O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nos dias 25 e 26 de fevereiro, as discussões em torno da nova lei de TV por assinatura (Lei 12.485/2011). Diversos representantes de entidades e empresas defenderam seus posicionamentos, principalmente, em relação à cota de programação nacional e independente obrigatória, prevista na lei.
De acordo com Sílvia Rabello e José Maurício Fittipaldi, do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav-RJ), “as cotas tem-se revelado uma forma eficaz de impulsionar a indústria audiovisual agregando valor, garantindo espaço a diferentes vozes e talentos e assegurando um ambiente econômico de efetiva concorrência”. Segundo a Sicav, a concorrência se dá justamente quando o Estado assume o seu papel de regulador e passa a atuar para reduzir as disparidades.
“É natural que todas as emissoras tenham o impulso de adquirir o conteúdo estrangeiro em alternativa à produção do conteúdo nacional” e, no Brasil, esse efeito tem causado “consequências perversas”, afirma Fittipaldi. Isso ocorre, explica, devido à concentração histórico nos setores da radiodifusão e do audiovisual. “Esse desequilíbrio concorrencial que permeia a evolução da cadeia de produção de conteúdos audiovisuais, desde a sua origem, foi constatado por diversas instituições governamentais e não governamentais”.
A diretora executiva do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP), Debora Ivanov, ressaltou a importância da regulação para o setor “A lei é fruto de consenso e resultado de um pacto amplo feito entre os agentes econômicos do setor, a sociedade civil e todas as representações políticas do Congresso Nacional”, declarou. Ela destacou que a questão foi debatida por cinco anos, nos mais diferentes fóruns e com várias audiências públicas no Congresso Nacional. “Finalmente conquistamos uma legislação compatível com diversos países de mercado livre”, afirmou, afirmando que, em diversos países, as cotas foram estabelecidas para fortalecer suas economias, comona França (40%), Espanha (40%), Portugal (30%), Polônia (30%), Romênia (40%), Bulgária (50%) e Estados Unidos da América (70% na década 70).
A cota determinada no Brasil é de 2% e com prazo de 12 anos, dos quais dois já se passaram. “Se nós dividirmos essas cotas pelos dias da semana, três horas e meia por semana, a cota é de apenas 30 minutos por dia de conteúdo nacional e somente a metade dessa cota é dedicada a produção independente, isto é, 15 minutos (1%). Essa porcentagem diminui se a gente levar em conta que também valem para as cotas as repetições da programação”.
Em defesa do marco regulatório, Ivanov avalia que “as cotas valorizam nossos talentos, garante mais diversidades aos canais e a oportunidade de falar para o nosso próprio país na sua língua e com suas histórias. A lei já está trazendo enormes benefícios para toda a cadeia produtiva, pois constrói um círculo virtuoso que movimenta não só o setor, mas toda a sociedade brasileira, gerando conhecimento, cultura e identidade nacional. Nós esperamos que este Tribunal mantenha essa conquista”.
Produção nacional em pauta
Marco Altberg, presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV) – entidade que possui 284 empressas associadas -afirmou que a lei é uma conquista para a sociedade brasileira. “A regulação representa um avanço para o Brasil, no sentido da realização constitucional e de correção de distorções no mercado de serviços de acesso condicionado que até então estava asfixiando o produtor brasileiro, principalmente o produtor independente”. De acordo com ele, há 20 canais brasileiros de espaço qualificados na atualidade, contra apenassete que existiam antes da lei.
“As produções audiovisuais estrangeiras têm seus custos de realização totalmente amortizados no seu país de origem e, por isso, chegam aqui com preços menores que os dos produtores nacionais”, afirma. Para ele, as obras estrangeiras ganham automaticamente posição dominante e poder de mercado independentemente do seu padrão de qualidade, “sendo impossível afirmar que neste contexto existia livre concorrência entre tais obras e as obras brasileiras, sobretudo as independentes”.
O aumento da oferta de produções audiovisuais brasileiras , afirma, gera liberdade de escolha, com o espectador optando por assistir o conteúdo de suas preferência, nacional ou estrangeiro. “A programação de nenhum canal será descaracterizada em razão da lei. Os consumidores brasileiros terão acesso efetivo a conteúdos nacionais sem que isso impeça o seu livre acesso ao exercício de sua eventual preferência a conteúdo audiovisuais estrangeiros”.
Em relação às cotas, Altberg foi taxativo: “Uma demanda mínima por conteúdos audiovisuais nacionais fortalece nossa cadeia de produção audiovisual. Haverá aumento da diversidade de conteúdo o que, reiteramos, favorecerá as possibilidades de escolha do consumidor e o pleno exercício dos seus direitos culturais, além de efetivo estímulo a exportação de nossos produtos culturais”.
A SKY Brasil Serviços Ltda, representada por Roberta Westin, manteve sua posição contrária ao cumprimento da cota de produções nacionais estabelecida pela Lei 12.485/2011, sobrepondo interesses privados sobre os interesses públicos que a lei abarca. “Hoje a SKY conta em seu line-up com 48 canais brasileiros, mas a lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado) considerou apenas alguns para o cumprimento das cotas”, afirmou. “A política de cotas foi idealizada para promover a cultura nacional e a produção brasileira. No entanto, ela desconsiderou uma série de canais e conteúdos que são produzidos no Brasil, filmados aqui, com artistas nacionais, direção brasileira. E aí eu pergunto: por que um canal jornalístico não pode ser considerado um canal brasileiro válido para o cumprimento das cotas? Informação não é cultura?”, argumentou.
Para a SKY, o sistema de cotas “cerceia a livre iniciativa da operadora”, obrigada a carregar 36 canais mandatórios pela lei. “Um pacote médio da SKY, desconsiderando esses canais mandatórios, tem, aproximadamente, 54 canais pagos de vídeo. Ou seja, pela lei do SeAC, esse pacote médio da SKY vai ter 40% de canais mandatórios pela lei”.
O grupo Bandeirantes também defendeu seu ponto de vista, representado por sua emissora de TV aberta, a TV Cidade (operadora de TV à cabo) e da Newco (empresa programadora), mesmo já tendo participado na primeira audiência, no dia 18, com a exposição da Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), feita pelo vice-presidente executivo da empresa, Walter Vieira Ceneviva.
A Band defendeu as ações diretas de inconstitucionalidade movidas contra a matéria e, segundo o advogado Frederico Nogueira, há equívocos na regra do carregamento obrigatório (must carry) do sinal de canais de TV e na decisão de que devem ter fim as licitações na TV por assinatura. O grupo contesta, ainda, os limites colocados à propriedade cruzada, que não permitem às empresas de programação de conteúdo operarem serviços de telecomunicações.
A diretora do Departamento de Serviços de Universalização das Telecomunicações da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Miriam Wimmer, atribuiu à regulação o aumento do interesse do brasileiro pelos serviços de TV por assinatura. “Desde a aprovação da lei, verificou-se um aumento expressivo no interesse pelo serviço que representa, basicamente, aumento de 70% no número de municípios com TV a cabo em função de novos pedidos de licenciamento”.
Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vice-presidente da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura Capítulo Brasil (ULEPICC/Brasil) e da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), manifestou apoio à lei da TV por assinatura. “Enquanto a telefonia é uma atividade neutra em relação ao que se fala, a radiodifusão precisa do conteúdo, o que por sua vez exige tipos de regulação diferentes para ambas as atividades. Na telefonia, a regulação é industrial, e na a difusão de conteúdo, ou a radiodifusão, trata-se de uma regulação política, cultural e ética”, diz.
Para Dantas, quando houve o desenvolvimento de novas tecnologias de satélite e cabo, o sistema de produção e difusão da TV, razoavelmente integrado, separa a empresa que produz da que transporta. “O Estado é quem autorizava quem chegava até a nossa casa; hoje quem negocia isso é o empresário privado, conforme o interesse de mercado. Mas em nenhum lugar do mundo o Estado abre mão de dar algum tipo de autorização, de licença e de credenciamento para essas empresas”.
O professor da UFRJ também criticou a alta concentração midiática no setor, dominado por grandes conglomerados. “Isso exige uma intervenção do Estado, não mais para distribuir frequências, que não são mais escassas, mas para garantir que outras expressões culturais se façam presentes no nosso dia a dia”, afirmou.
O ministro Luiz Fux, relator das três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4679, 4756 e 4747) que questionam dispositivos da Lei 12.485/2011, comunicou que o STF deverá julgar a matéria em 2013. “Os expositores contribuíram sobremodo para que uma solução mais exata possível seja adotada nesse caso da TV por assinatura”, disse, encerrando aaudiência pública.
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Da redação, com informações do Portal do Supremo Tribunal Federal.