“E a luta reforma agrária a gente até para, se tiver coragem, enfim, a burguesia agrária de ensinar seus filhos a comer capim”
– Assim já ninguém chora mais, de Zé Pinto
No ano de 2021, a música “Os menino da pecuária”, da dupla Leo & Raphael, alcançou o marco de 87 milhões de streams na plataforma de áudio Spotify, e se tornou uma das mais ouvidas do Brasil. A partir desse momento, as músicas que misturavam a agro-ostentação com batidas de sertanejo, pop e música eletrônica passaram a ser chamadas de “agronejo”.
Por Agatha Azevedo*, para o Barão de Itararé
O gênero, representado por nomes como Leo & Raphael, Ana Castela e Us Agroboy, traduz o agronegócio para o universo sonoro e difunde seu projeto político de forma lúdica e divertida, atingindo recordes de audiência. Com uma trilha sonora jovem, e letras de música regadas a gado bovino, grãos transgênicos e maquinários agrícolas, o agronejo é fenômeno do entretenimento que se posiciona de maneira mais explícita em favor do agro.

Contudo, o agronejo não é uma expressão isolada, mas um remolde da invasão do agro na esfera cultural, adequando-o ao contexto individualista, conservador e neoliberal que temos vivenciado. Desde o seu surgimento, nos anos 1970, o agronegócio visa gerar lucros e explorar a terra da maneira mais isenta possível, se preocupando mais com a própria imagem perante à opinião pública do que com as consequências de seu modelo produtivo.

Para que esse formato de exploração da terra se consolidasse, era preciso convencer a sociedade de que o agronegócio não é apenas a “indústria-riqueza do Brasil” – como afirma a Campanha publieditorial “Agro é Pop”, financiada pela Rede Globo -, mas a única forma de se produzir no campo. Esse processo ocorreu através da inserção no entretenimento – músicas, novelas e eventos culturais – e na associação da propaganda do agro com artistas de renome, especialmente da música sertaneja.
Desta forma, o “sistema agro” foi projetado em músicas, novelas e propagandas ao longo da história, conformando uma defesa estética, simbólica e política com apoio dos veículos de comunicação, nas suas múltiplas construções narrativas.
Em outros tempos, personagens de novela difundiam um estilo de vida baseado no agronegócio de maneira sutil. A partir de 2021, o agronejo assume o papel de musicalizar as estratégias de convencimento e legitimação do agronegócio, servindo de soft power – ou poder suave, em bom português – em uma disputa de modelos de campo e nação em curso no Brasil.
Com frases como “não é atoa que o PIB começa com P de pecuária”, e “quem é fã de cerveja e churrasco, pode acostumar com nóis”, as músicas do estilo agronejo trazem discursos que reduzem as possibilidades de divergência e/ou questionamento sobre o campo brasileiro. Esse processo tem como objetivo a manutenção de ordens vigentes e a consolidação de concepções hegemônicas através do apagamento do político das divergências.
O parâmetro de valorização do campo no agronejo é a relação com o modo de vida urbano e a visão que a população da cidade têm do campo. A contradição está no movimento de afastamento da visão de campo como o lugar do caipira – atrasado e precário, segundo o agro – a partir da construção de um local artificial de ostentação – um campo que é “pop” – com o objetivo de atrair o público urbano para a defesa do agronegócio.
Os nossos gostos estão em disputa, e tem a capacidade de influenciar nos hábitos de consumo e nos costumes morais das sociedades futuras. O apagamento das divergências de projeto de campo, reforçado pela cultura agro, tem a capacidade de alcançar dimensões concretas nas políticas públicas e nos governos. Em outras palavras, ouvir as músicas do agronejo corrobora para a consolidação de monoculturas que vão do roçado à moral, e chegam ao nosso prato.
Para mais elaborações sobre o tema, consultar:
AZEVEDO, Agatha de Souza. “O Brasil acredita no agronegócio?”: sentidos e representações do campo no projeto comercial da Rede Globo. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, XXXXII, 2019. Belém. Anais Intercom, 2019.
AZEVEDO, Agatha de Souza e VIMIEIRO, Ana Carolina Soares Costa. “UMA FÁBRICA DE ENTRETENIMENTO”: a Agroplay na construção dos imaginários sociais do rural. In: 11° Congresso Compolitica, Pernambuco, 2025.
CHÃ, Ana Manuela de Jesus. Agronegócio e indústria cultural: estratégias das empresas para a construção da hegemonia. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
*Agatha Azevedo é jornalista, mestre e doutoranda em Comunicação Social pela UFMG. Pesquisadora nas áreas de comunicação, cultura e política e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A Coluna do Barão é um espaço dedicado à publicação de análises e reflexões sobre a comunicação e questões como a política, a economia, a cultura e sociedade brasileira em geral. A coluna traz textos exclusivos de autores e autoras diversos, em sua ampla maioria, membros a Coordenação Executiva ou do Conselho Consultivo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. O conteúdo dos artigos não expressam, necessariamente, a visão da organização.