As favelas e periferias do Brasil são muito diversas. Isso é um fato. Muito se assemelham nas vivências, luta e falta de garantia de direitos, mas o tamanho das diferenças e particularidades que existem em cada uma é imensurável.
O fazer diário de uma favela depende de tantos fatores que é impossível determiná-los, mas sempre vai existir uma pessoa com vontade de se expressar e colocar no mundo o que de melhor existe em seu espaço.
Por Lana Souza, no Nós, Mulheres da Periferia*
No Complexo do Alemão, favela da zona norte do Rio de Janeiro, existe uma organização chamada Coletivo Papo Reto. Grupo do qual faço parte e que atua com comunicação baseada nos direitos humanos. Por isso, quero falar de um lugar que muito me afeta, em todos os sentidos dessa palavra: Comunicação comunitária.
Comunicação popular, jornalismo comunitário, comunicação comunitária, etc. Existem diferentes formas para nomear o tipo de trabalho que grupos como o Coletivo Papo Reto fazem. Todas essas formas estão corretas e são legítimas. O mais importante é entender a necessidade desse tipo de trabalho existir.
A comunicação popular geralmente está associada a uma ideia de transformação e de resistência. Mas, assim como existe a necessidade desses grupos produzirem uma nova forma de comunicar os problemas que enfrentam morando nas favelas e periferias do país, existe também um desejo intenso de serem reconhecidos e fortalecidos pela qualidade técnica que seus trabalhos possuem e também por suas produções culturais e de registro da memória local.
É muito comum que a pauta da violência seja a mais disseminada, visto que existe um grau de urgência e um instinto de sobrevivência que atinge os produtores de conteúdo que vivem nesses territórios. Por isso, é urgente que os jornalistas de escritório – aqueles que SÓ passam os seus dias atualizando as redes sociais em busca de alguma pauta policial vinda da favela – verdadeiramente compreendam que existe qualidade de apuração no trabalho feito por um jornalista que narra a sua própria vivência.
Durante muito tempo, ouvimos dizer que tudo o que precisávamos era de uma oportunidade, que quando essa grande chance aparecesse, deveríamos agarrá-la com todas as nossas forças e seguir por esse único e crucial caminho de vida.
Nos últimos dez anos, surgiram inúmeros novos grupos que atuam com jornalismo nas favelas, que possuem muita qualidade técnica e que passaram a ser o principal consumo de notícias das moradoras e moradores dessas regiões.
Veículos como o Nós Mulheres da Periferia, o Fala Roça, o Marco Zero, e tantos outros espalhados pelo Brasil, são a certeza de que a busca daqueles que vivem nas zonas periféricas do país é pelo desejo de ter sua história sendo contada de forma verdadeira e humana.
Se de um lado olharmos para o jornalismo tradicional e de outro para toda a revolução que esses grupos jornalísticos estão produzindo, podemos perceber que mais do que oportunidade, o que a comunicação comunitária está produzindo para o Brasil é possibilidade.
Não trata-se de dar voz, mas de ampliar e fazer ecoar todos os saberes e vivências vindos desses lugares que pulsam diariamente para fazer a cidade viver. Valorizar essas e esses profissionais da comunicação é apoiar a verdadeira revolução.
*Trechos desse textos foram retirados e adaptados da matéria “Jornalismo comunitário: Uma ferramenta necessária para a comunicação no Brasil” publicado no portal alemão Kobra – Kooperation Brasilien. Lana Souza é jornalista de formação e comunicadora popular. Lana atualmente cuida da administração do Coletivo Papo Reto, que atua no Rio de Janeiro pautando direitos humanos nas favelas a partir da comunicação e educação.