O Brasil convive com o medo e a perplexidade após a onda de ataques e ameaças envolvendo as escolas se estabelecer no país. Entre tantos questionamentos, um ganhou destaque: qual é o papel da mídia e dos veículos de imprensa?
Grupos importantes – como Globo, Band e CNN – anunciaram que não vão mais divulgar nomes, fotos e vídeos dos acusados.
O que pensam especialistas e estudiosos sobre o tema? A cobertura jornalística pode incentivar novos ataques? A divulgação motiva e pressiona reações das autoridades? E as redes sociais?
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
“Do ponto de vista da psicanálise, as pessoas entendem certos acontecimentos como uma ruptura. Esses casos de violência extrema despertam um pensamento de que é possível matar o pai, a professora… Ou seja, eliminar quem está me incomodando”, afirma Luís Carlos Petry, psicanalista professor da PUC-SP por mais de 20 anos.
“Todos esses processos, portanto, começam a aumentar o estado de fervura psicológica. É o efeito contágio, com eventos contagiantes. Certos eventos contagiam o ambiente e, se vão para a mídia, televisão, jornais e principalmente se imagens são exibidas, tendem a estimular outros eventos similares ou inspirados neles”, complementa o estudioso.
Mas, então, os jornais deveriam ignorar a divulgação de ataques em escolas?
“Jamais! A imprensa tem que divulgar para que a sociedade tenha o mínimo de noção sobre o risco. Tem que orientar os pais e as escolas, mostrar como reagir. Isso é o contrário de omitir. Além disso, para que seja criado um clima, tanto na sociedade quanto nas autoridades, para que esses crimes seja coibidos”, diz Rudá Ricci, doutor em Ciências Sociais e especialista em educação.
Autor do livro “Fascismo Brasileiro: E o Brasil gerou o seu ovo da serpente”, Rudá sustenta que a motivação para esses ataques e o ambiente de excitação ocorrem fora da mídia tradicional.
“A disseminação desse contágio se dá na deep web [conteúdos na internet que não são indexados, portanto, não podem ser acessados como um site ou uma plataforma comum]”.
E a forma de divulgação? Pode ser prejudicial?
Um projeto que realizou uma revisão sistemática de mais de 4 mil artigos, publicados nos últimos 10 anos sobre o tema nos Estados Unidos, chegou à conclusão que sim: o efeito contágio ‘provocado pela exposição à violência na mídia é listado pela literatura científica como um dos fatores que podem provocar ataques a escolas’.
“Tem esse componente narcísico do autor: tem o desejo que falem dele, do caso. A orientação que observamos no nosso estudo é não mostrar ou mesmo citar o autor. Abordar o caso, obviamente, mas sem dar tanto destaque às imagens, não ser tão explícito”, explica Tulio Kahn, doutor em Ciência Política e coordenador do projeto “Efeitos da Mídia Violenta – A Visão da Ciência” (confira o estudo na íntegra AQUI).
O estudioso, membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que o estudo focou os Estados Unidos justamente pela frequência de casos: mais de um caso por dia de mass shootings (tiroteios de massa), quando há mais de quatro mortos, naquele país.
“Nosso projeto também observou a literatura sobre o impacto da violência mostrada na mídia principalmente nas populações mais jovens. Os efeitos vão desde insônia, distúrbio da alimentação, ansiedade, estresse pós-traumático…”, afirma Kahn.
E as redes sociais?
“A nova geração está bem focada e desenvolvida, de forma viciosa, na tecnologia, tanto mídias sociais, quanto jogos violentos. Com a demanda atual do mercado de trabalho, a presença do pai e da mãe muitas vezes é substituída pelo celular”, afirma a Nayraline Oliveira, consultora em educação do Instituto Cultiva.
“Esse movimento tem prejudicado muito a cabeça e a saúde mental das crianças e adolescentes, justamente em um momento de desenvolvimento”, complementa.
A especialista avalia que o aumento da violência causado pela pandemia (mais tempo em casa e, consequentemente, nas mídias sociais e menos socialização) também contribui para esse cenário, com as crianças reproduzindo os abusos sofridos em casa.
“As mídias e a falta de presença afetuosa dos pais, com presença social construtiva no desenvolvimento, podem ocasionar esse pensamento violento de que tudo se resolve através da violência, para aniquilar o problema”, diz a especialista.
Qual a solução?
Rudá Ricci afirma que é preciso atuar em três frentes:
- investigação e punição
- criação de protocolos para escolas, educadores e pais
- criação de rede de apoio para educadores e pais
“A primeira ação é investigar. Precisamos deixar claro que qualquer pessoa que esteja com a intenção de se envolver nessa rede vai ser identificada e colocada na cadeia. É preciso criar um contra-ataque a essa rede terrorista”, afirma o estudioso.
“Segundo, temos que criar protocolos para que educadores e pais saibam o que fazer numa situação em que uma escola for ameaçada ou for palco de um ato de violência mesmo que individual. Ou seja, se acontecer isso, o que eu faço? Quem eu procuro? Esse tipo de protocolo é utilizado no mundo inteiro para que a gente dê estabilidade e previsibilidade: eu preciso saber quais são os segmentos e serviços públicos que eu posso acionar”, complementa.
“E o terceiro: eu preciso criar uma rede de apoio emocional para pais e professores que são os alvos adultos para criar pânico. Portanto, coibir através da repressão, ter protocolos padronizados e apoio emocional as família e as escolas para que a gente transforme de novo a escola em um local seguro, em um local de apoio e socialização”, resume Ricci.
“Não podemos transformar as escolas em um equipamento de perigo. Os pais precisam estar tranquilos no seu trabalho sabendo que seus filhos estão em um lugar seguro”, finaliza Rudá Ricci.
“É essencial que as escolas tenham algum monitoramento sobre a saúde mental dos estudantes e ofereçam um serviço de apoio psicológico”, reforça Tulio Kahn.