Em entrevista à CBN, do grupo Globo, Lula foi confrontando com a narrativa neoliberal de “gastos” e lembrou “a guerra histórica entre setores dos meios de comunicação e do mercado sobre a questão da utilização dos recursos do orçamento”.
Por Plinio Teodoro/Revista Fórum
Em entrevista à CBN, emissora de rádio do grupo Globo, na manhã desta terça-feira (18), o presidente Luis Inácio Lula da Silva partiu para cima da Globo e do discurso de austeridade fiscal do neoliberalismo, mirando principalmente o presidente do Banco Central, o bolsonarista Roberto Campos Neto, que “tem lado político e trabalha muito mais para prejudicar o país”.
“Nós só temos uma coisa desajustada nesse momento: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. O presidente do Banco Central que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar o país, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, disse Lula.
A resposta foi dada logo no início da entrevista, quando o apresentador Milton Jung confrontou o presidente com uma fala da ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) de que ele teria ficado “muito mal impressionado com o aumento de subsídios no país”.
“Com o que o senhor ficou exatamente impressionado e o que muda na sua visão sobre a economia brasileira a partir do que o senhor viu ontem?”, indagou Jung, em consonância com do discurso da família Marinho, que defende austeridade com os pobres e isenção de impostos aos “endinheirados”, como definiu o presidente.
Lula sorriu durante a pergunta e partiu para cima dos neoliberais em seguida.
“Eu fiquei impressionado porque normalmente você tem uma guerra histórica entre setores dos meios de comunicação e do mercado sobre a questão da utilização dos recursos do orçamento. E eu tenho uma divergência profunda e até conceitual sobre que é gasto e investimento. E de vez em quando as pessoas jogam a responsabilidade dos gastos nas políticas sociais que você está implantando para resolver a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro”, iniciou o presidente.
“Ora, o que está acontecendo hoje? As mesmas pessoas que falam que tem gastos exagerados – e a gente vai investigar isso, se há gastos extras, se há gente recebendo benefício que não deve, dentro das politicas públicas – são as pessoas que têm R$ 546 bilhões em isenções fiscais. São os ricos que reclamam e se queixam dos investimentos nas pessoas mais pobres”, emendou Lula, que prometeu apresentar uma proposta orçamentária ao Congresso nos próximos 22 dias.
“É por isso que digo: não venham me pedir para fazer ajuste em cima das pessoas mais humildes desse país”, emendou.
Lula ainda afirmou que está disposto “a discutir o orçamento, com a maior seriedade, com a Câmara, o Senado, a imprensa, os empresários, os banqueiros”.
“Mas para que a gente faça com que o povo mais humilde, trabalhador, que mais necessita do Estado não seja prejudicado como em alguns momentos da História foi”, disse.
Lula ainda enquadrou a cobrança de redução de impostos, capitaneada por sindicatos patronais – como Fiesp e CNI – e a mídia liberal, que foram beneficiados com medidas como a desoneração da folha de pagamento.
“Nós acabamos de aprovar uma desoneração para 17 setores da indústria brasileira. Qual é a contrapartida que esses setores darão ao trabalhador? Qual é a estabilidade no emprego que eles garantem? Qual é o aumento de salário? Nenhuma! Apenas pegam a isenção fiscal, sem nehum compromisso com o povo trabalhador, para aumentar o lucro. E acha que isso é normal, Milton? Isso para mim não é normal e estou disposto a fazer essa discussão com empresários em qualquer lugar para que a gente coloque a verdade em cima da mesa e veja quem é que está gastando”, disparou Lula.
Em artigo nesta terça-feira no jornal O Globo, Merval Pereira, porta-voz político da família Marinho, ironizou a defesa dos pobres feita Lula, dizendo que o “confronto” com os setores neoliberais “se dá por uma posição anacrônica da esquerda petista, que não se conforma com a necessidade de contenção de gastos para equilibrar as contas públicas”.
“Fazer reajuste “em cima dos pobres”, não, dirá Lula, ecoando esse raciocínio que constrange quem quer preparar o país para um desenvolvimento sustentado de longo prazo justamente para ajudar os mais pobres”, escreveu o “imortal” para, em seguida, revelar a verdadeira intenção por trás do discurso dos neoliberais.
“Claro que os ricos e a classe média abastada também se beneficiarão, mas um crescimento saudável e equilibrado deve ser o objetivo final de qualquer governo, de direita ou de esquerda”.
Aposentados e Dona Lindu
Como exemplo, o presidente ainda comparou as isenções fiscais com a situação da Previdência e o pagamento aos aposentados.
“Nós temos quase que R$ 1 trilhão com a Previdência Social. É muito? É muito. E tem muita gente que vai se aposentar e vai aumentar. Agora o que é muito é você ter quase R$ 600 bilhões de isenção, de desoneração. Então isso não é possível. A gente vai ter que consertar e dos dois lados”, disse.
Em seguida, o presidente voltou a dizer que aprendeu economia com a mão, dona Lindu, e por isso não gosta de gastar além do que tem.
“Eu aprendi com uma mulher analfabeta, Dona Lindu, a não gastar aquilo que não tenho. Por isso que vamos fazer um estudo muito sério para avaliar se existem gastos para otimizar os investimentos. Temos uma economia crescendo, empregos subindo, desemprego em queda. É por isso que eu digo: não tenham dúvidas que o Brasil, ao do fim do meu mandato, vai estar muito bem, assim como em 2010”, afirmou.
Lula ainda criticou a desoneração de quase R$ 600 bilhões feitas durante o governo Jair Bolsonaro (PL) sem quaisquer contrapartidas dos setores beneficiados e traçou um cenário comparativo entre a política econômica que pretende levar adiante novamente a a que foi pelo antecessor.
“Quando fui presidente em 2008, que veio a crise nascida nos EUA, nós fizemos a primeira isenção nesse país: R$ 47 bilhões. E como a gente fazia a desoneração? Juntava empresários e trabalhadores do setor que você iria beneficiar e discutia uma contrapartida. ‘Tudo bem, vamos dar desoneração, mas você tem que assumir que durante tanto tempo não vai mandar trabalhador embora ou vai contratar’. Mas, simplesmente desonerar sem nenhuma contrapartida é dar dinheiro a quem já tem muito dinheiro. É encher o bolso de quem está com o bolso cheio. E não é isso que o Brasil precisa”, disse.
“Muito dinheiro na mão de poucos, o resultado do país é miséria, fome, desnutrição e violência. Pouco dinheiro nas mãos de muitos significa aumento de renda e elevar o nível de participação da sociedade no bolo que ele próprio ajudou a construir”, emendou.