Por Mirian Aquino, no TeleSíntese
Há poucas horas de perder o cargo de Presidente da República pelo Senado Federal, Dilma Rousseff publicou em edição extra do Diário Oficial de ontem a regulamentação do Marco Civil da Internet, cujo texto é quase o mesmo que “vazou” na internet alguns dias atrás, e publicou na edição de hoje, do dia 12, o novo decreto do programa Brasil Inteligente, lançado semana passada pelo então ministro André Figueiredo, que também se despediu do governo.
A regulamentação do Marco Civil acabou pendendo para a posição do Ministério da Justiça e para o sistema de defesa do Consumidor, mas seu texto ainda deixa margem para muitas interpretações, que deverão ser resolvidas em novos embates futuros. Pelo menos esta é a avaliação de diferentes atores do setor regulado, das telecomunicações.
Se a regulamentação do Marco Civil divide para cada ente do Estado o papel de fiscalização, conforme suas atribuições, a preocupação das operadoras de telecom não se dá com essa divisão de poderes, mas sim com o novo papel atribuído ao Comitê Gestor da Internet. Pelo novo decreto, conforme algumas interpretações, caberá ao Comitê Gestor da Internet “estabelecer diretrizes” sobre quais são os requisitos técnicos que poderão ser aceitos para não ferir a neutralidade da rede. E a questão, para executivos do setor, é que o Estado não poderia abrir mão dessa atribuição para uma organização, mesmo que multissetorial e legítima, mas ainda assim representante de si mesma.
A discussão é técnica e pode ir longe. Se havia uma forte pressão para se explicitar a proibição da franquia de dados (tanto na rede fixa como móvel no corpo da regulamentação), o que mobilizou as teles e a Anatel que alegaram que essa proibição iria inibir investimentos nas redes de banda larga no país, o setor de telecom teme que o CGI decida estabelecer diretrizes que afetem o modelo de negócios das empresas.
Citam alguns exemplos: “Será que não poderemos vender um pacote de 4Giga somente de vídeo?”. Mas há executivos operadoras que acham o decreto tão confuso, que as interpretações podem ser inúmeras e outros respiram aliviados, pois entendem que o texto acabou se limitando ao que expressa a lei. Ou seja, o texto dá margem para qualquer entendimento para regulações futuras.
Brasil Inteligente
O decreto do Brasil Inteligente, por sua vez, se pode virar uma peça de ficção no que se refere às metas de universalização da banda larga, pois precisa das novas verbas orçamentárias que não foram viabilizadas pela área econômica do governo via projeto de lei orçamentária, traz uma orientação política que pode acelerar o processo para o fim das concessões de telefonia fixa.
O decreto determina que caberá à Anatel propor ao Ministério das Comunicações os mecanismos para que as atuais concessões de telefonia fixa migrem para um regime de maior liberdade. “Condicionando a migração ao atendimento de metas relativas à banda larga”.
Ou seja, o debate sobre se a concessão pode ser extinta por decreto já pode não existir mais. Em um de seus últimos atos antes da cassação de seu mandato, a presidente Dilma resolveu que as concessões podem ser extintas por ato do próprio Executivo.
DECRETO No – 8.776, DE 11 DE MAIO DE 2016
Institui o Programa Brasil Inteligente.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 84, caput, inciso IV e inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Fica instituído o Programa Brasil Inteligente, com a finalidade de buscar a universalização do acesso à internet no País.
Art. 2º Para alcançar a finalidade indicada no art. 1º, o Programa Brasil Inteligente terá os seguintes objetivos:
I – expandir as redes de transporte em fibra óptica;
II – aumentar a abrangência das redes de acesso baseadas em fibra óptica nas áreas urbanas;
III – ampliar a cobertura de vilas e de aglomerados rurais com banda larga móvel;
IV – atender órgãos públicos, com prioridade para os serviços de educação e de saúde, com acesso à internet de alta velocidade.
V – ampliar a interligação com redes internacionais de telecomunicações;
VI – promover a implantação de cidades inteligentes;
VII – promover a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em tecnologias móveis de quinta geração;
VIII – fomentar o desenvolvimento e a adoção de soluções nacionais de internet das coisas e sistemas de comunicação máquina
a máquina;
IX – promover a capacitação e a qualificação profissional em tecnologias da informação e comunicação;
X – disponibilizar capacidade satelital em banda larga para fins civis e militares; e
XI – expandir redes de transporte em fibra óptica na Amazônia por meio de cabos subfluviais. Parágrafo único. No mínimo, sessenta por cento dos Municípios beneficiados pelo objetivo a que se refere o inciso I do caput devem situar-se nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene.
Art. 3º Compete ao Ministério das Comunicações a coordenação do Programa Brasil Inteligente, cabendo-lhe: I – definir as ações, as metas e as prioridades específicas do Programa Brasil Inteligente; II – monitorar e acompanhar as ações para a consecução dos objetivos previstos no art. 2º;
III – promover parcerias entre o Poder Público federal e as entidades privadas para o alcance dos objetivos previstos no art. 2º;
IV – propor e implementar, nos limites de sua competência, mecanismos de incentivo à indústria e de financiamento para a expansão de redes de acesso à internet em banda larga por prestadoras de serviços de telecomunicações;
V – fomentar a participação da sociedade por meio de audiências e consultas públicas, além de outros instrumentos; e
VI – estabelecer contratos, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos legais necessários ao alcance dos objetivos do Programa Brasil Inteligente.
Art. 4º A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel proporá ao Ministério das Comunicações e estabelecerá mecanismos que possibilitem a migração das atuais concessões de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC para regime de maior liberdade, condicionando a migração ao atendimento de metas relativas à banda larga, com prioridade àquelas que contribuam ao alcance dos objetivos previstos no art. 2º.
Art. 5º O Decreto nº 7.175, de 12 de maio de 2010, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 2º O PNBL será implementado por meio das ações fixadas pelo Ministério das Comunicações.” (NR) “Art. 3º Compete ao Ministério das Comunicações a gestão e o acompanhamento do PNBL, cabendo-lhe:
………………………………………………………………………………….” (NR)
“Art. 4º …………………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………………..
§ 4º O Ministério das Comunicações definirá as localidades onde inexista a oferta adequada de serviços de conexão à Internet em banda larga a que se refere o inciso IV do caput .” (NR)
Art. 6º Fica revogado o Decreto nº 6.948, de 25 de agosto de 2009.
Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 11 de maio de 2016; 195 o da Independência e 128 o da República.
DECRETO No – 8.771, DE 11 DE MAIO DE 2016
Regulamenta a Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, para tratar das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indicar procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, apontar medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelecer parâmetros para fiscalização e apuração de infrações.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Este Decreto trata das hipóteses admitidas de discriminação de pacotes de dados na internet e de degradação de tráfego, indica procedimentos para guarda e proteção de dados por provedores de conexão e de aplicações, aponta medidas de transparência na requisição de dados cadastrais pela administração pública e estabelece parâmetros para fiscalização e apuração de infrações contidas na Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014.
Art. 2o O disposto neste Decreto se destina aos responsáveis pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento e aos provedores de conexão e de aplicações de internet, definida nos termos do inciso I do caput do art. 5o da Lei no 12.965, de 2014.
Parágrafo único. O disposto neste Decreto não se aplica:
I – aos serviços de telecomunicações que não se destinem ao provimento de conexão de internet; e
II – aos serviços especializados, entendidos como serviços otimizados por sua qualidade assegurada de serviço, de velocidade ou de segurança, ainda que utilizem protocolos lógicos TCP/IP ou equivalentes, desde que:
a) não configurem substituto à internet em seu caráter público e irrestrito; e
b) sejam destinados a grupos específicos de usuários com controle estrito de admissão.
CAPÍTULO II
DA NEUTRALIDADE DE REDE
Art. 3o A exigência de tratamento isonômico de que trata o art. 9o da Lei no 12.965, de 2014, deve garantir a preservação do caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, princípios e objetivos do uso da internet no País, conforme previsto na Lei no 12.965, de 2014.
Art. 4o A discriminação ou a degradação de tráfego são medidas excepcionais, na medida em que somente poderão decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações ou da priorização de serviços de emergência, sendo necessário o cumprimento de todos os requisitos dispostos no art. 9o, § 2o, da Lei no 12.965, de 2014.
Art. 5o Os requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada de serviços e aplicações devem ser observados pelo responsável de atividades de transmissão, de comutação ou de roteamento, no âmbito de sua respectiva rede, e têm como objetivo manter sua estabilidade, segurança, integridade e funcionalidade.
§ 1o Os requisitos técnicos indispensáveis apontados no caput são aqueles decorrentes de:
I – tratamento de questões de segurança de redes, tais como restrição ao envio de mensagens em massa (spam) e controle de ataques de negação de serviço; e
II – tratamento de situações excepcionais de congestionamento de redes, tais como rotas alternativas em casos de interrupções da rota principal e em situações de emergência.
§ 2o A Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel atuará na fiscalização e na apuração de infrações quanto aos requisitos técnicos elencados neste artigo, consideradas as diretrizes estabelecidas pelo Comitê Gestor da Internet – CGIbr.
Art. 6o Para a adequada prestação de serviços e aplicações na internet, é permitido o gerenciamento de redes com o objetivo de preservar sua estabilidade, segurança e funcionalidade, utilizando-se apenas de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais, desenvolvidos para o bom funcionamento da internet, e observados os parâmetros regulatórios expedidos pela Anatel e consideradas as diretrizes estabelecidas pelo CGIbr.
II – priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais; ou
III – privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão, pela comutação ou pelo roteamento ou por empresas integrantes de seu grupo econômico.
Art. 10. As ofertas comerciais e os modelos de cobrança de acesso à internet devem preservar uma internet única, de natureza aberta, plural e diversa, compreendida como um meio para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória.
CAPÍTULO III
DA PROTEÇÃO AOS REGISTROS, AOS DADOS PESSOAIS E ÀS COMUNICAÇÕES PRIVADAS
Seção I
Da requisição de dados cadastrais Art. 11. As autoridades administrativas a que se refere o art.10, § 3o, da Lei no 12.965, de 2014, indicarão o fundamento legal de competência expressa para o acesso e a motivação para o pedido de acesso aos dados cadastrais.
§ 1 o O provedor que não coletar dados cadastrais deverá informar tal fato à autoridade solicitante, ficando desobrigado de fornecer tais dados.
§ 2 o São considerados dados cadastrais:
I – a filiação;
II – o endereço; e
III – a qualificação pessoal, entendida como nome, prenome, estado civil e profissão do usuário.
§ 3o Os pedidos de que trata o caput devem especificar os indivíduos cujos dados estão sendo requeridos e as informações desejadas, sendo vedados pedidos coletivos que sejam genéricos ou inespecíficos.
Art. 12. A autoridade máxima de cada órgão da administração pública federal publicará anualmente em seu sítio na internet relatórios estatísticos de requisição de dados cadastrais, contendo:
I – o número de pedidos realizados;
II – a listagem dos provedores de conexão ou de acesso a aplicações aos quais os dados foram requeridos;
III – o número de pedidos deferidos e indeferidos pelos provedores de conexão e de acesso a aplicações; e
IV – o número de usuários afetados por tais solicitações.
Seção II
Padrões de segurança e sigilo dos registros, dados pessoais e comunicações privadas
Art. 13. Os provedores de conexão e de aplicações devem, na guarda, armazenamento e tratamento de dados pessoais e comunicações privadas, observar as seguintes diretrizes sobre padrões de segurança:
I – o estabelecimento de controle estrito sobre o acesso aos dados mediante a definição de responsabilidades das pessoas que terão possibilidade de acesso e de privilégios de acesso exclusivo para determinados usuários;
II – a previsão de mecanismos de autenticação de acesso aos registros, usando, por exemplo, sistemas de autenticação dupla para assegurar a individualização do responsável pelo tratamento dos registros;
III – a criação de inventário detalhado dos acessos aos registros de conexão e de acesso a aplicações, contendo o momento, a duração, a identidade do funcionário ou do responsável pelo acesso designado pela empresa e o arquivo acessado, inclusive para cumprimento do disposto no art. 11, § 3o, da Lei no 12.965, de 2014; e
IV – o uso de soluções de gestão dos registros por meio de técnicas que garantam a inviolabilidade dos dados, como encriptação ou medidas de proteção equivalentes.
§ 1o Cabe ao CGIbr promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais para o disposto nesse artigo, de acordo com as especificidades e o porte dos provedores de conexão e de aplicação.
§ 2o Tendo em vista o disposto nos incisos VII a X do caput do art. 7o da Lei no 12.965, de 2014, os provedores de conexão e aplicações devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais, comunicações privadas e registros de conexão e acesso a aplicações, os quais deverão ser excluídos:
I – tão logo atingida a finalidade de seu uso; ou
II – se encerrado o prazo determinado por obrigação legal.
Art. 14. Para os fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – dado pessoal – dado relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive números identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, quando estes estiverem relacionados a uma pessoa; e
II – tratamento de dados pessoais – toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.
Art. 15. Os dados de que trata o art. 11 da Lei no 12.965, de 2014, deverão ser mantidos em formato interoperável e estruturado, para facilitar o acesso decorrente de decisão judicial ou determinação legal, respeitadas as diretrizes elencadas no art. 13 deste Decreto.
Art. 16. As informações sobre os padrões de segurança adotados pelos provedores de aplicação e provedores de conexão devem ser divulgadas de forma clara e acessível a qualquer interessado, preferencialmente por meio de seus sítios na internet, respeitado o direito de confidencialidade quanto aos segredos empresariais.
CAPÍTULO IV
DA FISCALIZAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA
Art. 17. A Anatel atuará na regulação, na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.
Art. 18. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei no
8.078, de 11 de setembro de 1990.
Art. 19. A apuração de infrações à ordem econômica ficará a cargo do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, nos termos da Lei no 12.529, de 30 de novembro de 2011.
Art. 20. Os órgãos e as entidades da administração pública federal com competências específicas quanto aos assuntos relacionados a este Decreto atuarão de forma colaborativa, consideradas as diretrizes do CGIbr, e deverão zelar pelo cumprimento da legislação brasileira, inclusive quanto à aplicação das sanções cabíveis, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, nos termos do art. 11 da Lei no 12.965, de 2014.
Art. 21. A apuração de infrações à Lei no 12.965, de 2014, e a este Decreto atenderá aos procedimentos internos de cada um dos órgãos fiscalizatórios e poderá ser iniciada de ofício ou mediante requerimento de qualquer interessado.
Art. 22. Este Decreto entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação.
Brasília, 11 de maio de 2016; 195º da Independência e 128º da República.