Por Cosette Castro*, no FNDC
A reunião do Gired na Anatel, realizada na tarde desta quarta-feira (29/4), postergou a decisão sobre a interatividade nas caixas de conversão para o dia 15 de maio para tentar chegar a um consenso entre os cinco modelos apresentados. O Governo Federal, através do Ministério das Comunicações, reafirmou publicamente na reunião a defesa da interatividade nas caixas de conversão.
A grande questão nos próximos 15 dias é garantir que a caixa escolhida não seja uma caixa “quebra galho” e que – realmente – beneficie a população de baixa renda sem internet, garanta a multiprogramação nas TVs públicas e a janela de libras com qualidade para os nove milhões de deficientes auditivos no país através da interatividade plena. Ou seja, há muito trabalho pela frente. Não pode ser uma interatividade “mais ou menos”, com jeitinho brasileiro…
Até poucos dias falar em interatividade ou multiprogramação na TV aberta era coisa de especialistas, técnicos ou burocratas de plantão. E quando algumas pessoas viam, liam ou escutavam sobre o tema logo pensavam em computadores, celulares ou televisão na internet. Estavam acostumadas a pensar na televisão passiva e não nas possibilidades da TV digital participativa aberta e gratuita que, sim, graças à equipe dos pesquisadores Luis Fernando Soares (PUC/RJ) e Guido Lemos (UFPB), é uma realidade.
A interatividade era uma grande desconhecida no país em que foi criada. O patinho feio é um cisne que permite reescrever a história das TVs públicas abertas do país (TV Brasil, TVs educativas estaduais, TVs universitárias, TVs do legislativo e do judiciário, TVs comunitárias e outros canais públicos que ainda poderão ser criados) através da multiprogramação, usando o controle remoto e canal de retorno pelo ar. Significa a possibilidade histórica de oferecer +canais públicos +programação +diversidade +participação +empregos.
Mesmo escondida da população pelas empresas de radiodifusão, sem políticas públicas claras há pelo menos quatro anos, a interatividade é uma grande invenção brasileira que foi adotada em 17 países, neste momento perplexos com o que está ocorrendo.
O país que inventou o recurso da interatividade, conhecido tecnicamente como Ginga e que tem o modelo de TV digital considerado o melhor do mundo pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) até hoje não tinha feito a lição de casa, não tinha defendido e aprimorado o único modelo de TV digital desenvolvido em código aberto e que pode ser utilizado em todos os demais padrões de TV digitais existentes. Um modelo pensado para a inclusão social e digital através do decreto 5.820 ainda no governo Lula que ficou parado.
Há uma semana o tema da interatividade nas caixas de conversão do sistema analógico para a TV digital está na pauta dos movimentos sociais e da academia.
Os representantes das teles e da radiodifusão querem escolher uma caixinha mais barata sem interatividade, só melhorando a imagem e o som, pra “ajudar a população” e garantir mais dinheiro pra publicidade sobre o apagão analógico (aqueles 3,6 bilhões de reais que as teles que venceram o edital dos 700 MHz pagaram ao governo). Tampouco querem pensar em uma possível competição com as TVs públicas. Elas que continuem sendo “as irmãs pobres da radiodifusão” e TVs traços, que não chegam a 5% da audiência. Afinal, o que eles querem são usuários, consumidores, não cidadãos e atores sociais participando através do controle remoto.
A campanha suprapartidária #InteratividadeSim, #InteratividadenasTVsPublicas e #CidadaniaDigitalSim busca o empoderamento das TVs públicas digitais abertas e seus futuros novos canais, ampliando a participação social através do controle remoto. É um projeto concreto para mudar o poder de força e a influência da radiodifusão comercial, enquanto uma nova lei da mídia não se torna uma realidade no Brasil.
A interatividade está ganhando o espaço que merece entre os formadores de opinião, entre os movimentos sociais, na academia e também entre os partidos políticos. Mas há um longo caminho a ser feito.
Quinze dias é um bom tempo para ampliar a mobilização nas redes digitais e na sociedade. No entanto, pode ter sido uma estratégia das empresas para calar a campanha dos movimentos sociais deixando que outras novidades tomem conta da rede até que o tema interatividade e TVs públicas “saia da pauta”. Mas há duas boas notícias. A primeira é que não vamos ficar quietos até a interatividade e a multiprogramação se tornem políticas públicas com recursos, projetos, pesquisas e capacitação pras comunidades e na academia.
A segunda boa notícia é o envolvimento do Governo Federal, através do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, ao afirmar publicamente que apóia a interatividade.
O governo anterior esteve cego, surdo e mudo para as reivindicações sobre interatividade, multiprogramação e TVs públicas digitais. O melhor exemplo foram os projetos pilotos que até agora não se transformaram em políticas públicas. Parecia que as políticas públicas para computadores e/ou plataformas móveis excluíam as políticas públicas para televisão, quando são convergentes e podem caminhar juntas.
Depende de nós ter mais boas notícias…
*Coordenadora do Observatório Latino-Americano das Indústrias de Conteúdos Digitais (OLAICD)/ UCB
Pesquisadora em Comunicação Digital