meio ambiente. Atenção especial à segurança hídrica, pois, embora o país possua 12% da reserva mundial de água doce, ela segue enfrentando riscos de desabastecimento.

–  Fortalecimento da Educação como um setor estratégico do desenvolvimento nacional. O direito à educação é fundamental para que seja materializado todo o conjunto de direitos humanos e sociais, e construída a justiça social. Fortalecer a educação pública tendo como eixo o Plano Nacional de Educação (PNE) que, entre outras metas, fixou como objetivos: 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor e a educação integral para os ensinos fundamental e médio.

–  Resgate, criação e fortalecimento das políticas sociais universais que venham a assegurar o direito ao trabalho digno, à seguridade social, à previdência, à saúde e à assistência social, à educação e à cultura.

–   É indispensável o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), com mais investimentos, aprimoramento da gestão, valorização e formação dos profissionais de saúde, implementação de programas e projetos de promoção da saúde e prevenção das doenças.

–  O tema da Segurança Pública assume grande importância devido ao crescente número de perda de vidas, de vítimas de delitos e violências, afetando sobretudo o povo e as comunidades das periferias das cidades. Impõe-se uma política efetiva de redução desses indicadores. As estratégias de prevenção devem ser articuladas com estratégias de coerção qualificada, com foco em informação, tecnologia e gestão. É preciso construir um Pacto Federativo que estabeleça as competências da União, de estados e municípios. Pacto este que pode ser estruturado em três eixos: política nacional de redução de homicídios; política criminal e prisional de âmbito nacional; e cultura da paz e valorização da vida. É preciso, também, uma reforma penal e penitenciária que elimine a caótica situação dos presídios do país. De igual modo, impõe-se uma revisão completa da política atual de combate ao tráfico de drogas, patrocinando um amplo debate sobre os limites da legislação relativa ao consumo de entorpecentes e os efeitos desastrosos da chamada “guerra às drogas”.

–  A emancipação das mulheres é uma condição indispensável para o avanço civilizacional. São necessárias políticas públicas que contribuam para superar preconceitos e discriminações e combatam eficazmente a violência contra elas desferida. E, ainda, políticas que incentivem e assegurem seus direitos na esfera do trabalho, na educação, na saúde e promovam seu empoderamento.

–   Na esfera dos direitos humanos e no esforço de construção de uma sociedade que supere preconceitos, destaca-se a luta contra o racismo e por políticas de promoção da igualdade social para os negros; pela proteção, efetivação e garantia dos direitos das etnias indígenas; por políticas de combate às opressões e discriminações que desrespeitem a liberdade religiosa; pela defesa da livre orientação sexual, dos direitos da população LGBT, combate às violências e discriminações de que são vítimas; pela garantia dos direitos de crianças, adolescentes, jovens e idosos; e por políticas de acessibilidade universal para as pessoas com deficiência.

Finalmente, as Fundações que firmam este Manifesto sublinham uma vez mais que um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento demanda o trabalho de um número infindável de mãos, cérebros e corações. O texto que ora apresentam para exame e debate não é um ponto de chegada, mas sim de partida. Convidamos outras Fundações e instituições congêneres do campo democrático, e lideranças e personalidades de diversos setores da sociedade e dos movimentos, a se agregarem ou dialogarem conosco para o êxito da importante tarefa em tela. Tal como a realidade vem demonstrando não será fácil, mas o Brasil – com a união e a luta das forças progressistas da Nação, do povo e da classe trabalhadora – vencerá uma vez mais!

 

Brasília, 20 de fevereiro de 2018

 

Francisvaldo Mendes de Souza–  Fundação Lauro Campos

Manoel Dias – Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini

Marcio Pochmann – Fundação Perseu Abramo

Renato Casagrande – Fundação João Mangabeira

Renato Rabelo – Fundação Maurício Grabois