“A comunicação pública não será a prioridade do presidente Bolsonaro”. Essa foi a avaliação que muitos analistas fizeram logo que se iniciou o atual governo. A manutenção da fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) sob as mãos do neófito Marcos Pontes demonstrava que as políticas públicas de comunicação seriam rebaixadas para a periferia da agenda governamental. Passados os 100 primeiros dias de governo, constata-se que o cenário é bem pior do que imaginavam os analistas.
Por Theófilo Rodrigues*
Quando o ministro da Casa Civil divulgou em 23 de janeiro um documento com as 35 metas prioritárias para os 100 dias de governo, muitos perceberam certa ausência das políticas públicas de comunicação. De modo superficial, a resolução apenas mencionava como meta a “reestruturação da Empresa Brasileira de Comunicação”. De acordo com a proposta, “a estrutura se tornará mais racional, com valorização da qualidade do conteúdo”.
Naquele momento um sinal amarelo acendeu para os defensores das políticas públicas de comunicação. Num contexto em que o ministro da economia, Paulo Guedes, anuncia aos quatro ventos que o objetivo do governo é privatizar tudo o que for possível, a tal “reestruturação da Empresa Brasileira de Comunicação” poderia significar simplesmente a extinção da empresa.
Com efeito, foi mais ou menos isso o que aconteceu ontem com a publicação da Portaria nº 216, assinada pelo presidente da EBC, Alexandre Graziani Jr. A medida determinou a fusão em um único canal da TV Brasil (comunicação pública) com a NBR (comunicação estatal). Dito de outro modo, a Portaria não privatizou a EBC, mas determinou que a sua função de comunicação pública fosse extinta.
Como sabemos, comunicação pública e comunicação estatal são coisas diferentes. A comunicação pública é aquela que é gerida pela sociedade civil e que tem como agenda o debate da esfera pública, com pluralidade e diversidade de conteúdo. Já a comunicação estatal tem como única função a divulgação das medidas adotadas pelo governo federal. A primeira era a tarefa da TV Brasil; a segunda estava sob a responsabilidade da NBR. Com a fusão imposta pela Portaria nº 216 a função pública foi substituída pela estatal.
A própria Constituição de 1988, em seu art. 223, exige que o sistema de comunicação no país obedeça à complementariedade entre público, estatal e privado. A portaria, portanto, pode ser interpretada como inconstitucional.
Ao movimento social defensor das políticas públicas de comunicação cabem duas tarefas imediatas: em primeiro lugar, cobrar que a Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados convoque o presidente da EBC, Alexandre Graziani Jr, para explicar essa ação inconstitucional; em segundo lugar, encontrar um partido político que esteja disposto a entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para sustar os efeitos da Portaria nº 216. Somente na articulação dialética entre a pressão social e a luta institucional que retrocessos como esse poderão ser barrados.
*Theófilo Rodrigues é cientista político e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé no Rio de Janeiro