Por Renata Mielli (Secretária-Geral do Barão de Itararé), na Mídia Ninja
O tempo todo, em todos os lugares. Em alguns casos, pode estar sendo monitorado até enquanto você dorme. Cada respiração, cada passo, cada quilômetro rodado, cada click numa rede social, cada zappeada na televisão, cada compra física ou virtual que você faz.
A era da Sociedade da Informação é também a era do fim da privacidade e da mercantilização da intimidade, da monetização do comportamento, dos sentimentos. A internet e a superconexão, onde cada vez mais pessoas e coisas estão conectadas por mais tempo, gera uma infinidade de dados que há muitos anos estão sendo armazenados (o Big Data) e que, agora, começam a ser tratados e vendidos, gerando um mercado bilionário para empresas e até governos.
Estes dados são coletados com ou sem o nosso consentimento, muitas vezes até mesmo sem o nosso conhecimento. Por exemplo, aparelhos de televisão “inteligentes”, as smart TV’s, se tiverem reconhecimento de voz podem, mesmo ‘desligadas’, gravar conversas e transmitir os dados pela internet para a empresa. Alguns modelos da Samsung, por exemplo, tinham essa informação ‘escondida’ na política de privacidade da empresa. Em março deste ano, documentos vazados pelo Wikileaks mostraram que a CIA desenvolveu malwares, vírus e trojans para atacar sistemas que possuem backdoors como smart TV’s e smartphones para fazer espionagem.
Opa CIA? Pega leve, a CIA no máximo está interessada em monitorar governos, empresas etc. Ela não quer nada com pessoas comuns. A CIA talvez não. Mas e as empresas de telecomunicações, indústria farmacêutica, ou as lojas de brinquedos, bares, restaurantes, etc, etc….
O seu rastro digital pode dizer muita coisa sobre você, mesmo sem precisar saber o seu nome, RG, CPF e outros dados. Here is the money, baby!
Bom, você pode estar dizendo agora, ah!, mas eu não tenho nada a esconder, minha vida é um livro aberto. Isso é o que todos dizem. De fato, talvez você acredite que não tenha nada a esconder, mas será que queremos que as empresas e as máquinas saibam mais sobre nós do que nós mesmos? Com informações diárias e sensíveis passaremos a ser bombardeados por publicidade de coisas que supostamente queremos, precisamos, gostamos e talvez a gente passe a acreditar que precisamos e queremos e gostamos, mas será mesmo?
Sistemas integrados aos nossos dispositivos e aplicativos já estão fazendo a festa e a devassa em nossas vidas. Por exemplo, técnicas estão sendo desenvolvidas para monitorar todas as atividades de um celular, inclusive gravar conversas telefônicas e coletar informações que poderão, depois, serem tratadas e vendidas, com base em dados estatísticos do seu monitoramento diário. Informações que traçam um perfil consumidor e são vendidas a preço de ouro.
As operadoras de Telecomunicações no Brasil – que possuem grande volume de dados armazenados sobre seus usuários – já começaram a comercializar dados agregados para empresas e governos.
Agora, imagine as informações que os relógios de pulso inteligentes, que monitoram nosso corpo 24 horas, como o Apple Watch, ou os óculos inteligentes, fones de ouvido, e também os carros, refrigeradores, e a gama de aparelhos que passarão a estar conectados e transmitindo para centenas de terminais informações sobre o que você come, bebe, que horas acorda, dorme, transa etc…. Só pense…
De outro lado, governos, que também possuem uma massa imensa de dados sobre todos nós, já estão enxergando nisso uma forma de obter muito dinheiro. A prefeitura de São Paulo, por exemplo, colocou à venda a base de dados do Bilhete Único, que tem informações que, incluem inclusive, a foto do rosto, número de identidade, CPF e informações sobre o seu trajeto que “tornariam ainda mais preciso o direcionamento de publicidade, por exemplo. Sobre isso, vale frisar que não é mera coincidência quando o anúncio de lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aparecem literalmente ao lado do potencial consumidor”, alerta em artigo publicado recentemente o pesquisador da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade/LAVITS Bruno Bioni, que também é membro da Coalizão Direitos na Rede, uma articulação que reúne dezenas de entidades em defesa da internet livre, aberta.
Um projeto bem bacana que foi desenvolvido para discutir como e para quê estão coletando nossos dados pessoais é da organização Coding Rights. O Chupadados é descrito assim: “Eles são bonitos, gentis, nos fazem companhia e nos fazem sentir atraentes e amparados. Nos apaixonamos por eles e depositamos ali toda a nossa confiança, dos gestos mais cotidianos aos segredos mais íntimos. Eles são nossos objetos de desejo e sonhos de consumo. Até o dia em que percebemos que controlam o que fazemos, monitoram quem encontramos e compartilham nossa intimidade com quem não tem nada a ver com isso”. Um dos casos discutidos no Chupadados são os Menstuapp’s, aplicativos que monitoram o ciclo menstrual das mulheres e que podem estar “fazendo muito dinheiro”, a partir de informações que estamos fornecendo sem qualquer remuneração.
Além disso tudo, não podemos esquecer que a privacidade e a proteção de dados pessoais são quesitos indispensáveis para garantir a liberdade de expressão.
É urgente uma lei para proteger nossos dados pessoais.
Este tema tem sido alvo de muito debate em todo o mundo. Muitos países já possuem regras – as mais variadas – para garantir mecanismos de proteção de dados pessoais e criar instrumentos mais efetivos de informação e transparência para que o usuário de qualquer dispositivo / serviço / aplicativo possa conhecer as regras de privacidade e, a partir deste conhecimento, consentir ou não com os termos apresentados.
Infelizmente, esse debate ainda está restrito a poucas organizações e campos especializados. Os grandes meios de comunicação não dão visibilidade ao assunto, e mesmo a mídia livre, alternativa e independente ainda não percebeu a importância deste tema.
Está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 5276/2016 que dispõem sobre a proteção de dados pessoais. Este projeto nasceu a partir de uma ampla consulta pública pela internet, utilizando o mesmo mecanismo que o Marco Civil da Internet. Ele tramita numa Comissão Especial que já realizou mais de uma dezena de audiências públicas para discutir vários aspectos do tema. Agora, o relator da matéria, deputado Orlando Silva (PCdoB/SP) já está na fase de apresentação do seu relatório, que será submetido à votação.
Precisamos acompanhar e pressionar os deputados, inclusive o relator, para que os dispositivos do projeto – que buscam garantir a proteção dos dados pessoais, com parâmetros fundamentais de garantias de direitos – sejam mantidos.