A Coalizão Direitos na Rede, coletivo que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil e organizações acadêmicas que trabalham em defesa dos direitos digitais, vem a público alertar sobre os riscos da Medida Provisória nº 1068, de 06 de setembro de 2021, que altera o Marco Civil da Internet (MCI) e a Lei de Direitos Autorais (LDA) para disciplinar o uso de redes sociais no Brasil.
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Desde maio, noticiou-se a redação dessa norma pelo Poder Executivo Federal, então sob a forma de um decreto presidencial. Naquele momento, a Coalizão e muitos parceiros internacionais criticaram a norma diante da necessidade de enfrentamento das práticas de desinformação e combate ao discurso de ódio online. Impedir medidas de moderação de conteúdo pelas plataformas poderia representar um preocupante cheque em branco, com potencial para prejudicar usuários, órgãos públicos e empresas que interagem e ofertam serviços online, e causar impacto irreversível no funcionamento de plataformas de redes sociais no Brasil.
A Medida Provisória agora publicada se mostra ainda mais preocupante pelo momento de sua edição: a véspera dos atos convocados para o dia 07 de setembro de 2021 e logo após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de suspender repasses financeiros (desmonetização) a páginas de apoiadores do presidente que propagam desinformação. Na contramão da natureza participativa da construção do MCI, o governo federal adota uma postura de deslealdade republicana, nega-se ao mínimo diálogo e insere previsões incoerentes na Lei nº 12.965/2014.
Não é novidade que o Presidente da República tem expressado receio de intervenção das plataformas de redes sociais sobre os conteúdos postados por ele e seus apoiadores. No entanto, Jair Bolsonaro frequentemente viola as políticas de conteúdo desses provedores de aplicações e conta com muita complacência das empresas, que permanecem inertes e praticamente não adotam medidas de moderação em relação aos seus conteúdos. Mesmo assim, decidiu intervir unilateralmente no funcionamento das redes sociais, atacando os princípios do Marco Civil da Internet.
Em 2014, o MCI disciplinou os direitos dos usuários e serviços na Internet no Brasil. No caso das redes sociais (plataformas como Facebook, YouTube e Twitter), o Art. 19 da lei — há sete anos em vigor — afirma que aqueles que operam com base em conteúdos produzidos por terceiros somente podem ser responsabilizados juridicamente por tais mensagens se, ao receberem uma ordem judicial de remoção, não a cumprirem. Além disso, o modelo instituído pelo MCI permite que intermediários tenham suas próprias políticas de moderação (como regras do que pode ou não ser publicado), ao mesmo tempo em que estabelece que estes devem seguir o que o Judiciário determinar posteriormente.
A MP de Bolsonaro inverte essa lógica ao estabelecer regras sobre como essa moderação pode ou não ocorrer. Assim, estabelece que redes sociais estão obrigadas a manter no ar todo o conteúdo que o Executivo não considera passível de remoção com “justa causa” sem uma ordem judicial.
O texto transforma, portanto, as redes sociais em espaços ainda mais homogêneos, inóspitos e tóxicos. Tais empresas não poderão mais realizar controle de spam ou de vendas de armas sem atender o requerimento de justa causa e motivação. Mais ainda: não poderão aplicar medidas em contas destinadas unicamente a promover crimes, assédio ou bullying, tudo em nome da “liberdade de expressão”. Assim, o governo prejudica a possibilidade de brasileiras e brasileiros se sentirem seguros e ouvidos para se expressar, criando uma internet sem diversidade de espaços. Uma internet em que poderão imperar os mais violentos e aqueles que lotam as timelines com spam. Isso viola frontalmente a liberdade de expressão e o acesso à informação de todas e todos.
Ao estabelecer o que seria “justa causa” para a ação das redes sociais, a MP revela-se arbitrária, insuficiente e atécnica. A numerosa lista de exceções trabalha com temas vagos e deixa de fora situações cuja resposta célere das redes sociais tem se mostrado relevante, como é o caso de conteúdos que incentivam ódio ou práticas de desinformação. A minuta também limita as possibilidades de suspensão e exclusão de contas, tema fundamental que deve ser debatido e objeto de regras democráticas, sob risco de atacar a liberdade de expressão e silenciar vozes dissidentes.
Na prática, a Medida Provisória editada altera o modelo de responsabilidade de intermediários estabelecido pelo Artigo 19 da lei, sem qualquer consulta a órgãos competentes, como o Comitê Gestor da Internet no Brasil, como determina o art. 24º, §1º do MCI, ou à sociedade.
Adicionalmente, a norma também altera a Lei de Direitos Autorais, estendendo as restrições a moderações de “conteúdos protegidos” por esses direitos e obrigando o restabelecimento de qualquer conteúdo suspenso ou bloqueado desde que não enquadrado nas exceções que a Medida chama de “justa causa”.
Por fim, reforçamos que a edição de Medida Provisória pelo Presidente da República precisa atender aos requisitos formais de relevância e urgência, que não ficam claros no texto em questão. Diante dos graves impactos à Internet, a Coalizão Direitos na Rede alerta para a necessidade da devolução ou revogação desta MP e chama os atores da sociedade, do Estado e do setor privado para que o debate sobre a regulação do discursos online continue sendo feito no Congresso Nacional, no âmbito do Projeto de Lei N.º 2630/20, já aprovado no Senado e em discussão neste momento na Câmara dos Deputados.
Coalizão Direitos na Rede
Brasília, 6 de setembro de 2021