O bilionário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), usou seu perfil oficial para fazer uma série de ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) e à Justiça brasileira. Ele prometeu levantar “todas as restrições” impostas pelo judiciário e ameaçou fechar o escritório da companhia no Brasil.
Por Redação/ICL Notícias
Menos de uma hora depois de um perfil institucional do X (antigo Twitter) postar que bloqueou “determinadas contas populares no Brasil” devido a decisões judiciais, Musk repostou a publicação e passou a atacar Moraes –que é relator de inquéritos contra bolsonaristas no STF e comandou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante a eleição de 2022.
Em reação à postura do empresário, figuras importantes da esquerda, do governo e especialistas nas redes sociais criticaram a conduta do X em relação a campanhas de desinformação e combate ao discurso de ódio. A regulamentação das big techs voltou a ganhar força no debate digital.
Em uma de suas publicações, Musk provocou: “Por que você está fazendo isso @alexandre”, marcando o perfil do ministro Alexandre de Moraes.
“A X Corp. foi forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil. Informamos a essas contas que tomamos tais medidas”, diz a publicação feita pelo X.
“Não sabemos os motivos pelos quais essas ordens de bloqueio foram emitidas. Não sabemos quais postagens supostamente violaram a lei. Estamos proibidos de informar qual tribunal ou juiz emitiu a ordem, ou em qual contexto. Estamos proibidos de informar quais contas foram afetadas. Somos ameaçados com multas diárias se não cumprirmos a ordem”, continua a mensagem.
Meia hora depois de fazer o post mencionando Moraes, o empresário respondeu uma outra publicação de seu próprio perfil em que fazia referência a post do escritor e jornalista Michael Shellenberger e disse estar levantando “todas as restrições”, fazendo referência às decisões da Justiça brasileira.
Nos últimos anos, a Justiça Eleitoral determinou a exclusão de posts que tinham campanhas de desinformação contra as urnas eletrônicas ou notícias falsas contra adversários políticos. Já Moraes determinou a suspensão das contas nas redes sociais de políticos e influenciadores investigados por ataques à democracia e tentativa de golpe de Estado.
“Estamos levantando todas as restrições. Este juiz aplicou altas multas, ameaçou prender nossos funcionários e bloquear o acesso ao X no Brasil”, escreveu Musk em nova referência a Moraes. “Como resultado, provavelmente perderemos todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá. Mas os princípios são mais importantes do que o lucro”, continuou.
Mais cedo, o empresário tinha respondido em tom de crítica um post antigo feito pelo ministro Moraes. Em publicação em que o ministro parabenizava o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, pelo seu cargo, em 11 de janeiro, o empresário questionou o porquê de “tanta censura no Brasil”.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele mesmo investigado por tentativa de golpe de Estado, republicou um vídeo de uma reunião que fez, ainda no cargo, com Musk, onde bajula o bilionário. Entre outras coisas, ele diz que o empresário é o “mito da nossa liberdade”, em referência ao termo usado por seus apoiadores para elogiá-lo.
Seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) emendou e, respondendo ao bilionário, disse que faria uma audiência pública na Câmara dos Deputados para tratar da questão, com a presença de representantes do X.
Notório apoiador da extrema direita global, Musk chegou a anunciar, ao lado de Bolsonaro e às vésperas da campanha eleitoral, a disponibilização de sua rede de internet por satélites, a Starlink, para garantir a conectividade de escolas isoladas na Amazônia. Na mesma reunião republicada por Bolsonaro, em maio de 2022, o bilionário prometeu alcançar 19 mil escolas em áreas rurais do Brasil.
Mais de um ano depois, o governador do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (União Brasil), afirmou que apenas três escolas em seu estado –o maior da Amazônia e do Brasil– tinham sido conectadas. Se faltou nas escolas, a Starlink esteve disponível para todo tipo de criminosos, como traficantes de drogas, grileiros e garimpeiros ilegais.
“A internet que ele começou a colocar na Amazônia nunca esteve conectada às políticas públicas. Resultado: traficante, grileiro e criminosos têm a antena do Elon Musk, mas a comunidade mais simples, lá do interior, não tem acesso”, disse o governador do Amazonas em junho de 2023.
Esquerda e especialistas criticam Musk
A presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), rebateu as alegações de Musk.
“Patético é o menor dos adjetivos para descrever a resposta de Elon Musk ao ministro Alexandre de Moraes, inflamando a extrema-direita ao insinuar que há censura no Brasil, ao mesmo tempo que sua rede permite discursos de ódio e propagação em larga escala de notícias falsas. Enquanto tentarem enfraquecer democracias nós vamos resistir. E exigir que ninguém seja anistiado!”, escreveu ela no X.
João Brandt, secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República, afirmou que a postura de Musk mostra “desprezo pela Justiça brasileira”.
“[Musk] Responde politicamente ao buzz dos ultimos dias requentando decisões antigas e aproveita para fazer agitação e propaganda de extrema direita. É claro que pode haver opiniões diferentes sobre as decisões do STF e do TSE, mas não é disso que se trata. Musk resolveu defender golpistas e escalar o tema por motivos políticos (possivelmente também comerciais), provavelmente antecipando descumprimento da resolução do TSE para as eleições 2024”, avaliou.
Brandt lembrou ainda que o Twitter, sob a gestão do bilionário, deixou de cumprir suas próprias regras de moderação de conteúdo –o que aumentou a necessidade de medidas judiciais.
“Curiosamente, o Twitter tinha até o início de 2023 o melhor termo de uso em relação a eleições. Se eles cumprissem as próprias regras, provavelmente parte do conteúdo removido pela justiça teria sido removido antes pela propria empresa. Tivemos oportunidade de falar isso diretamente ao Musk na reunião que o governo brasileiro realizou com ele dia 12/01/2023. Naquela data, ele fez questionamentos as decisões de Morais. Reforçamos naquele momento a importância das ações do TSE e STF em proteger a democracia brasileira. Mas evidentemente isso não era, e segue não sendo, relevante para o bilionário dono desta plataforma”, concluiu.
Pedro Barciella, especialista no monitoramento do debate político nas redes sociais e colunista do ICL Notícias, lembrou que o bilionário agiu ativamente para dificultar o rastreamento de discursos de ódio no X após comprar a rede social.
“Musk destruiu qualquer possibilidade de monitoramento do discurso de ódio aqui. Primeiro impediu quem pudesse denunciar de analisar, depois permitiu o retorno dos criminosos. Ironicamente, ele foi bastante transparente no objetivo de destruir qualquer transparência nessa rede”, disse ele.
Twitter files e a extrema direita
Na última quarta-feira (3), o escritor Michael Shellenberger fez um post na rede social com uma série de críticas a Moraes e à atuação do Judiciário brasileiro, sob o título “Twitter Files – Brazil” (Arquivos do Twitter, em português).
O nome “Twitter Files” começou a ser usado no final de 2022 para se referir a medidas de moderação, reveladas a partir de um conjunto de documentos internos da rede e que tratavam de anos anteriores à gestão Musk.
No mesmo post de Moraes, Eduardo Bolsonaro respondeu a Musk dizendo que o caso Daniel Silveira seria um dos exemplos. E disse que está preparando um requerimento para promover uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados sobre o “Twitter Files Brasil e censura”, com a participação de um representante do X.
Musk se descreve como um “absolutista da liberdade de expressão” e desde que adquiriu a rede social, em 2022, tem enfrentado polêmicas. Um dos principais focos do empresário foram as políticas de moderação da rede, sob a crítica de que teriam viés político.
A plataforma reduziu as equipes de moderação de conteúdo, e usuários e especialistas apontam o crescimento do discurso de ódio e da desinformação.
*Com Folhapress