Os mesmos jornais que buscam, desesperados, construir uma “terceira via” entre Bolsonaro e Lula são hoje o centro de uma operação discursiva para salvar a elite fardada do desastre. A operação ganhou força após a crise militar que levou à troca de comandantes nas três forças.
Pipocam colunas e entrevistas que vendem essa ilusão: os generais no fim “salvaram” o Brasil dos arroubos do capitão golpista, dizem analistas. As Forças Armadas, chegou a afirmar um professor da Fundação Getúlio Vargas em entrevista ao jornal “Valor”, fazem agora parte do campo da centro direita (o tal centro democrático, que até ontem era bolsonarista até a medula) porque não aceitaram os “excessos” do capitão.
Por Rodrigo Vianna, diretor do Barão de Itararé, no Brasil 247
A tática parece evidente: puxar os militares pro lado da “direita liberal”, derrubar Bolsonaro, colocando nele e apenas nele a responsabilidade pela tragédia, e levar Mourão ao poder com um governo de transição “técnico-mercadista” – viabilizando assim o passo seguinte do golpe. Em 2022, a direita se apresentaria assim “limpa” e renovada para enfrentar o “demônio” lulista.
Os comandantes fardados construíram a candidatura do capitão, em 2018, como uma espécie de “cavalo de tróia” (na expressão de Maria Inês Nassif, em excelente artigo sobre o tema) que lhes permitiu, escondidos na barriga do monstro, reconquistar o comando do Estado brasileiro sem precisar de tanques, tropas nem atos institucionais.
Os militares de alta patente tiveram papel decisivo na eleição de Bolsonaro, e o famoso tweet do general Villas Boas (barrando a candidatura de Lula) foi apenas a parte visível da articulação – que começou bem antes, quando os comandantes toparam abrir os quartéis para que Bolsonaro fizesse campanha em cerimônias de formatura e outros eventos.
Não contavam com a pandemia, e com a teimosia do cavalo que ganhou vida própria. O Exército foi para o centro da crise, com a gestão desastrosa do general Pazuello à frente da Saúde. Ele se afastou para tentar salvar a imagem dos fardados, mas já era tarde.
Os militares perceberam o risco que correm. E por isso estão em plena operação de retirada organizada, para redução de danos. Mas é uma retirada falsa, já que não se reflete na entrega de milhares de cargos conquistados sob o regime do capitão.
O fim dessa operação midiática de limpeza de imagem – em que o Partido Militar, como o Centrão, busca construir saídas sem entregar as boquinhas – pode ser uma nova coalizão de forças, numa aliança com o chamado “centro”, e que mantenha as posições e os privilégios dos militares intactos no aparelho de Estado.
Globo, PSDB/DEM e Faria Lima aceitariam de bom grado a companhia dos militares “limpos”, que talvez pudessem até oferecer um general como vice na sonhada chapa da Terceira Via.
Falta combinar com os russos, evidentemente. Os russos são, primeiro, o bolsonarismo que não parece disposto a largar o osso, e lutará até o fim. Mas também os democratas e a centro esquerda não aceitarão a perigosa pantomima de livrar os militares de suas culpas – o que significaria uma segunda anistia aos responsáveis por crimes contra a democracia e contra a vida.
Os comandantes das Forças Armadas devem ser responsabilizados politicamente, sim, pelo caos e as mortes na pior crise de saúde da história. O fracasso na gestão da pandemia pode se transformar numa espécie de Malvinas do Exército brasileiro. Para quem não se lembra, a ditadura argentina entrou na guerra para tentar limpar sua imagem, e saiu dela com milhares de mortos e um fracasso retumbante, apressando o fim da ditadura.
Cabe aos setores democráticos e de esquerda não reforçar a ilusão das Forças Armadas como “fiadoras da democracia”. Ao contrário, deve-se ressaltar os vínculos do comando militar com a gestão desastrosa, e genocida, do capitão.
*Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil