Desprezando o imenso aparato militar colocado à disposição do candidato presidencial Fernando Villavicencio, um colombiano surpreende, fura o bloqueio da complexa estrutura de segurança em plena capital do país, e o executa com três tiros na cabeça no dia 9 de agosto. Faltavam 11 dias para o primeiro turno das eleições.
Caio Teixeira e Leonardo Wexell Severo/ComunicaSul
Atingido pelos guarda-costas do candidato, o assassino, sob custodia policial, baleado e inconsciente, morre na ambulância sem dizer palavra. Nesta sexta-feira (6), a apenas nove dias do segundo turno, seis dos supostos envolvidos no assassinato de Villavicencio aparecem mortos na penitenciária onde se encontravam à disposição da Justiça.
Identificados como Jhon Gregore, Andrés Manuel, Adey Fernando, Camilo Andrés, Sules Osmin e José Neyder, os acusados estavam sob proteção do Estado equatoriano na Penitenciária do Litoral, em Guayaquil, a maior, mais perigosa e descontrolada do país. Já estava decretada a ordem de transferência para local mais seguro, mas a autoridade responsável pelas penitenciárias simplesmente a ignorou.
A Procuradoria Geral do Equador abriu uma investigação para apurar a responsabilidade do descumprimento da ordem pelo Serviço Nacional de Atenção Integral às Pessoas Privadas de Liberdade (SNAI), órgão encarregado de administrar as penitenciárias do país.
Banho de sangue
O alerta sobre o banho de sangue foi dado pela SOS Cárceres Equador – organização de luta pelos direitos humanos nas prisões -, que o qualificou de execução, uma vez que os corpos foram encontrados “sem sinal de tortura nem feridas fruto de nenhum combate”.
Como justificar que o presidente Guillermo Lasso tenha decretado “Estado de Exceção” e “luto nacional” pela morte de Villavicencio, há dois meses, para depois relaxar? Como explicar que o Estado equatoriano tenha abandonado homens com tanto a dizer para elucidar o caso em um verdadeiro covil, controlado pelo crime organizado?
A Penitenciária do Litoral tem cerca de 5.700 presos e converteu-se em palco dos mais sangrentos massacres do Equador, ultrapassando os 400 presos assassinados desde 2020.
Recentemente, numa ação conjunta da Polícia e das Forças Armadas foi apreendida lá uma enorme quantidade de fuzis, pistolas, granadas, lança-granadas e explosivos nas mãos dos detentos.
Os seis colombianos – que haviam sido presos com drogas, armas de grosso calibre, granadas e várias caixas de munições – eram parte dos 13 indiciados por dar fim a Villavicencio, homem alinhado a Washington, que vociferava contra o apoio do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) a Julian Assange. Entre dezenas de milhares de documentos, o WikiLeaks trouxe à tona crimes cometidos pelos Estados Unidos nas invasões ao Iraque e ao Afeganistão.
No dia 28 de setembro o governo dos Estados Unidos anunciou uma recompensa de US$ 5 milhões para quem prestar informações que levem à captura dos mandantes do assassinato de Villavicencio, tática contestada pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017). “Os gringos não fizeram isto nem quando assassinaram John Kennedy”, declarou Correa, alertando que a recompensa pode estar “sendo usada para que um suposto delator da Colômbia ‘aparecesse’ e envolvesse o correísmo e também gente de Gustavo Petro”. “Informam-nos que isto está sendo coordenado entre altos comandantes das polícias colombiana e equatoriana para desacreditar a nossa campanha e ao mesmo tempo enfraquecer o governo Petro. Fiquemos atentos!”, assinalou.
“Sempre se disse que Villavicencio era um informante da CIA e quando ele se destaca demais junto a eles, quando suas ambições estão transbordando e ele quer ser presidente, ele pode se transformar em um estorvo para a CIA”, ponderou Correa.
Correa denuncia complô polícia e CIA
Logo após o assassinato de Villavicencio, Correa o classificou como um complô que teve a cumplicidade da Polícia, “sem excluir a participação da própria CIA”. Reconstituindo passo a passo o crime, lembrou que “o levaram a uma camionete vazia e os que conhecem segurança sabem que isto é impossível, que tem que ter pelo menos um motorista esperando, porque é uma pessoa a ser protegida”. “É uma questão fundamental, mas estava vazia a camionete, porque sabiam que iam disparar. O levam para uma camioneta vazia quando seu carro blindado chegaria momentos depois porque seu condutor disse que havia confundido a porta. E em vez de esperar uns segundos, o fazem entrar sozinho em uma camionete sem blindagem. É demasiado evidente o complô, a conspiração. Desaparece o celular de Villavicencio, o sicário ferido, que podia dizer muitas coisas, em lugar de ser levado a uma clínica, que estava a 100 metros, foi conduzido à Procuradoria para que morresse no caminho e assim pudessem silenciá-lo”.
Na avaliação de Correa, Villavicencio, que estava em quarto lugar, “foi morto para que não pudéssemos ganhar no primeiro turno”. “É claro que a Polícia está implicada. Não pode haver tanta inépcia, tanta negligência, e muitos têm confundido isso. Querem convencer que fomos nós? Que somos estúpidos? Se estamos ganhando, a quem prejudica essa morte? É claro que beneficia a direita fascista, aos que querem que continue a situação atual”, denunciou na ocasião.
Disparo em massa de fake news
Um mês depois da prisão dos seis agora executados, foram presas outras sete pessoas, dentre as quais quatro nos presídios de El Inca e de Latacunga, ambas controladas pela facção Los Lobos. Instantes depois do assassinato de Villavicencio foram disparadas em massa fake news acusando o movimento Revolução Cidadã e Rafael Correa como responsáveis pelo crime e ligando a candidata Luisa Gonzáles à facção Los Lobos.
Coincidentemente, a procuradora geral, Diana Salazar, divulgou que houve comunicação entre os quatro presos supostos membros de Los Lobos e o grupo de sicários acusados do assassinato do candidato, nos dias imediatamente anteriores ao crime. Diana, recordemos, foi nomeada por Lenin Moreno e Guillermo Lasso logo após o referendo golpista de 2018 e se tornou responsável pelo processo contra Correa.
A preocupação manifestada por Correa é procedente. Para atacar a RC, inventam uma ligação dos assassinos com o Los Lobos e da facção com a candidata correísta. Para isso, chegaram até mesmo ao ridículo de produzir fake news alegando que Luisa escondia uma tatuagem com o símbolo dos Los Lobos, o que levou a candidata a gravar resposta pelas redes sociais mostrando as alegadas tatoos que nada tinha a ver com a facção criminosa.
Outro fato que causa estranheza foi denunciado pela viúva de Villavicencio, Verónica Arauz, que acompanha de perto as investigações, como parte envolvida e é, talvez a pessoa mais bem informada sobre o processo, além das autoridades responsáveis. Segundo Verónica, o prazo da procuradoria para apresentar denúncia contra os acusados, incluindo os seis mortos, encerrou neste final de semana sem que o órgão tenha encontrado provas suficientes contra eles para uma denúncia criminal formal.
Para o ex-deputado do RC, Ricardo Ulcuango Farinango, ex-vice-presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), “é muito preocupante que, às vésperas das eleições, ainda não se conheçam os mandantes ou autores intelectuais da execução de Villavicencio”. E mais, destacou, “que os supostos indiciados pelo assassinato, que se encontravam sob responsabilidade do governo de Guillermo Lasso, apareçam mortos”. “O país quer que tudo seja apurado. Nada é casual. Não será porque a Revolução Cidadã, com Luisa González, vai ganhar as eleições? Não estarão armando um tipo de fraude eleitoral? Por isso é muito importante que a comunidade internacional esteja atenta, para que a vitória de Luisa seja respeitada”, concluiu.
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