5 de dezembro de 2025

Carta de Salvador defende comunicação como instrumento pela paz e integração regional

Foto: Manoel Porto

Entre os dias 28 e 29 de novembro, Salvador/BA sediou a segunda edição do Seminário Internacional de Comunicação para a Integração. Realizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, organização que atua há 15 anos na luta para democratizar as comunicações no país, o evento reuniu mais de 130 participantes para discutir temas como integração regional, juventude e tecnologia.

Entre debatedores presenciais e remotos, o Seminário contou com representantes de 11 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia, Cuba, Estados Unidos, México, Uruguai e Venezuela. Também marcaram presença participantes vindos de cinco estados brasileiros, entre eles Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

O encontro teve apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), por meio do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), além do Sindicato dos Bancários da Bahia, que sediou as atividades em seu ginásio poliesportivo.

Para ler a Carta de Salvador, documento síntese do Seminário, e conferir a composição da nova Comissão Internacional de Comunicação para a Integração, avance até o final da página.

Comunicação e cooperação no Sul Global

A escalada de terrorismo econômico com tarifas abusivas, sanções, bloqueios, ameaças militares e assédio imperialista contra a Venezuela, a Colômbia e, por consequência, toda a América Latina, tem sido acompanhada por uma arma poderosa: o suporte ideológico dos grandes conglomerados de comunicação e das Big Techs, que sustentam narrativas partidarizadas contrárias aos interesses dos povos e países do Sul Global.

Diante desse cenário, o Seminário reuniu representantes de cinco pilares da comunicação contra-hegemônica para discutir experiências concretas de cooperação informacional, fundamentais para fortalecer um jornalismo enraizado em outras perspectivas e com musculatura para disputar as narrativas em momentos críticos como o atual. Além de apresentarem os modos de funcionamento e agenda de seus veículos, os participantes destacaram a importância de consolidar parcerias para compartilhamento, capilarização e difusão de conteúdos como forma de enfrentar o bloqueio imposto por algoritmos secretos e por oligopólios midiáticos.

Foto: Manoel Porto

Participaram da mesa:
Patrícia Villegas (Colômbia) – presidenta da teleSUR
Isabela Shi Xiaomiao (China) – jornalista da CGTN
Bruno Lima Rocha (Brasil) – jornalista da HispanTV, cientista político e professor de Relações Internacionais
Leonardo Attuch (Brasil) – fundador do Brasil 247 e da TV 247
Michele de Mello (Brasil) – jornalista da RT en Español

Mediação: Felipe Bianchi (Barão de Itararé) e Adelmo Andrade (Sindicato dos Bancários da Bahia)

Assista na íntegra:


Comunicação e juventude na América Latina

Em um contexto em que a disputa por mentes e corações ocorre em meio à desinformação, discursos de ódio e saturação informacional, o Seminário abriu espaço para que jovens comunicadores de diferentes países apresentassem suas práticas, diagnósticos e inquietações. A pergunta orientadora foi direta: o que os jovens latino-americanos querem comunicar — e de que forma?

A partir de experiências territoriais e de suas trajetórias em coletivos, veículos e movimentos, os participantes destacaram dois eixos principais:

• a necessidade de produzir informação ancorada nos problemas reais das comunidades, rompendo com filtros editoriais subordinados a interesses econômicos;
• o domínio das linguagens e tecnologias contemporâneas, da criatividade transmediática às plataformas digitais, como condição para alcançar e mobilizar a juventude.

Foto: Manoel Porto

Participaram da mesa:
Camila Modanez (Brasil) – pesquisadora, especialista em mobilização digital e representante do Barão de Itararé
Quya Reyna (Bolívia) – escritora, pesquisadora e comunicadora aimara
Sebastián Furlong (Argentina) – editor de El Grito del Sur
Pilar Sivira (Venezuela) – artista visual, comunicadora popular e educomunicadora

Mediação: Nicole Silva Bonfim dos Santos (União dos Estudantes da Bahia) e Luiza Soeiro (Portal Desacato)

Assista na íntegra:


Como enfrentar o poder das Big Techs e seus algoritmos secretos

Nenhuma análise contemporânea da correlação de forças ignora o papel central das plataformas digitais na disputa política e ideológica. As Big Techs exercem um poder que atravessa fronteiras, influenciando agendas, manipulando conteúdos por algoritmos opacos e aplicando censura seletiva a vozes críticas.

A crescente partidarização dessas corporações, especialmente no contexto da política norte-americana, contamina o debate público global. A aliança estratégica entre Big Techs e o governo Trump aprofunda um alinhamento econômico, geopolítico e ideológico que impacta diretamente a América Latina — frequentemente tratada como laboratório dessas ofensivas. Para o jornalismo independente e a comunicação popular, isso amplia desafios e a urgência por respostas articuladas.

Foto: Manoel Porto

A mesa responsável por debater regulação e possíveis iniciativas regionais reuniu:
Ergon Cugler (Brasil) – coordenador do Barão de Itararé, pesquisador e autor de “IA-cracia: Como enfrentar a ditadura das Big Techs”
Patricia Peña (Chile) – professora da Universidad de Chile, diretora da Fundación Datos Protegidos e cofundadora da Internet Society-Chile
Gustavo Gómez (Uruguai) – diretor do Observacom
Nina Santos (Brasil) – secretária adjunta de Políticas Digitais na Secretaria de Comunicação da Presidência da República

Mediação: Emília Mazzei (jornalista e especialista em Educação do Campo) e Katia Marko (Brasil de Fato RS)

Assista ao debate:


Inteligência Artificial para mídias independentes e comunicadores populares

O encerramento do Seminário foi dedicado a uma oficina teórico-prática sobre como mídias independentes, comunicadores populares, veículos comunitários, coletivos audiovisuais e movimentos sociais podem incorporar ferramentas de Inteligência Artificial para qualificar e agilizar seu trabalho cotidiano. A proposta destacou que a IA não substitui o trabalho humano, mas pode potencializá-lo quando utilizada de forma crítica, consciente e alinhada às lutas dos territórios.

Foto: Manoel Porto
Foto: Manoel Porto

As oficineiras foram:
Gabriela de Paula – vice-presidenta do Sinjorba, jornalista especializada em futuro e inovação, TEDx/International Speaker, editora-chefe da Ayoo e criadora do projeto Bom Dia, Futuro
Vanessa Martina-Silva – jornalista e analista internacional, diretora da Revista Diálogos do Sul Global, coordenadora do Barão de Itararé e diretora de comunicação do Cicral BR; mestra em Integração da América Latina pelo PROLAM/USP

Assista à oficina:

Ao fim das atividades, foi aprovada por unanimidade a carta que sintetiza a segunda edição do Seminário, reunindo uma análise conjuntural consensuada e uma lista de prioridades para orientar o próximo período da Comissão Internacional de Comunicação para a Integração.

Além disso, também foi ampliada a Comissão de Comunicação para a Integração, com a missão de dar continuidade às reflexões compartilhadas no Seminário, articular as propostas aprovadas na Carta de Salvador e manter ativa a rede construída durante o evento. Confira a composição da Comissão para o período de 2025 a 2026, com os novos nomes em negrito.

  • Camila Modanez (Brasil), pesquisadora e especialista em mobilização digital
  • Florencia Abregú (Argentina), Secretaria Operativa da Alba Movimientos
  • Zoe Alexandra (Estados Unidos), editora do Peoples Dispatch
  • Vladimir Ríos (México), Secretário do MORENA na Cidade do México
  • Pilar Sivira (Venezuela), educomunicadora e artista visual
  • Sebastián Furlong (Argentina), editor do El Grito del Sur
  • Felipe Bianchi (Brasil), jornalista do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
  • Beto Almeida (Brasil), fundador do Jornal Brasil Popular, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), diretor-fundador TV Comunitária de Brasília e membro da junta diretiva da TeleSUR, além de apresentador no canal multiestatal
  • Vanessa Martina-Silva (Brasil), diretora de redação da Diálogos do Sul Global e coordenadora do Barão de Itararé
  • Betiana Vargas (Argentina/México), analista internacional e pesquisadora na Universidade Autônoma de Zacatecas
  • Canela Crespo (Bolívia), advogada feminista e integrante da Casa Tomada – Coletivo Comunicacional de Esquerda
  • Alcides García (Cuba), jornalista, realizador audiovisual (Videos Crisol), integrante da Rede de Educadoras e Educadores Populares da Associação Centro Martin Luther King
  • Pablino Cáceres (Paraguai), ex-ministro da Secretaria de Ação Social do Paraguai, membro da Rádio Universidad na Universidad Nacional de Pilar e representante da Voces Paraguay
  • Hugo Ramírez (Peru), comunicador popular no Centro de Comunicación Amakella
  • Fresia Ramírez Inostroza (Chile), presidente da Associação Nacional de Mídias Independentes e Comunitárias do Chile (Anamic), diretora do Tomate Rojo e editora da Rádio JGM
  • Mónica Valdés (Colômbia), jornalista, antropóloga e vice-presidente da Associação Mundial de Rádios Comunitárias na América Latina e Caribe (Amarc AL)
  • Fabián Werner (Uruguai), diretor do Sudestada, presidente do Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo), presidente do Comitê Coordenador da Rede de Intercâmbio para a Liberdade de Expressão na América Latina e no Caribe (IFEX-ALC) e pesquisador na Instituição Nacional de Direitos Humanos para a Busca de Pessoas Detidas e Desaparecidas pelo Terrorismo de Estado

Leia a íntegra da carta a seguir:


Carta de Salvador

2º Seminário Internacional de Comunicação para a Integração

A paz e a vida da população da América Latina e do Caribe estão ameaçadas.

Como um animal ferido no desespero de manter sua hegemonia unipolar, o imperialismo estadunidense tenta arrastar nossa região para o abismo da guerra. O avanço militarista, apoiado por governos lacaios de extrema direita, evidencia a fase terminal do ciclo de predominância ocidental no cenário internacional. É justamente por isso que o momento é tão perigoso e exige a mobilização urgente de todas as organizações populares para evitar uma catástrofe de consequências incalculáveis.

A potência em decadência tem usado a violência generalizada como estratégia para impor uma militarização forçada na região, instaurando a repressão, a política de mão de ferro e o encarceramento de milhares de jovens como resposta às flagrantes desigualdades sociais que a própria lógica capitalista produziu e aprofundou.

No entanto, sua arma principal não é o arsenal sofisticado nem seu exército, mas o medo. Um medo que se apoia objetivamente na sensação de abandono e incerteza vivida pela maioria da população — mas, sobretudo, aquele medo que se infiltra no espírito por meio da difusão calculada dos canhões subjetivos do sistema corporativo de desinformação: os grandes monopólios midiáticos e as empresas que controlam o ambiente digital.

Tal como no período colonial, o capital concentrado e parasitário quer continuar sobrevivendo à base do saque e da exploração. Não se trata apenas de tomar nossos recursos naturais; trata-se de nos colocar de joelhos, de esmagar nossa força, apropriando-se do que temos de mais valioso: a confiança na capacidade transformadora e criadora dos nossos povos, capaz de construir bem-estar coletivo e uma vida verdadeiramente digna.

Querem que o desalento nos vença, querem paralisar nosso espírito de rebeldia diante da exploração, querem nos anestesiar. Querem nos dividir.

Para enfrentar e superar o medo, precisamos nos unir. Uma unidade que acolha — e não sufoque — a diversidade; que coloque no centro as necessidades mais urgentes das maiorias; que se oponha à segregação que insiste em persistir; que erga a bandeira de uma democracia real e soberana; que tenha como horizonte transformar pela raiz um sistema injusto e predatório.

Uma unidade construída a partir dos povos, que renove os sonhos de integração regional como caminho de progresso compartilhado para todas e todos.

Para avançar, é essencial que a comunicação ajude a fortalecer, entre nossos povos, a confiança em sua capacidade de mudar a realidade. Precisamos reafirmar que transformar a situação atual — indigna e insustentável — é não só possível, como urgente. E faremos isso com absoluta convicção na vitória.

Reconhecendo as virtudes e potências dos nossos povos, convocamos à alegria, à solidariedade, ao senso de comunidade, à colaboração, à criatividade, ao entusiasmo e à renovação dos nossos ideais.

Chamamos também nossos povos irmãos do Norte a pôr fim à tirania e se libertarem dos impulsos monárquicos e das pretensões supremacistas.

Reafirmamos a importância da luta pela democratização da comunicação e pelo fortalecimento dos meios independentes, comunitários e populares. Exigimos que governos de esquerda e progressistas coloquem essa pauta no centro de suas agendas nacionais e de integração regional.

Defendemos também a necessidade de avançar em medidas de regulação das plataformas digitais hegemônicas e reivindicamos apoio decisivo ao desenvolvimento e à implementação de tecnologias soberanas.

Desde Salvador, coração da resistência antiescravista, convocamos à libertação das correntes do capitalismo e do imperialismo, assim como das correntes do patriarcado, do racismo e de todas as formas de violência e discriminação.

O presente é de luta. O futuro é nosso.

Salvador, Bahia – 29 de novembro de 2025

Encaminhamentos e prioridades para o próximo período:

• Priorizar a defesa da paz e da soberania na América Latina e no Caribe, garantindo autonomia política, informacional e territorial.
• Manifestar solidariedade ativa aos povos da Venezuela, da Colômbia e da Palestina diante dos ataques e ameaças promovidos por Donald Trump, reafirmando a autodeterminação e a não ingerência externa.
• Reconhecer que a integração informacional e comunicacional exige unidade na diversidade, com respeito às diferenças políticas e contextuais.
• Fortalecer a Comissão de Comunicação para a Integração, responsável por articular comunicadores, veículos e movimentos.
• Reforçar a luta pela democratização da comunicação e pela consolidação de mídias independentes, comunitárias e populares.
• Defender a Comunicação Pública e enfrentar o desmonte de seus sistemas.
• Ampliar a presença da pauta da integração regional nos meios de comunicação e no ativismo digital.
• Estabelecer mecanismos de cooperação com troca de conteúdos, traduções e colaborações jornalísticas.
• Assumir o debate sobre regulação das plataformas digitais como eixo estratégico para democracia e soberania.
• Incluir a soberania digital como pauta central da produção jornalística.
• Combater a desinformação, destacando pesquisas e iniciativas do continente.
• Valorizar e fortalecer o Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América (FCINA).
• Impulsionar alianças público-comunitárias para ampliar a circulação da produção das mídias comunitárias nas redes públicas.
• Reivindicar políticas de financiamento às mídias independentes e comunitárias, incluindo distribuição de verbas publicitárias.
• Defender o papel estratégico da TeleSur como canal multiestatal essencial para a democratização da comunicação continental.
• Buscar linhas de apoio e editais junto ao Banco dos BRICS para iniciativas de comunicação.
• Articular, no âmbito dos BRICS, ações relacionadas à soberania digital.
• Incentivar o aprendizado de português e espanhol nas organizações envolvidas, reduzindo barreiras linguísticas.
• Rejeitar propostas de instalação massiva de data centers sem diálogo com o povo e que aprofundem dependência tecnológica; compreender que a disputa central do século XXI se materializa em estruturas físicas que extraem dados latino-americanos para treinar modelos de IA usados, inclusive, como munição em massacres ao redor do mundo, como os perpetrados pelos drones de Israel contra o povo palestino.