Por Adriana Ferreira
A reforma política e a democratização da mídia são prioridades na agenda dos movimentos sociais. Por isso a Central de Movimentos Populares (CMP) aproveitou sua confraternização de final de ano para realizar um debate sobre esses temas. A coordenadora do Centro de Estudos Barão de Itararé, São Paulo, Ana Flávia Marx, compôs a mesa junto com o deputado Renato Simões (PT), e o assessor da CMP, Tito Wehrle.
A coordenadora do Barão foi enfática ao iniciar sua fala. “Não é possível discutir democratização da mídia sem passar pela reforma política.” Segundo ela, a onda conservadora que se espalhou pelo mundo a partir da crise de 2008, chegou ao Brasil e torna o cenário mais difícil para as lutas populares.
Para a dirigente, é preciso concentrar a atenção nas pautas que unificam os movimentos, deixando de lado as divergências. A jornalista comparou o momento atual com o período histórico que vai do Estado Novo até 1954, quando Getúlio Vargas foi acossado pela imprensa, sofreu pressões de todos os lados e a esquerda, ao invés de manter o apoio ao governo trabalhista, assumiu o discurso dominante, ou seja, o da direita. “As vezes a gente não aprende”, disse.
O Barão de Itararé [em conjunto com outras entidades que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC] formulou um Projeto de Iniciativa Popular para a Democratização da Mídia, chamado de PLIP, a ideia central é a regulamentação econômica do setor. Ao contrário do que a imprensa tem propagado, o projeto não limita a liberdade de expressão. Até porque nenhuma lei pode limitar o conteúdo dos meios de comunicação.
” Há cidades no Brasil com mais de 1 milhão de habitantes em que uma mesma família é dona de rádio, TV e jornal impresso. Não tem nada de esquerda nessa ideia, pois isso está acontecendo na Inglaterra, na Argentina, no Uruguai, em diversos países. Na Argentina, as TV’s comunitárias transmitiram a última Copa do Mundo. Aqui a exclusividade é da Globo”, ressaltou Ana.
A ativista disse ainda que a Constituição dos EUA, proíbe o monopólio cruzado e oligopolizado dos meios de comunicação. Trata-se de uma regra de mercado para evitar a concentração que prejudica os negócios e o interesse público. “Em um país com o tamanho e diversidade do Brasil, não é possível que só essa mídia, dominada por algumas famílias, se coloque como porta voz da sociedade”, acrescentou ela.
Pleitear a democratização da mídia é tão somente regulamentar dispositivos da Constituição brasileira. Porém os opositores, beneficiários do atual modelo, reagem pesadamente, usando do poder que dispõe para difamar qualquer um que ouse propor uma alteração nas regras vigentes.
O caminho apontado para fortalecer essa luta é aquele conhecido pelos movimentos sociais, a união. “Nesse momento, é preciso colocar para dentro tudo que unifica os movimentos sociais e deixar para fora o que nos separa”, sugere Ana Flávia.
A coordenadora do Barão de Itararé é categórica “nosso inimigo é o oligopólio midiático”. Por isso é imprescindível fortalecer a imprensa alternativa, sindical, e imprensa pública. Ela defende, ainda, que os movimentos sociais mantenham seu apoio a esse governo. “Nós disputamos programas e não nomes nos ministérios”, disse.
Enquanto a reforma não vem e a mídia continua a ignorar a realidade das ruas, alguns militantes, presentes no encontro da CMP, sugeriram o fortalecimento dos canais alternativos de comunicação, inclusive resgatando o bom e velho boca à boca, para divulgar as causas sociais e evitar retrocessos da democracia brasileira.
Tempos difíceis
O cenário político para 2015, será bastante desafiador, esse é um consenso entre os presentes ao encontro da CMP. O deputado federal Renato Simões (PT) diz que a oposição, há 12 anos fora do governo central, gera uma contra ofensiva neoliberal que se junta aos setores que apoiaram a ditadura militar. A direita quer colocar fim ao ciclo de governos de esquerda na América Latina.
A polarização nas eleições, segundo ele, dividiram a sociedade brasileira e ele chama a atenção para o importante fato de que pela primeira vez, desde 1964, a direita foi para as ruas. “Isso significa que o que ocorreu esse ano foi apenas o começo. A direita sabe que ao perder, haverá mais quatro anos para esse projeto se fortalecer. A oposição está dividia entre os que querem tirar a Dilma pelo impeachment e aqueles que querem enfraquecê-la ao ponto dela pedir para sair”, afirmou.
Após 12 anos nos de conquistas econômicas e sociais, Renato acredita que se chegou ao fim de um ciclo em que era possível crescer incluindo os pobres e sem incomodar os ricos. “Agora não dá mais”, conclui.
Ele também sugeriu que a dinâmica entre movimentos sociais e governo deverá ser modificada. “Até aqui, o governo falava ‘deixa comigo que eu faço a política pública’. E dizia ‘participação popular é essa aqui’. Será que os movimentos populares vão enfrentar essa nova fase desse jeito? Acho que não.”
O deputado salienta ainda a necessidade de mais diálogo. “É fundamental que a gente aproveite essa oportunidade para repactuar a relação governo-movimento social. É importante apoiar, mas não pode ser só aplauso, temos de estar organizados e defendo uma agenda mínima comum”, disse. Ele propõe também que se estabeleça uma governabilidade social, com disputa ideológica e mobilização social, além da criação de novas instituições que estendam a participação social para além do Executivo.
Para Simões, se a esquerda não fizer a lição de casa, o risco de golpe é real. Ele não está sozinho, Gegê, líder do Movimento de Moradia no Centro (MMC) , acredita que a direita não aceitará perder novamente em 2018. Para ele, o golpe pode ocorrer durante esse governo ou nas próximas eleições.
Os demais participantes reforçaram a importância de ampliar a base dos movimentos de lutas populares e o trabalho de formação política.
Democracia
Um dos membros do Central de Movimentos Populares, Eduardo, integrou a comitiva de Movimentos Sociais que foi convocada pelo Papa Francisco para ir até o Vaticano discutir as causas estruturais da pobreza. Ele chamou a atenção para a relevância desse gesto. “A Igreja Católica tem 2 mil anos, mas nunca chamou os movimentos populares para dialogar”, frisou.
“O Papa declarou que há uma enorme crise de democracia no mundo e que ou os governos reagem com repressão ou adormecem as massas populares, por meio de políticas públicas ou de Conselhos, que avançam pouco. Assim, as pessoas vão se institucionalizando e a exclusão não diminui”, comentou Eduardo que, em seguida, propôs uma reflexão. “Estamos vivendo a repressão, o adormecimento ou os dois?”