22 de novembro de 2024

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O incrível jornalismo de trasanteontem

Por Fernando Brito, no Tijolaço

Folha publica hoje a informação de que um documento do Ministério Público de Minas Gerais, mostrado ontem à noite no Jornal da Globo“indica que havia risco de rompimento das barragens da mineradora” Samarco, que provocou o desastre da semana passada,  onde consta que “o contato entre a pilha de rejeitos e a barragem não é recomendado por causa do risco de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos”.

O documento, quem acompanha este blog já percebeu, é o mesmo que se publicou aqui na sexta-feira, ao qual também teve acesso, ao mesmo tempo, o Estadão,  que fez dele a segunda manchete de sua edição de sábado.

Não foi, evidente, nem do Estadão nem meu, qualquer “furo de reportagem”, mas o simples, básico, elementar exercício de procurar as informações disponíveis na maior fonte de informação que se tem hoje, a internet. Porque o tal documento está lá, há dois anos, para quem o quiser ver.

No entanto, o que se faz com a opinião pública, desde o dia do acidente – foi um acidente, porque não foi deliberado, embora possa ter sido provocado por negligência e atitudes temerárias da empresa – é martelar a incrível teoria dos “tremores de terra”, que parte de um fato relativamente comum e em princípio irrelevante – minitremores ocorrem todos os dias no mundo, às centenas – para explicar um acontecimento de grandes e gravíssimas proporções.

Não sou fanático de teorias da conspiração, nem creio que haja, entre os jornais, um complô para ocultar responsabilidades, invocando terremotos como causa do desabamento das barragens. Há, infelizmente para a minha profissão, uma preguiça de apuração e uma decadência na capacidade de articular informação e raciocínio que levam o jornalista, como uma matraca, a simplesmente repetir e repetir do que a “fonte técnica” lhe diz.

É claro que o documento de análise da barragem não é uma prova da causa do desabamento. Mas é um indício – e sério –  de razões para o acidente, tanto que, na sexta-feira, já se escrevia aqui: “Óbvio que, sem a capacidade de apurar no local e sem os laudos da investigação não se pode afirmar que é esta a causa da tragédia. Mas tem grandes possibilidades de ter sido, pelo que está no alerta técnico e em suas recomendações.

No Estadão, o presidente da Samarco, Ricardo Vescosi, disse desconhecer o estudo, embora ele faça parte da licença que a empresa recebeu para execução de obras de ampliação nas represas.

Aceito o risco de escrever sobre isso sem estar incorrendo no pecado que Cervantes descreve em D. Quixote: “louvor em boca própria é vitupério”, mas porque o que ocorre neste caso é, em alguma escala, o que acontece em muitas outras áreas.

Jornalista não é “revendedor de informações”. É um apurador: a recebe ou a encontra, verifica sua autenticidade, o seu contexto e sua relevância. Não é nem “neutro” – aliás, é abjeta esta prática de “cumprir o dever” de ouvir o “outro lado” colocando lá no final o “acusado” para gaguejar algumas palavras, como se isso fosse o “contraditório” –  e também não é o dono da verdade.

Não pode, como qualquer pessoa que tenha a função de investigar, encasquetar uma ideia na cabeça e selecionar os fatos – ou torcê-los para que se adequem a sua tese.

Porque a verdade vem dos fatos, e leve dias, meses ou anos é algo que sempre se impõe.

E aí, acaba-se fazendo “jornalismo de anteontem”. Ou de trasanteontem, como neste caso.