“A discussão que se trava aqui não é sobre direito de livre expressão ou critica. A ação tem um viés patrimonial e é assim que deve ser julgada”. A frase do relator do julgamento de ontem, o desembargador João Francisco Moreira Viegas, dá bem o tom do que foi a decisão tomada no Tribunal de Justiça de São Paulo ontem (20 de fevereiro), quando, em 2ª instância, ficou confirmado que o blog fAlha de S. Paulo deve continuar fora do ar. O juiz revisor do caso, Edson Luiz de Queiroz, endossou a interpretação de Moreira Viegas: “Não há discussão sobre liberdade. A questão é de natureza marcária, e o registro da marca Folha de S. Paulo está no Instituto Nacional de Propridade”. E finalizou: “a questão vital é: houve violação de uma marca. Então acompanho o voto do relator e tomo a liberdade de parabenizá-lo”.
A sustentação oral da Folha não foi feita por sua principal advogada, Taís Gasparian, que assina o processo que tirou a fAlha do ar. Coube a advogada Mônica Galvão ser a primeira pessoa ligada à Folha a, em mais de 2 anos após a censura da Falha, verbalizar a posição da empresa: “Quem vê o blog, claramente percebe a possibilidade de confusão. Tinha só a alteração de uma letra. A marca tem valor econômico, e há um ordenamento jurídico que garante de maneira ampla que seu uso seja feito exclusivamente pelo seu titular. Não se pode admitir nome de domínio com tamanha similitude, com expressa intenção de confundir. Existe uma apropriação do uso de marca, o que é inadmissível: a paródia em questão se trata de uma imitação”.
De nada adiantou o defensor da Falha, o advogado Luis Borrelli Neto, defender que, fosse essa a interpretação, “nomes como UOL, Bol e AOL, por exemplo, jamais poderiam conviver na internet”. Também não adiantou lembrar que o próprio juiz de 1ª instância, Gustavo Coube de Carvalho, já havia afirmado que “nem mesmo um tolo apressado seria levado a crer que trata-se de um blog ligado ao jornal”. Também não foram dado ouvidos ao argumento de que programas de TV e tantos outros sites, jornais e revistas fizeram ou fazem o mesmo, no Brasil e no exterior, sem problemas. Borrelli Neto ainda lembrou que “a paródia não está apenas no conteúdo, mas também no domínio. Subtrarir do apelante o direito de utilizar o domínio significa atentar contra a liberdade de expressão ou, pelo menos, enfraquecer a paródia”. Vale lembrar que a Falha não tinha sequer banner publicitário ou fim comercial, o que também enfraquece –ou derruba– o argumento de “concorrência parasitária” utilizado diversas vezes pelo jornal.
Tampouco sensibilizou os desembargadores do TJ-SP toda discussão pública travada desde o primeiro dia de vigência da liminar, colocando como central a questão da liberdade de expressão, ponto defendido pela blogosfera nacional e entidades como a FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), a Repórteres sem Fronteiras ou a relatoria especial da ONU para a Liberdade de Expressão. Não foi levado em consideração o apoio à Falha explicitado por 15 deputados federais de diferentes partidos em audiência pública no Congresso. Muito menos a opinião da mídia internacional ou de personalidades como Marcelo Tas, Rafinha Bastos, Gilberto Gil e até Julian Assange, que se manifestou publicamente contra a ação da Folha. Tudo isso foi deixado de lado em nome de uma alegada defesa da propriedade.
E, sendo assim, ontem cedo ficou determinado que a Falha segue censurada. Pelo entendimento da Folha e dos desembargadores, está proibido o uso do endereço da internet falhadespaulo.com.br, do logotipo da Falha e a reprodução parcial de reportagens –mesmo que a finalidade original fosse a crítica. Mais: paira sobre o restante do conteúdo produzido uma ameaça um tanto subjetiva, a condenação do “uso indevido da marca”, com todas as nuances de interpretação que uma expressão vaga dessa carrega. O pior de tudo, conforme os advogados da Falha têm alertado, é a jurisprudência que foi aberta ontem pelo Tribunal de Justiça. Segundo o próprio juiz de 1ª instância, não havia casos similares que pudessem basear a decisão. Nunca antes um grande veículo havia ido à Justiça para tirar um site do ar. Agora a jurisprudência existe, o precendente está aberto: pessoas e empresas interesadas em banir alguma página da internet acabam de ganhar uma arma poderosa.
Fonte: Desculpe a Nossa Falha