28 de agosto de 2025

1º EJUV: Qual o papel das juventudes na comunicação alternativa?

Foto: Thompson Griffo

A primeira edição do Encontro Nacional de Comunicadores, Ativistas Digitais e Juventudes, organizada pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, aconteceu entre os dias 23 e 24 de agosto no Armazém do Campo, na capital paulista.

160 jovens de 11 estados do país participaram do evento que contou com apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), e do Sebrae. 

Com a condução de Héctor Batista, primeiro secretário da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE – SP), a mesa de abertura discutiu o papel das juventudes na comunicação alternativa. 

Participaram do debate os vereadores Paulo Juventude (REDE – São Roque) e Luna Zarattini (PT-SP), o jornalista do Portal Vermelho, André Cintra; o MC Janderson e a coordenadora do Circuito Universitário de Cultura e Arte da UNE, Stephanie Kovalsk.

Papel das redes

Fundador da União Regional dos Estudantes, Paulo Juventude relatou como se tornou o mais jovem vereador de São Roque, no interior paulista, ao ser eleito em 2024. Sua trajetória começou nas ocupações das escolas em 2016, quando percebeu ausência de uma voz organizada para a juventude de sua cidade. 

Naquele momento, destacou, “os meios de comunicação alternativo conseguiam proporcionar uma perspectiva nova a esses movimentos e jovens, em um momento de repressão policial e iniciativas de movimento ultraconservadores”.

A partir dali, surgiu a ideia de criar a União Regional dos Estudantes de São Roque e microrregião, que começou num grupo de WhatsApp. E, em meio ao contato com as pautas municipais, ele deu início à campanha de vereador, realizada com apenas R$ 750 do fundo eleitoral e sem espaço na mídia.

Após eleito, contou, o silêncio perdura diante das ações do seu mandato. Frente ao apagão narrativo, o vereador classifica as redes sociais não apenas como ferramentas, mas como arenas essenciais na disputa de poder. Elas permitem uma comunicação direta, sem intermediários e com custo drasticamente reduzido, tornando-se o palco principal para quem defende perspectivas de luta e transformação social, afirma. “A gente precisa entender isso e dominar as dinâmicas da rede”. 

“O grande desafio ainda é conseguir confrontar a extrema direita, que utiliza muito bem as redes e tem a proteção de um algoritmo das grandes big techs, que comprovadamente influenciam e privilegiam esses influenciadores de extrema direita”, salienta. 

Em sua avaliação, dominar as técnicas de comunicação é a “munição” necessária para os embates futuros como o enfrentamento ao bolsonarismo e a defesa de agendas cruciais, como a pauta ambiental, constantemente atacada por um Congresso conservador.

Foto: Thompson Griffo


Raízes da concentração midiática


Na sequência o jornalista André Cintra, do Portal Vermelho, destacou as origens da concentração midiática no Brasil, apontando como a colonização portuguesa foi profundamente danosa ao país, por sua “proibição sistemática de produzir e disseminar conhecimento”.

Diferente de outras nações da América Latina, como República Dominicana, Peru e México, que tiveram suas primeiras universidades ainda no século XVI, o Brasil foi privado por séculos do direito ao saber, aponta, ao lembrar que até 1808 o país não tinha curso superior e que o primeiro jornal brasileiro, Correio Brasiliense, só pôde ser impresso em 1808 e em Londres. 

Para Cintra, a herança de atraso deliberado criou um abismo social que perdura até hoje e resulta no controle dos meios de produção tanto da riqueza quanto da informação por uma elite “vigarista, preconceituosa e racista”.  Esse cenário, porém, sofreu uma mudança de escala com o surgimento das big techs.

Destacando que ao mesmo tempo em que promovem “uma ditadura numa escala internacional”, detendo em valor de mercado quase “três, quatro, cinco vezes maior que o PIB do Brasil”, as plataformas oferecem ferramentas de democratização e criam uma chance da sociedade civil de “furar o bloqueio da grande mídia e construir narrativas próprias”.

Os resultados são mensuráveis. Cintra destaca que o empate em torno de 38% nas pesquisas entre bolsonaristas e petistas/lulistas. “Eu sou de uma época em que talvez essa esquerda fosse 15%, 20%. Como é que a gente chegou em 38%? Isso é a luta, a aparição, a mobilização e a internet ajuda muito isso”, avalia.

Em sua avaliação, a saída está nos 60 milhões de jovens brasileiros. Ao dominarem as dinâmicas das redes, eles “têm nas mãos a possibilidade histórica de mudar o patamar da disputa por narrativas e, consequentemente, do próprio futuro do país”. 

“A concentração midiática é herança, mas a disputa digital é o caminho da transformação”, salientou. 


A força da base


Em sua fala, o MC Janderson destacou que “o principal meio de comunicação do nosso campo para com o povo, com a classe trabalhadora, continua sendo o olho no olho, o boca a boca, a rua.” Conhecido como “fanqueiro comunista”, ele afirmou que existe uma supervalorização perigosa do trabalho digital, que frequentemente invisibiliza lutas concretas e superestima figuras autocentradas. 

O que falta, apontou, é compromisso real com a luta, a disciplina partidária e a organização – valores ainda são raros entre os “principais figurões da militância digital”. Ele também apontou que num contexto em que “as pessoas se encontram menos, se olham menos e se escutam menos”, o papel do campo anticapitalista deveria ser remar contra ea maré de individualismo. No entanto, a esquerda parece reforçar a lógica do influencer individual”, replicando a lógica que deveria combater.

Ele destacou a importância do reconhecimento dos que fazem um bom trabalho nas redes, mas sem esquecer de separar o joio do trigo, ou seja, “chamar de liderança popular de massa quem é liderança popular de massa, e chamar de influenciador, pessoa relevante, quem é pessoa relevante.”  Lideranças de verdade, aponta, são aquelas que estão todo dia no território, no sindicato, na universidade. 

Ele também sugeriu unidade em campanhas concretas. E convocou a juventude a fechar em torno de iniciativas unificadas, compartilhando redes e amplificando causas comuns, em vez de alimentar a fragmentação. “As bases não podem ser substituídas por likes e seguidores. A luta real exige mais do que um bom discurso nas redes”, destacou.

 

Paixão e ousadia

 

Stephanie Kovalsk, coordenadora geral do CUCA da UNE, defendeu a paixão e a ousadia como combustíveis para a esquerda disputar o presente e o futuro. “Precisamos pensar em projetos ousados”, afirmou, ao referir-se CUCA, circuito pioneiro em comunicação colaborativa que completa 25 anos.

Comunicóloga formada pela UFRN e a primeira de sua família a se formar em uma universidade federal, Stephanie afirmou que debater comunicação é, antes de tudo, fazer um debate de classe. “É entender que se está falando com filhos da classe trabalhadora, bombardeados por informações nas telas onde passam cada vez mais tempo”. Frente a isso, acrescentou, a resposta não pode ser tímida. 

Defendendo saídas coletivas e colaborativas que rompam com o individualismo, Kovalsk propôs uma atuação em duas frentes: estar nas bases e disputar as redes sociais. É crucial não subestimar a periferia, mas saber dialogar com ela, salientou. 

Ela convocou entidades estudantis a irem para as comunidades, escolas e universidades para promover hackatons e criar “soluções coletivas”. E vinculou a batalha cultural à luta política contra as big techs, pela regulamentação das redes e pela taxação de bilionários na recomposição do orçamento para Educação e a Cultura. 

Sobre as eleições de 2026, avalia que “já passou do tempo” de começar a construção não apenas de candidatos, mas de um projeto de Brasil. “A gente fala muito de reconstruir o Brasil, mas acredito que além de reconstruir, nós precisamos também construir esse Brasil que nós queremos”, apontou.

 

Técnica à serviço da política

 

Vereadora mais jovem da capital paulista, Luna Zarattini (PT) preside a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania em uma cidade marcada por profundas desigualdades. Luna contou sua trajetória do movimento estudantil na USP, passando pela construção do cursinho popular Elza Soares para jovens periféricos e sua eleição em 2023. 

Luna contou o trabalho de oposição que vem realizando na Casa Legislativa contra os governos “privatistas e destruidores de direitos” de Ricardo Nunes (na capital) e Tarcísio de Freitas (no estado).

Ela destaca que seu trabalho combina presença nas redes sociais com ação direta nas ruas e nas periferias, focando em pautas de enfrentamento político. Essa estratégia de conexão entre o digital e o território foi fundamental para sua reeleição com uma votação expressiva.

Em sua avaliação, o cerne de qualquer estratégia de comunicação não está nas técnicas, mas na política. “Às vezes a gente se perde em alguns debates das técnicas e não faz o debate da política, que é o essencial”, salientou.

Ela também destacou que a extrema-direita chamou para si a face de “antissistema”. “Quem de fato é antissistema senão nós da esquerda que estamos lutando pelo fim do capitalismo, da exploração da classe trabalhadora, pelo fim do machismo, do racismo, da LGBTfobia, na transformação de um mundo sustentável?”

Para ela, essa é a disputa ideológica que deve ser travada. Para tal, Luna propõe uma “política com técnica”, que defenda a soberania digital e dispute o controle das redes para democratizá-las. 

O papel da juventude, nesse contexto, é o de “fazer a disputa política, ideológica do mundo que a gente sonha” e “construir uma comunicação popular e que traga as pautas do povo”.

Confira a mesa de Abertura do evento: