O ministro do STF Edson Fachin afirmou, em entrevista recente à Folha de S. Paulo, que a doença infantil do lavajatismo estava morrendo. Seja ou não seja verdadeira esta afirmação, o fato é que não se pode deixar cair no esquecimento o estrago feito pela “imprensa lavajatista”.
A crítica à relação de grande parte da imprensa com os procuradores da força-tarefa de Curitiba tem dois aspectos fundamentais. Um deles está nos interesses políticos e econômicos das empresas donas dos veículos de jornalismo. O outro é da prática jornalística em si.
Por Bia Barbosa e Lalo Leal Filho, na CartaCapital
A questão dos interesses políticos vem sendo denunciada há décadas, em função de muitos outros casos nos quais os “jornalões” e emissoras de TV e rádio demonstraram que defendem uma agenda econômica neoliberal. Os “donos da mídia” têm interesses econômicos e em muitos embates históricos se posicionaram contra o próprio país.
Basta uma olhada rápida no noticiário para encontrar várias críticas à máquina pública, mas não pela melhoria dos serviços ou para que os direitos de todos os cidadãos, sem distinção, sejam devidamente respeitados e assegurados. A lógica é perversa. Trata-se de aproveitar insatisfações populares, muitas legítimas, para construir a imagem de um aparato estatal inoperante, gastador e irresponsável, que deve ser odiado, linchado.
Paralelamente, grandes empresas de jornalismo como Globo, Folha de S. Paulo, Jovem Pan, Estadão, SBT, Record, etc. sustentam que a solução para esse mal é a agenda do mercado financeiro. Uma rápida pesquisa sobre as fontes que têm espaço nas editorias de economia ou de política, mostrará que a maioria é formada por políticos ou analistas que defendem essa mesma agenda.
Foi de acordo com esse programa que se deu a cobertura da Lava Jato. Em meados de 2013, quando o país era palco de enormes manifestações contra o governo, a primeira ação pública de grande impacto de Deltan Dallagnol, Sérgio Moro e cia. foram as prisões de grandes empresários, gente que esse país nunca achou que fosse ver “atrás das grades”. O clamor popular foi grande e a imprensa também “vibrou”. Jornais e telejornais detalharam com gráficos o tamanho das celas, as regras a que os “presos ilustres” seriam submetidos e até o cardápio das suas refeições.
O jornalismo sensacionalista e irresponsável, que era mais praticado pelos programas policialescos de TV, passou a ser comum no noticiário político. Essa forma pouco ética de fazer jornalismo construiu a ideia de que a Lava Jato carregava em suas ações um aspecto revolucionário e nacionalista. Dezenas de reportagens ressaltaram a esperança de que a “justiça finalmente estivesse sendo feita”.
Para construir essa narrativa, entretanto, várias emissoras cumpriram papel de assessoria de imprensa da Lava Jato. A cobertura não era crítica, não questionava, e apurava muito pouco além do que vinha de Curitiba. Sem o contraditório, sem escutar o ex-presidente Lula ou outros nomes que constavam nos processos da operação, procuradores da República e um juiz de primeira instância se tornaram espécies de semideuses, donos da verdade nunca questionados.
Uma prova disso é que as publicações de tantos trechos de depoimentos sigilosos foram justificadas com a alegação de que a existência dos documentos havia sido confirmada com o Ministério Público Federal. Mas e a veracidade das acusações reproduzidas?
Um grande exemplo é a delação do ex-senador Delcídio do Amaral. O conteúdo do seu acordo de delação premiada foi usado para deslegitimar o governo Dilma. Seu depoimento permitiu que fosse construída a narrativa de que ela, seu ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e o PT estavam tramando contra a Lava Jato. O escândalo durou alguns dias e foi seguido pela condução coercitiva do ex-presidente Lula. Tempos depois, todas as acusações feitas por Delcídio foram consideradas mentirosas, mas o estrago causado não foi desfeito. A imprensa sequer tentou fazê-lo.
Jornais, telejornais e programas de rádio transformaram as denúncias de corrupção em uma editoria fixa e condenaram publicamente a política como um todo. Tampouco buscaram informar o papel estratégico do setor de óleo e gás e da engenharia no desenvolvimento do país, nem os impactos da conjuntura internacional e da própria campanha lavajatista sobre a economia. Jamais discutiram seriamente o financiamento de políticas públicas e de investimento público no setor.
Houve chances de reverter esta narrativa. A série de mensagens publicadas pelo The Intercept e outros veículos apontaram os desvios na condução da operação e o tamanho do estrago.
Mesmo assim, a Globo e outras emissoras optaram continuar a farsa através do bordão “a corrupção quebrou o País”. Faltou respeito ao interesse público, faltou ética e prevaleceu o interesse político.
A condução da imprensa na cobertura da Lava Jato é grave, principalmente a realizada nas emissoras de televisão e rádio, que são concessões públicas e deveriam cumprir o papel estabelecido na Constituição Federal. Faltou pluralidade e diversidade de informação.
No momento em que o conjunto das mensagens trocadas pelos integrantes da força-tarefa e o juiz Sergio Moro é revelado, esta crítica é fundamental para a História e o futuro do Brasil. Não apenas os diretamente envolvidos precisam ser responsabilizados. A imprensa que atuou abertamente como parte da operação também precisa reconhecer o seu papel.