
Donald Trump organizou um jantar com sua Aristocracia Tecnológica um dia depois de a China revelar seu poder militar. Enquanto a China aposta em incorporar tecnologias disruptivas à produção e à indústria militar, os Estados Unidos não param de alimentar a bolha da IA.
Por Betiana Vargas*
Publicado originalmente no Diário Red**
O Índice Global de Inovação 2024 (GII, sigla em inglês), que avalia o desempenho em inovação de 133 países segundo 78 indicadores, colocou a China na 11ª posição, uma ascensão significativa em relação ao 43º lugar de 15 anos atrás. Os Estados Unidos, por sua vez, se mantêm desde então próximos ao 3º lugar.
Enquanto Trump luta para manter uma “regulação leve” e exige que seus subordinados da União Europeia removam restrições às empresas norte-americanas, a China mantém um forte controle estatal e intensos debates sobre segurança.
Em 3 de setembro, o presidente da China, Xi Jinping – escoltado pelo presidente russo Vladimir Putin e pelo norte-coreano Kim Jong-un – realizou um impactante desfile militar com um objetivo claro: mostrar ao mundo seu poder político-militar.
“O povo chinês fez uma grande contribuição para salvar a civilização humana e defender a paz mundial”, disse Xi, ao inaugurar a demonstração no marco do 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial no Pacífico. “Hoje a humanidade enfrenta novamente escolhas: paz ou guerra, diálogo ou confronto, cooperação de benefício mútuo ou jogos de soma zero”, e proclamou que “o grande rejuvenescimento da nação chinesa é imparável, e a nobre causa da paz e do desenvolvimento da humanidade triunfará sem dúvida”.
Como vimos com o lançamento do DeepSeek em janeiro de 2025, imediatamente após Trump anunciar seu plano de IA Stargate, a China fez de novo: deixou o mundo atônito, mas, desta vez, com sua infraestrutura militar de ponta. Diferente do ritmo frenético a que o Ocidente nos acostumou, a filosofia chinesa se caracteriza não só por planejamento de médio e longo prazo, mas também por manter um perfil baixo, sem alarde… até que decide agir.
Da subordinação europeia à subordinação tecnológica
 No dia seguinte ao desfile militar chinês, Trump reuniu sua Aristocracia Tecnológica e, com isso, o maior ato de subordinação foi transmitido em todas as telas. De um lado do casal presidencial – ao lado de Trump – estava Mark Zuckerberg, dono da Meta; do outro, Bill Gates, cofundador da Microsoft. Os grandes ausentes da noite foram o CEO da NVIDIA, Jensen Huang, e Elon Musk, antigo aliado de Trump e recentemente destronado como homem mais rico do mundo por Larry Ellison, fundador da Oracle.
Zuckerberg foi o primeiro a falar: “todas as empresas estão fazendo enormes investimentos no país para construir centros de dados e infraestrutura para impulsionar a próxima onda de inovação”. A Meta investirá ao menos 600 bilhões de dólares até 2028, segundo a Bloomberg, o que explica sua curiosa proximidade com o presidente.
Gates, por sua vez, agradeceu “a incrível liderança” de Trump e disse que era importante reunir pessoas que “estão mudando o mundo dentro de seu campo”. Na mesma linha, Satya Nadella, CEO da Microsoft, disse: “Muito obrigada por nos reunir e pelas políticas que implementou para que os Estados Unidos liderem”, e Tim Cook, CEO da Apple, lançou uma curiosa sequência de oito “obrigados” em dois minutos.
O frenesi norte-americano e uma bolha que não para de crescer
Em meados de agosto, Sam Altman reconheceu a bolha que está se formando em torno da IA devido ao “excessivo entusiasmo entre os investidores”. No dia seguinte, os mercados reagiram: a Nvidia caiu 3% e a Palantir 9%. Ambas empresas estão envolvidas em desenvolvimentos tecnológicos para os exércitos dos Estados Unidos e de Israel.
Em meados de julho, Xi Jinping já havia alertado sobre o excesso de investimento em setores emergentes como a IA e os riscos de canalizar impulsivamente grandes recursos para essas indústrias sem prestação de contas adequada nem planejamento estratégico.
Segundo relatório de Torsten Slok, economista-chefe da Apollo, a bolha da IA hoje é maior do que a dos anos 1990: “A diferença entre a bolha tecnológica dos anos 1990 e a bolha da inteligência artificial de hoje é que as 10 principais empresas do S&P 500 estão mais supervalorizadas hoje do que naquela época”, aponta.
Na mesma linha, um estudo de John Authers, da Bloomberg, revela o desconforto com a economia norte-americana:

No fim de julho, a China inaugurou sua Conferência Mundial sobre IA em Xangai sob o lema “Solidariedade global na era da IA”. No discurso de abertura, Li Qiang, primeiro-ministro chinês, defendeu a importância da cooperação mundial em IA.
Mais de 1.200 convidados de mais de 30 países e regiões participaram. Segundo pesquisadores da Wired, dos principais laboratórios de IA dos EUA, apenas a xAI de Elon Musk enviou representantes.
Além disso, foi anunciado um plano maciço de subsídios de mais de 1 bilhão de yuans – cerca de 140 milhões de dólares – com o qual Xangai, a metrópole mais global da China, busca se posicionar como epicentro da nova revolução industrial.
A concentração do valor das 10 primeiras empresas é inédita e, ao mesmo tempo, alarmante: “É inaudito que 2% das empresas do índice [S&P 500] representem praticamente 40% de seu valor”, diz Authers. O gráfico a seguir compara essa concentração entre os anos 2000-2025:

Das 10 empresas mais valiosas de Wall Street – de Nvidia a Tesla – 8 são tecnológicas. “É incomum que empresas de um mesmo setor sejam tão dominantes”, acrescenta o analista. Segundo a Bloomberg, até 27 de agosto de 2025, a ordem das mais valiosas em trilhões de dólares é: NVIDIA (4,42), Microsoft (3,75), Apple (3,41), Alphabet-Google (2,53), Amazon (2,45), Meta (1,89), Broadcom (1,40), Tesla (1,14).
Por outro lado, observando ambos os gráficos, fica evidente que a tendência à concentração se expressa após a pandemia: antes de 2020, apareciam outros setores como o petrolífero – com Exxon Mobil e General Electric – ou o financeiro – com Wells Fargo. Também se nota que a Microsoft é a única empresa que permanece no top 10 do índice S&P 500 desde 2000.
Em síntese, para além das posturas tecno-otimistas e neoshumpeterianas, que consideram necessários os “ciclos de exagero”, observa-se outra tendência: enquanto as grandes empresas de tecnologia promovem a construção de centros de dados, também escondem a falta de produtividade. Um estudo do MIT, que entrevistou 150 empresários e 350 funcionários de empresas que integraram IA em seus processos, apontou que 95% não obtiveram nenhum benefício.
Assim como aconteceu com a bolha ponto com nos anos 1990, diante de uma tecnologia revolucionária, um abundante fluxo de capital é redirecionado, gerando um frenesi especulativo que se mantém constante até o famoso “banho de realidade”.
O impacto na América Latina
A bolha da IA não é mais do que a manifestação da Guerra Tecno-Digital entre Estados Unidos e China. Se para as grandes economias a infraestrutura pode se tornar a base material instalada após o estouro – sem contar a longa lista de perdedores e empresas falidas –; para as economias latino-americanas, o despojo e a espoliação seguirão sendo os resultados mais dolorosos.
Os centros de dados, a questão energética e a diversidade de informação para treinar sistemas são as principais encomendas da “nova divisão digital” para uma região que, além das desigualdades estruturais, ainda sofre grandes desvantagens para estabelecer uma estratégia diante desse tipo de tecnologia.
Não é apenas a falta de agência – em parte pelo lugar cada vez mais subordinado dos Estados-nação na nova fase digital, a moderação dos progressismos e a ausência de projetos ajustados a este tempo – mas também porque, ao mesmo tempo em que esse tipo de tecnologia disruptiva se torna uma fonte promissora de competitividade, acaba sendo um fator chave para a criação de arquiteturas de poder. Uma prova é o acordo de 45 milhões de dólares que o Google assinou em junho com Israel para difundir propaganda sionista por meio de plataformas como o YouTube e justificar o genocídio na Palestina.
Em suma, quem conseguir monopolizar o fator tecnológico terá garantida não só sua soberania tecnológica, mas também o domínio sobre as capacidades de desenvolvimento dos outros. Permanecer presos à democracia liberal, sem aprofundar nossa própria práxis democrática, não faz mais que alimentar o dispositivo de administração do saque e da legitimação da desigualdade. Que caminho tomaremos?
*Pesquisadora e analista internacional. Candidata a PhD pela Universidade Autônoma de Zacatecas, no México. Integra a Comissão Internacional de Comunicação para a Integração, vinculada ao Barão de Itararé
**Publicado originalmente no Diário Red
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