Belém se transforma, amanhã e depois, na capital mundial do meio ambiente. É que nesses dias, ela sediará a Cúpula dos Chefes de Estado dos Países Amazônicos. Mas desde o fim de semana já se encontram lá representantes de centenas de etnias indígenas, quilombolas, povos da floresta (ribeirinhos, pescadores artesanais e agricultores familiares), além de ONGs nacionais e internacionais.
Ângela Carrato/ Viomundo
Foto: Bruno Cecim/ Agência Pará
A convite do presidente Lula devem estar presentes os dirigentes dos oito países que possuem o bioma em seu território. O objetivo é definir políticas públicas para o desenvolvimento sustentável da região.
Mesmo o Brasil possuindo 63% da floresta em território nacional, Lula tem clareza de que os temas amazônicos não podem ser resolvidos apenas por um país. Daí os presidentes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela terem sido convidados.
Igualmente convidados foram os representantes do Congo, República Democrática do Congo e Indonésia (países com florestas tropicais), São Vicente e Granadinas (país que ocupa a presidência da CELAC) e a França (pela Guiana Francesa).
Alemanha e a Noruega também foram convidados por serem os principais doadores do Fundo Amazônia, além do presidente da COP28 e de representantes de bancos de fomento, como BNDES, BID e NBR (Banco dos BRICS).
Sabe-se, no entanto, que o presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, não vão comparecer.
A ausência deles constitui uma oposição velada da Comunidade Europeia às posições de Lula, que tem cobrado dos países desenvolvidos reparação pelos danos causados ao meio ambiente.
No que depender de Lula, esta cúpula dará início a um tempo novo para a Amazônia, com investimentos em infraestrutura e a possibilidade de aliar preservação com exploração de petróleo na Margem Equatorial.
Será o momento, também, para países e instituições internacionais mostrarem, de forma efetiva, que têm compromisso com a região, para além da mera retórica.
A cúpula se reveste ainda de outro aspecto fundamental. Deixar claro que o compromisso com a preservação da Amazônia não pode significar transformá-la num “santuário”, que perpetue as péssimas condições para quem vive lá.
Até porque sob o rótulo de defesa da Amazônia, que é essencial, acobertam-se interesses inconfessáveis de ONGs, grupos econômicos e países imperialistas.
Exatamente por isso, Brasil e demais países amazônicos podem se preparar para uma dura campanha internacional, cujo objetivo será tentar desmoralizá-los e transformá-los em inimigos do meio ambiente.
Campanha cujo objetivo, nada novo, é buscar, sob o pretexto de que a Amazônia é patrimônio mundial, internacionalizar o seu controle.
Bolsonaro, com sua política de destruição, deu grande contribuição para aqueles, ambientalistas ou supostos ambientalistas, que defendem que organizações internacionais ou mesmo países desenvolvidos cuidariam melhor da região do que os seus legítimos donos.
Logo eles que, nos últimos séculos, destruíram todas as florestas originárias em seus territórios.
Para esses, Lula deixou claro a dívida histórica dos países ricos para com os danos ambientais no planeta.
Em discurso diante da Torre Eiffel, em Paris, no evento “Power Our Planet”, em junho, Lula cobrou que as nações ricas financiem países em desenvolvimento que detém reservas florestais como uma forma de pagar esta “dívida histórica”.
Ele disse ainda que a Amazônia é um território soberano do Brasil, jogando um balde de água fria nos que sonham com a sua internacionalização.
A mídia corporativa brasileira, que desde sempre ecoa os interesses imperialistas dos Estados Unidos e de países europeus, não deu a devida cobertura ao discurso do presidente brasileiro.
Discurso no qual ele enfatizou, para uma das maiores multidões já reunidas na capital francesa, que “quem poluiu o planeta nesses últimos 200 anos foram aqueles que fizeram a revolução industrial. E por isso têm que pagar a dívida histórica que têm com o planeta”, defendendo que os países desenvolvidos se responsabilizem pelo financiamento da manutenção de florestas em países pobres.
Na mesma oportunidade, Lula reafirmou seu compromisso com o desmatamento zero na Amazônia até 2030 e convidou os presentes a conhecer a região, que sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em novembro de 2025, também em Belém.
Para quem tem dúvidas sobre o lado da mídia corporativa brasileira neste processo, basta observar as manchetes da sexta-feira (4/8) dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.
Depois de passar pano para Bolsonaro e a destruição que patrocinou ao longo de quatro anos na Amazônia, esses veículos noticiaram com destaque que o desmatamento na região reduziu nesses primeiros seis meses do governo Lula, mas o do Cerrado aumentou.
Como a maioria das pessoas se fixa apenas no que dizem as manchetes, o estrago estava feito.
Será mera “coincidência” essas manchetes às vésperas da Cúpula Amazônica?
Eu não acredito em coincidências.
Só veículos da mídia independente divulgaram a explicação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sobre o assunto.
De acordo com ela, “há uma diferença de legislação em relação aos biomas. Enquanto na Amazônia, a Reserva Legal – percentual de vegetação nativa a ser preservada em cada propriedade – é de 80%, no cerrado é de apenas 20%”.
Ao não esclarecer para o público esses aspectos, a mídia corporativa brasileira contribui para confundir e, obviamente, desacreditar a luta que o terceiro governo Lula empreende contra o desmatamento.
O tipo de cobertura que a mídia corporativa está fazendo e a que fará nesta cúpula vai ser importante para indicar os seus reais compromissos.
Quem se recorda, por exemplo, de que na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Brasília, no início do ano, a mídia corporativa ignorou as suas importantes atividades, discussões e decisões e deteve-se exclusivamente nas criticas à presença do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e à recepção que Lula lhe conferiu?
Será que a mídia corporativa brasileira fará esse papelão novamente?
Outra “coincidência”: o Jornal Nacional, na edição da última terça-feira (1/8), anunciou o lançamento, por sua afiliada, Grupo Rede Amazônica, de um canal internacional, em parceria com a agência de notícias inglesa Reuters.
Com o nome de Amazon Agency, o canal terá conteúdo exclusivo e voltado apenas para o público internacional.
Como a Amazônia é pouco conhecida no próprio Brasil, exatamente por falta de cobertura da mídia sediada no eixo Rio-São Paulo, qual motivo para direcionar esta agência apenas ao público estrangeiro?
É importante não perder de vista que a Reuters, um dos gigantes da comunicação no mundo, criada em 1851, serviu, desde o começo, aos interesses imperialistas ingleses.
Basta lembrar o papel que teve na cobertura da Conferência de Berlim (1884/1885), aquela em que os países europeus partilharam entre si o controle da África.
Basta lembrar também o papel da Reuters na difusão dos “valores ocidentais” em detrimento das culturas e realidades dos diferentes povos e países da América Latina, Ásia e África.
Que Amazônia esta agência estará mostrando para o mundo?
Mais uma “coincidência” que merece atenção é o fato da “preocupação” com o meio ambiente ter sido redobrada pelos países imperialistas logo depois que a Petrobras anunciou a descoberta de um novo pré-sal, distante 500 km da voz do rio Amazonas, a chamada margem equatorial.
Estima-se que a reserva chegue a 30 bilhões de barris, levando o Brasil de oitavo a quarto produtor de petróleo do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, Arábia Saudita e Rússia.
Até então, esse petróleo vinha sendo explorado com exclusividade por empresas multinacionais na vizinha Guiana, colônia francesa em pleno século XXI, e a mídia internacional e a brasileira sempre se mantiveram caladas.
Bastou a Petrobras anunciar a descoberta deste novo pré-sal, para a gritaria ter início.
Haja hipocrisia, por parte desta mídia. Como explicar que exploração por multinacionais é aceitável e pela Petrobras, que descobriu e possui a tecnologia mais avançada em se tratando de petróleo em águas profundas, não é?
No momento em que a preocupação com a mudança climática assume aspectos urgentes e dramáticos, é visível que os países que possuem total responsabilidade por esta situação pretendam jogar a conta nos ombros dos países do Sul global e, no limite, os impedirem de desenvolver e garantir qualidade de vida para suas populações.
Não é possível esquecer que o golpe que derrubou Dilma Rousseff, em 2016, teve como objetivo entregar o pré-sal para as multinacionais, destruir a Petrobras e submeter o país aos interesses imperialistas. E isso nunca foi dito por essa mídia.
Apropriar-se do petróleo alheio e de recursos minerais sempre esteve na raiz dos inúmeros golpes que os Estados Unidos, Inglaterra e França patrocinaram.
Para tanto, se antes se valiam de argumentos como “defesa da democracia” e “dos direitos humanos”, agora se valem da suposta defesa do meio ambiente.
O que acontece no momento em ex-colônias francesas na África ocidental, como o Níger, ilustra a postura neocolonialista da “democrática” França. A revolta que derrubou o governo pró-interesses franceses naquele país, tem tudo a ver com o meio ambiente, mais precisamente com a exploração de urânio, do qual o Niger é o maior produtor mundial.
Perto de 95% da renda do urânio daquele país sempre foi parar nas mãos de empresas francesas, restando aos nigerenses fome e miséria.
O Níger é o oitavo país mais pobre do mundo.
Também nesse caso, a mídia internacional, que se mostra tão preocupada com o meio ambiente, nunca viu nada de errado.
Será que é possível desvincular a qualidade de vida da maioria das populações da defesa do meio ambiente?
Será que pessoas pobres e miseráveis têm como preservar o meio ambiente?
Por tudo isso, mesmo a questão ambiental sendo uma urgência, ela também pode servir como elemento chave nas guerras de tipo novo (guerras híbridas) dos países imperialistas (Estados Unidos, Inglaterra e França, para ficar apenas nos casos clássicos) contra as nações emergentes.
Para quem, como alguns colunistas da mídia corporativa, consideraram as declarações de Lula em Paris estapafúrdias e fora de propósito, ele, na realidade, demonstrou enxergar longe.
Se as denúncias internacionais de que Bolsonaro estava destruindo a Amazônia foram de muita valia para a sua derrota nas eleições de 2022, elas tinham objetivo extra que poucos se deram conta: desacreditar o país como responsável pelo cuidado com a floresta.
Nesse processo, por exemplo, nunca as agências de notícia internacionais ou veículos de grande repercussão como o jornal The New York Times se deram ao trabalho de mostrar como, há décadas, empresas multinacionais ligadas à mineração e à exploração de madeira atuavam – e continuam atuando – de forma ilegal na Amazônia.
É possível acreditar que simples garimpeiros ou madeireiros possuam aviões e construam campos de pouso ilegais na região?
Como gigantes farmacêuticos e de produtos de beleza conseguem ingredientes presentes apenas na biodiversidade amazônica?
Onde estão as matérias investigativas dando nomes aos verdadeiros responsáveis por esses roubos?
Lula está coberto de razão ao patrocinar esta cúpula, a quarta em mais de cinco décadas de vigência do Tratado Amazônico.
Está coberto de razão ao anunciar que o Brasil terá um canal internacional de comunicação, para ter voz no mundo.
Passou da hora, como ele mesmo disse, em seu podcast semanal das terças-feiras, de em viagens ao exterior, não encontrar nenhuma notícia do Brasil na mídia internacional.
O detalhe importante é que Lula fez o anúncio do novo canal na véspera desta cúpula, sem vincular uma coisa à outra. Já o JN, na mesma noite, anunciou o lançamento do canal internacional em parceria com a Reuters, sem mencionar o que o presidente havia dito.
Como os assuntos são afins e havia declaração do próprio Lula, o silêncio sobre esta fala não pode ser atribuído ao esquecimento de repórteres ou editores.
Ao liderar os que defendem o meio ambiente, mas não abrem mão do desenvolvimento sustentável, Lula desagrada aos que se acham donos do mundo.
Quem ainda tinha dúvidas de que o governo Lula passaria a ser atacado por suas posições nesta área, não precisa ter mais.
*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.