3 de julho de 2025

O impacto do vazio regulatório sobre o streaming no Brasil

O Brasil é o segundo mercado mundial de streaming. São cerca de 60 plataformas que, somadas, oferecem mais de 90 mil títulos. Desse total, apenas cerca de 4.700 obras foram produzidas no Brasil; e em dez dessas plataformas não há uma só produção nacional.

Por Daniela Broitman, Max Alvim, Regina Cintra, Tatiana Lohmann e Rubens Rewald*/ Folha de S.Paulo

A falta de regulação traz um aspecto perverso, que é a não obrigatoriedade da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, a Condecine (imposta às empresas brasileiras de telecomunicação e TVs e principal financiadora do Fundo Setorial do Audiovisual).

Significa que as companhias internacionais, como Netflix e Amazon, faturam milhões no país (segundo o Cade, o valor em 2023 foi de US$ 1,95 bilhão), mas suas receitas não contribuem para o reinvestimento no setor.

É urgente também que as plataformas garantam os direitos patrimoniais e de propriedade intelectual às produtoras brasileiras responsáveis pelas realizações. Mais de 40 associações (como Apaci, Abraci e Sindcine) são unânimes em defender uma política pública que ocupe o atual vazio regulatório e proteja a soberania nacional.

Outros pontos pleiteados são a alíquota mínima de 12% sobre o faturamento bruto das companhias; cota mínima de 20% de conteúdo brasileiro; descontos para catálogos e benefícios apenas para obras brasileiras independentes; garantia de que até 30% dos recursos sejam para investimento direto e 70% para políticas públicas, via Fundo Setorial.

Diversos países regularam seus mercados, como EUA, Canadá e Índia. A União Europeia determinou em 2018 que 30% do conteúdo veiculado por streaming fosse produzido localmente. A França impôs investimento de 25% da renda obtida pelas plataformas em projetos locais.

A legislação precisa acompanhar as alterações nos formatos e modos de produção advindas das novas tecnologias.

Em 2011, passou a valer no Brasil a “lei da TV paga” (12.485), cujo objetivo não era diferente do que se defende hoje: a garantia de conteúdo nacional nas grades dos canais. A legislação foi acertada e impulsionou fortemente o setor.

Além do fomento, a Agência Nacional do Cinema também é responsável pela regulação e fiscalização do mercado. Sua atuação é imprescindível para que um arcabouço jurídico e legislativo se imponha, com vistas a um equilibrado desenvolvimento do setor, que gera 126 mil empregos diretos e 657 mil indiretos (segundo a Oxford Economics).

Nesse limbo, há dois projetos em tramitação: o PL 8.889/2017 (de Paulo Teixeira, com relatoria de André Figueiredo) e o PL 2.331/2022 (de Eduardo Gomes, com relatoria de Jandira Feghali).

O segundo foi aprovado pelo Senado e caminhou mais rapidamente, mesmo não contemplando integralmente as necessidades do setor. Em abril, Feghali propôs um substitutivo que altera a alíquota sobre o faturamento: de 3% sobre o líquido para 6% sobre o bruto. Ainda que a alteração represente um ganho sobre o PL, é insuficiente e não faz jus à potência da indústria criativa brasileira.

A defesa é para que o setor, ainda fortemente impactado pelos efeitos nefastos da última gestão presidencial, associados à pandemia da Covid-19, continue gerando emprego e renda, contribuindo para o PIB e levando o Brasil a se ver nas telas, por todos os meios e formatos.

*Sobre os autores:

Daniela Broitman
Diretora, roteirista, produtora, associada da Associação Paulista de Cineastas

Max Alvim
Diretor, documentarista, produtor de conteúdos, associado da Associação Paulista de Cineastas

Regina Cintra
Jornalista especialista em cultura, mestre em políticas públicas

Tatiana Lohmann
Diretora, roteirista, montadora, presidente da Associação Paulista de Cineastas

Rubens Rewald
Diretor, roteirista, professor (ECA/USP), vice-presidente da Associação Paulista de Cineastas

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