Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania
Na última terça-feira (13), o golpismo terceiro-mundista, de longa história neste país e que vemos se assanhar nos dias que correm, sofreu um duro golpe com decisão do STF que incontáveis juristas de renome até avisaram que sobreviria, mas que a sanha golpista não quis ouvir. Desse modo, vale lembrar que só se surpreendeu quem quis.
Só para ficar em um exemplo caseiro, o jurista e constitucionalista de renome internacional Dalmo Dallari, em várias entrevistas a este Blog, disse e redisse que o STF não iria permitir manobras escandalosas como as que o PSDB, o DEM e a banda podre do PMDB vinham armando para concretizar um golpe paraguaio pronto e acabado.
Devido ao clima de “juízo final” que a mídia vem promovendo, porém, muita gente chegou a duvidar desses juristas todos que vêm se posicionando frontalmente contra as “razões” para abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff e até contra os ritos processuais que tentaram adotar no Legislativo para atingir esse fim.
Este blogueiro mesmo chegou a ter dúvidas. Porém, um homem da estatura moral, intelectual e acadêmica de um Dalmo Dallari – entre outros juristas de renome – não diria o que vem dizendo se não tivesse razões sólidas. Mas, atualmente, criou-se, neste país, a mania de desprezar a experiência e valorizar a imaturidade.
Enfim, como deixam ver Dallari e tantos outros, o Brasil pode até não ser um dos berços da civilização, mas também não é a “zona” que estão pensando. Como dizem por aí, “Ainda há juízes em Berlim”.
Ou seja: o STF não iria permitir um golpe legislativo como o que estava sendo armado. E que golpe era esse? Vamos, pois, ao que interessa. Primeiro, porém, vejamos como funciona o rito do impeachment no Congresso.
Há todo um ordenamento jurídico para a punição de crime de responsabilidade e crimes comuns praticados por aquele que ocupa o principal cargo do Poder Executivo, que é o de Presidente da República. Vamos conferir, então, quem são os legitimados para apresentar a denúncia, em qual órgão deve ser apresentada e quem profere o julgamento.
A competência para processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade é do Senado Federal (art. 52, I, CF), após autorização da Câmara dos Deputados, que, OBRIGATORIAMENTE, tem que ser proferida por dois terços (2/3) dos seus membros (art. 51, I, CF).
Determina a Constituição que, durante o processo de julgamento dos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal, funcionará como Presidente do Julgamento o Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 52, parágrafo único). Assim, o Senado Federal não estará funcionando como órgão legislativo, mas, sim, como órgão judicial híbrido, porque composto de senadores da República e presidido por membro do Poder Judiciário.
O processo de impeachment tem início na Câmara dos Deputados a partir da apresentação da denúncia por qualquer cidadão e cabe privativamente a essa Casa autorizar, por dois terços (2/3) de seus membros, a instauração do processo contra o Presidente da República.
Admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, o processo será encaminhado ao Senado Federal para julgamento.
A admissão da acusação pela Câmara obriga o Senado a dar início ao procedimento para apuração do crime de responsabilidade do presidente, não sendo permitido aos senadores decidirem se instalam ou não o processo de impeachment. Se a Câmara instala o processo, eles têm que julgar se o presidente é inocente ou culpado. Ponto.
No momento em que é instaurado o processo de julgamento pelo Senado, o Presidente da República fica suspenso de suas funções por cento e oitenta (180) dias. Se ao fim desse prazo o julgamento não estiver concluído, o presidente retorna ao exercício das suas funções sem prejuízo do prosseguimento do processo (CF, art. 86, § 1.º).
A condenação do Presidente pela prática de crime de responsabilidade tem quer ser por dois terços (2/3) dos membros do Senado (54 senadores), em votação nominal aberta. E acarretará a perda do cargo, com a inabilitação por oito (8) anos para exercício de funções públicas, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52, parágrafo único).
O que ocorre, porém, que a mídia, ao longo do mês de setembro, noticiou fartamente que a oposição havia montado uma estratégia para burlar a Constituição e admitir o processo de impeachment por maioria simples e não por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados.
Matéria do portal G1 publicada em 24 de setembro relata que o PT contestara rito processual anunciado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que permitiria burlar a Constituição. Sob o título PT contesta rito de impeachment apresentado por Cunha na Câmara, a matéria explica que o presidente da Casa estabelecera que se sua decisão sobre algum pedido de impeachment fosse rejeitado pelo Plenário, bastaria maioria simples (metade dos 513 deputados mais um) para que o processo fosse instalado, o que resultaria no afastamento de Dilma do cargo. Veja, abaixo, trecho da matéria.
“(…) Caso Cunha rejeite os pedidos de abertura de impeachment, partidos da oposição pretendem apresentar ao plenário um recurso contra a decisão. Para que o recurso seja aprovado, [segundo a decisão de Cunha] bastará maioria simples dos votos dos deputados em plenário. Se isso acontecer, será instalada uma comissão especial [que dará início ao impeachment]”
Basicamente, portanto, o que os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber fizeram na última terça-feira foi enterrar essa manobra INCONSTITUCIONAL que, de forma ABSURDA, simplesmente conseguiria reduzir para MAIORIA SIMPLES a exigência CONSTITUCIONAL de MAIORIA ABSOLUTA para uma decisão da gravidade de abrir um processo de impedimento do presidente da República.
Clique aqui para ler a decisão do ministro Teori Zavascki.
Clique aqui para ler a decisão da ministra Rosa Weber.
Clique aqui para ler o pedido do deputado Wadih Damous.
Para que se tenha uma ideia, seriam necessários quase cem deputados A MENOS para aprovar um processo que tiraria Dilma Rousseff do cargo IMEDIATAMENTE.
A obrigação da imprensa, POIS, era trocar isso em miúdos para o público, como este Blog está fazendo. Era deixar claro para o público que Eduardo Cunha e a oposição demo-tucana estavam tentando dar uma volta na Constituição para tirarem Dilma do cargo sem cumprirem a Constituição. Ou seja: estavam tentando dar um golpe “branco”. Ou chamem isso como quiserem…
A matéria da Folha que este post reproduz a seguir diz que o STF “embaralhou” o rito do impeachment. Não diz um A sobre a manobra inconstitucional tentada por Cunha e pelo PSDB. Não explicou que sem poder instalar o impeachment por maioria simples, já era. Não explicou que a reversão dessa liminar é praticamente impossível porque haveria que mudar a Constituição para cassá-la.
O resto da mídia fez a mesma coisa que a Folha. Esse jornal foi usado como mero exemplo. Confira, abaixo, a malandragem.
FOLHA DE SÃO PAULO
14/10/2015
Decisões do STF embaralham rito do impeachment de Dilma
Tribunal suspende regras definidas por Cunha para encaminhar denúncias
Decisão ajuda Dilma a ganhar tempo para defender seu mandato e atrapalha estratégia adotada pela oposição
MÁRCIO FALCÃO
MARINA DIAS
VALDO CRUZ
DE BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal freou a estratégia traçada pela oposição com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para deflagrar um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Em três decisões de caráter provisório, os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber suspenderam nesta terça-feira (13) a aplicação das regras estabelecidas por Cunha para dar andamento aos pedidos de afastamento de Dilma.
Com isso, a presidente poderá conseguir mais tempo para articular politicamente a defesa do seu mandato.
Até a manhã desta terça, o cenário considerado mais provável pelos políticos para o andamento do impeachment era uma manobra conjunta da oposição e de Cunha.
O plano era usar um pedido apresentado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal. Cunha arquivaria a petição, para não deixar suas digitais na iniciativa, e em seguida a oposição recorreria ao plenário da Câmara para dar andamento ao processo.
Os procedimentos para a execução desse roteiro foram definidos por Cunha em setembro, mas deputados governistas recorreram ao STF contra alguns dispositivos.
Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber acolheram as ações dos governistas, aceitando o argumento de que Cunha inovou em relação ao que está disposto na Constituição, na lei dos crimes de responsabilidade e no Regimento Interno da Câmara.
As regras para o impeachment já foram aplicadas contra o ex-presidente Fernando Collor (1990-1992). No entanto, há detalhes sobre os quais nem o Regimento Interno da Câmara é considerado claro.
Entre as questões formais levantadas está, por exemplo, o prazo de cinco sessões para apresentação do eventual recurso ao plenário da Câmara. As regras definidas por Cunha também permitem que ele interfira na comissão especial encarregada de analisar um pedido de impeachment admitido pela Câmara.
Outro procedimento que desperta dúvidas é a inclusão de novos argumentos nos pedidos de afastamento. A oposição pretendia acrescentar irregularidades atribuídas a Dilma em 2015 na peça de Bicudo, Reale Jr e Paschoal.
DÚVIDAS
Em sua decisão, Teori disse que o rito de impeachment não é apenas uma questão interna da Câmara. O ministro disse ter concedido a liminar para evitar “a ocorrência de possíveis situações de dano grave à ordem institucional”.
“Em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do governo da nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”, disse.
Weber escreveu que sua decisão teve o propósito de determinar a Cunha “que se abstenha de receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra decisão de indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra presidente da República com base naquilo em que inovado [em relação à lei]”.
Segundo a Folha apurou, a interpretação dos ministros chegou a ser contestada internamente no STF. Teori, no entanto, disse a interlocutores que as deliberações não pretenderam impedir a Câmara de analisar os pedidos de impeachment, mas assegurar que a medida siga a lei.
POSSIBILIDADES
Segundo ministros do Supremo ouvidos sob a condição de anonimato, uma saída para retomar a articulação pelo impeachment seria a apresentação de um novo pedido, em vez de aditamentos a pedidos já apresentados.
Ao presidente da Câmara ainda resta a possibilidade de aceitar um pedido seguindo o procedimento adotado no caso Collor. Ele decidiria sozinho e encaminharia o pedido a uma comissão especial.
Em qualquer situação, Dilma só será afastada se a abertura do processo de impeachment for aprovada por ao menos 342 dos 513 deputados federais. Se isso ocorrer, a presidente será processada e julgada pelo Senado, que terá 180 dias para decidir o caso.