Na fala inicial que o ministro Thomas Traumann da SECOM-PR fez ao apresentar a jornalistas a “Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – Hábitos de consumo de mídia da população brasileira”, no dia 7 passado, ele afirmou, resumidamente, o seguinte:
“Todos sabemos as enormes transformações que estão acontecendo em relação a como e através de quais meios as pessoas se informam. Para o governo, este dado é uma das formas de avaliar as políticas públicas implementadas. A pesquisa que esta sendo divulgada é a mais completa já realizada no Brasil sobre o assunto. E, apesar de todos saberem que o acesso à internet vinha subindo, agora se comprova que ela está sendo usada cotidiana e rotineiramente como fonte de informação por quase metade dos brasileiros. Os jornais, todavia, permanecem sendo os veículos com maior credibilidade” [cf.http://www.youtube.com/watch?v=jN7h36xy9Ns].
Por Venício Lima, na Carta Maior
Para quem acompanha profissionalmente o setor, a pesquisa, no seu conjunto, não constitui surpresa, mas confirma as evidencias conhecidas em relação à queda de audiência geral da chamada velha mídia, sobretudo dos meios impressos, e o crescimento do acesso a internet, em particular, entre os jovens – o que revela qual a tendência para os próximos anos [relatório completo da pesquisa disponível aqui].
“A política continua a mesma”
A novidade, todavia, não foram os dados revelados pela pesquisa. Foi a contraditória “teimosia” da SECOM-PR.
Na sequência da apresentação aos jornalistas, conforme noticia a Folha de S. Paulo, o ministro Thomas Traumann reafirmou que o governo federal tem aumentado a participação da internet na distribuição de recursos de publicidade e negou que haverá qualquer alteração na atual distribuição das verbas oficiais. Disse ele:
“A política de publicidade do governo já estava escrita e continua a mesma política que estava antes. Não tem nenhuma alteração em relação ao que o governo estava fazendo”. (…) “Os critérios [de distribuição de recursos] são os que já existem e que já estão sendo adotados pelo governo brasileiro desde 2008. São critérios técnicos, baseados em pesquisa de agências, de veiculação de rádio, de circulação, no caso de jornais e revistas. (…) Essa pesquisa vai basear estratégias para a atividade de comunicação para o futuro, ela não modifica o que estamos fazendo atualmente. Estamos falando de coisas diferentes” [cf. aqui].
“Critérios técnicos”
Em outras ocasiões apresentei argumentos constitucionais e econômicos que questionam os “critérios técnicos” da SECOM-PR que insistem em tratar a publicidade oficial – para os cidadãos e cidadãs – da mesma forma que um fabricante de salsichas faz publicidade comercial de sua mercadoria – para seus consumidores e consumidoras [cf. “Por que o governo deve apoiar a mídia alternativa” e “Quais critérios adotar”].
Agora, no entanto, a própria fala do ministro Thomas Traumann, ao apresentar a pesquisa, destaca como ponto principal que quase metade da população brasileira já utiliza “cotidiana e rotineiramente” a internet como fonte de informação.
No relatório da pesquisa tornado público, 47% dos entrevistados declaram que tem o hábito de acessar a internet; 13,1% a consideram o meio preferido, sendo que entre os jovens de 16 a 25 anos, esta preferencia sobe para 25%. Além disso, 26% da população declara que acessa a internet 3h39 todos os dias da semana e 3h43 nos finais de semana.
Embora sejam necessários dados complementares para se ter um quadro completo sobre as redes, sites e blogs (o relatório apresenta apenas os 20 primeiros), o Facebook é acessado por 68,5% durante a semana e 70,8% nos finais de semana e entre os sites e blogs (ainda) predominam aqueles vinculados aos oligopólios de mídia.
Caminho inverso
Contra as evidências, a SECOM-PR pratica uma política pública de mídia que faz o caminho inverso de outros países democráticos como, por exemplo, aquela recomendada formalmente pela União Europeia. O relatório do Grupo de Alto Nível sobre a Liberdade e o Pluralismo da Mídia divulgado em janeiro de 2013 diz explicitamente:
“Recomendação 26: Deve haver um dispositivo relativo ao financiamento estatal para a mídia que é essencial para o pluralismo (incluindo o pluralismo geográfico, linguístico, cultural e político), mas não é comercialmente viável. O Estado deve intervir sempre que uma distorção do mercado conduza a um subprovisionamento do pluralismo, que pode ser considerado como bem público fundamental” [cf. Venício A. de Lima, org., Para garantir o direito à comunicação – A lei argentina, o relatório Leveson e o HLG da União Europeia; Perseu Abramo e Maurício Grabois, 2014; p. 312).
Ao se recusar a corrigir a atual política de distribuição de recursos – sobretudo para sites e blogs considerados “alternativos” – a SECOM-PR ignora que seus “critérios técnicos” retardam a consolidação da pluralidade e da diversidade potencial que a internet possibilita e aumentam o poder dos oligopólios da velha mídia, além de contrariar os hábitos tendenciais de consumo de mídia da população brasileira.
O que está realmente em jogo é a liberdade de expressão, embora tudo se faça para que pareça o contrário. Sistemas oligopolizados de mídia – no Brasil e em qualquer lugar – conduzem inevitavelmente ao cerceamento disfarçado da liberdade de expressão da maioria da população, além de corromper a formação de uma opinião pública democrática.
Será que a “Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – Hábitos de consumo de mídia da população brasileira”, por si só, não justificaria uma mudança nos “critérios técnicos” da SECOM-PR?
A ver.