21 de novembro de 2024

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‘É lamentável o uso político e ideológico de uma morte como a do PM na Bahia’

Na tarde de domingo 29, o policial militar Wesley Soares se encaminhou em direção ao Farol da Barra, ponto turístico de Salvador. Fardado, armado com um fuzil e com o rosto pintado de verde e amarelo, dava tiros para o alto dizia frases desconexas como: “Venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia” e “não vou permitir que violem a dignidade humana de um trabalhador”.

Por Thais Reis Oliveira, na CartaCapital

Segundo a Polícia Militar, o soldado estava em ‘descontrole emocional’. A PM isolou a área e chamou a equipe do BOPE para tentar negociar com o policial. Após três horas e meia de negociação, já no início da noite, Soares disparou contra os policiais e foi abatido. Morreu horas depois no Hospital Geral do Estado.

O caso mobilizou policiais. Na madrugada, houve um protesto em frente ao hospital onde o soldado era socorrido. Uma outra manifestação ocorre na manhã desta segunda-feira 29 no Farol da Barra. O principal articulador dos protestos é o deputado estadual Soldado Prisco (PSC), um ex-PM e articulador contumaz de greves no estado. Prisco é ex-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares da Bahia, a Aspra.

Em paralelo, figuras importantes do entorno bolsonarista vem tentando conduzir politicamente a repercussão do caso. A deputada Bia Kicis (PSL), atual presidente da CCJ, disse que o soldado morreu porque “se recusou a prender trabalhadores” e “disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa”. O post foi apagado horas depois.

Para o professor Rafael Alcadipani, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o caso é um triste exemplo da erosão da saúde mental entre a categoria. “O policial do Brasil se mata mais que a média da população e mais que a média dos policiais no mundo”, diz. “É lamentável que um governo que não faz nada pela saúde mental dos policiais tente fazer uso político e ideológico dessa morte”

E que, embora a PM baiana tenha histórico de insubordinação, não vê ainda elementos suficientes para a realização de uma greve.

“Uma coisa é ter um problema salarial grave… Nessa situação, me seria parece haver tentativa de se contrapor a ordem do governador. Se eles fizerem uma greve, vão desejar o quê? O fim do lockdown?”

Em conversa com CartaCapital, ele avalia o caso. Confira a seguir.

CartaCapital: Os policiais agiram corretamente ao atirar no soldado?

Rafael Alcadipani: O soldado estava armado com um fuzil. O escudo [que os policiais que faziam a negociação estavam usando] não aguenta tiro de fuzil. Os policiais negociaram por muito mais tempo do que fariam contra uma pessoa comum. Um sujeito com um fuzil que não fosse policial, teria sido neutralizado muito antes. No primeiro disparo.

A neutralização de uma pessoa desequilibrada portando arma de fogo é um clássico de manual de tática policial. E qualquer policial sabe que, se você se amotinar com arma de fogo, com ou sem surto, vão te neutralizar.

CC: Bolsonaristas e policiais com cargo político tem protestado. Como avalia a repercussão?

RA: É lamentável que um governo que não faz nada pela saúde mental dos policiais tente fazer uso político e ideológico dessa morte. Esse é um problema clássico, o policial do Brasil se mata mais que a média da população e mais que a média dos policiais no mundo. Não há nenhuma lei, nada que seja feito pra melhorar essa situação.

CC: Esse levante pode se converter de fato em motim?

RA: É difícil saber… A PM da Bahia tem um longo histórico de indisciplina, de greves. Agora, até que ponto isso vai encorajar a tropa. Uma coisa é ter um problema salarial grave, as coisas estarem claramente ruins… Essa situação seria tentar se contrapor a ordem do governador — que não é só do governador, as pessoas querem o isolamento, querem que a polícia atue, porque as pessoas estão morrendo. Se eles fizerem uma greve, vão desejar o quê? O fim do lockdown?

Digamos que eles desejem. Qual a moral que a PM da Bahia terá sobre a população? Uma tropa que se subleva contra o governador, contra a sociedade, porque não quer lockdown. Como vai ficar marcada a história da polícia da Bahia? É muita irresponsabilidade.