Após ser vitimado por uma explosão durante a Primeira Guerra Mundial, o soldado Joe Bonham acorda, mutilado, num leito de hospital, e tenta se comunicar em busca de alguma informação sobre a sua situação. Aos poucos – sem braços, pernas, olhos, orelhas, dentes, maxilar e língua – vai tomando consciência, descobrindo que o que restou de seu corpo praticamente lhe impossibilita o diálogo, reduzido que está à mera experiência do complexo militar estadunidense.
Batendo a cabeça na cama, busca por meio do código morse alertar que não é apenas um “pedaço de carne” e quer ver atendido um único desejo: ser exposto para mostrar a todos o real significado da palavra guerra. Condenado ao silêncio perpétuo, sem a liberdade de expressão para alertar sobre o circo de horrores do qual se vê prisioneiro – sustenta o soldado coisificado – a vida não teria sentido.
Enquanto a agonia da realidade pulsa na tela em preto e branco, a narrativa do que foi o jovem – seus sonhos e devaneios – nos perturbam em cores vivas com a cadência de um monólogo interior. “Johnny vai à guerra”, do escritor e roteirista estadunidense Dalton Trumbo, uma das tantas vítimas da perseguição do fascismo macarthista, desmonta a máquina de guerra e suas mentiras.
“Senil imprensa infantil” – como Marx caracterizou um dos tantos jornais de seu tempo -, usada para deletar nossa memória, a velha mídia tenta, pela repetição à exaustão de canções de ninar, adormecer nossa consciência. Apóstola da mentira, sobrevive do caldo da incultura e maniqueísmo de suas Globos e Vejas, temendo a democratização da comunicação como um vampiro treme diante da luz.
As recentes declarações do Ministério das Comunicações servem a esta “liberdade do privilégio” e nos fazem refletir sobre o alerta do escritor moçambicano Mia Couto: “entre parecer e ser vai menos que um passo, a diferença entre um tropeço e uma trapaça”.
O secretário executivo de dito balcão dos barões da mídia e das teles alega que “em ano pré-eleitoral” – quem dirá no eleitoral, que no Brasil é de dois em dois anos – não seria adequado trazer à tona o debate sobre a regulamentação do setor. Talvez porque afugentaria financiadores tão prestativos de algumas candidaturas amestradas. De quebra, para não deixar qualquer margem de dúvida, o Ministério anuncia R$ 60 bilhões em isenções para vitaminar as empresas de telecomunicações – quase todas estrangeiras – colocando uma pá de cal na Telebrás e no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) proposto pelo governo Lula.
A campanha que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entidades populares e movimentos sociais coloca nas ruas exige um novo marco regulatório para o setor, alertando, dialogando e mobilizando a sociedade contra o inconstitucional oligopólio midiático, que se crê invulnerável e inatingível.
Felizmente, apesar da ausência de apoio governamental, a mídia alternativa cresce, espraia consciências e vem fortalecendo a estratégica iniciativa do FNDC. E a bela canção começa a unir vozes e a incomodar a orquestra de cifrões e obediências.
Contra os que prostituem a verdade e acreditam que assim será para todo o sempre, é bom lembrar o general imperialista – tão bem ridicularizado por Eduardo Galeano –, que se media ao despertar e a cada dia se achava mais alto. Até que uma bala interrompeu seu crescimento.
Que assim seja.
Por Leonardo Wexell Severo (jornalista, escritor e membro da diretoria do Barão de Itararé)